Por: Jairo Alves
Resumo
O presente trabalho busca analisar como
o Império Brasileiro tratava o problema das secas nas cidades interioranas do
Nordeste, tendo a cidade de Ipu como foco. Através de pesquisa bibliográfica
que trata desta temática, e reportagem do jornal Cearense, notamos que várias
obras foram construídas nos diversos municípios do interior nordestino. A
periodicidade da escassez de chuva, fez com que o Império do Brasil, mediante
as reclamações dos representantes das províncias do nordeste, manda-se
providenciar uma comissão para que fossem realizados estudos que apontassem
quais eram as melhores obras e municípios que atendesse ao objetivo de socorre
as vítimas das secas. Assim, providenciavam-se obras emergenciais em várias
partes do nordeste. Construções que iam desde simples cobertura de alvenaria
para cacimbas de água, até construção de pontes, açudes, Cadeias Publicas e
Quartéis.
Palavras Chave: Secas, Obras, Império.
O Caso do Ipu
O Império Brasileiro providenciou
várias obras para a cidade de Ipu, Ceará, prova da importância política que a
cidade tinha no período. Visto que as verbas destinadas aos socorros não tinham
apenas uma caráter filantrópico, mas representavam uma série de interesses, que
no âmbito municipal, era representado na figura dos coronéis, grandes
latifundiários que muitas vezes se utilizavam das verbas para proveito próprio.
No Ipu teremos a construção do Açude
Bergdoff que foi mais uma obra com o intuído de abastecer a cidade em tempos de
falta de água. Devido às “crises climáticas... o reservatório secou totalmente,
deixando em seu lugar uma série de casebres” . Creio que os primeiros moradores
do bairro Bergdoff foram os próprios trabalhadores que empregaram sua força de
trabalho na construção do açude, fixando moradia em torno do açude, dando
inicio ao surgimento do bairro mais pobres da cidade. Segundo Lúcia Fontenelle
os primeiros moradores do novo bairro que levava o nome do engenheiro russo
empregado na obra, não sabiam pronunciam o nome Bergdoff, assim o Bairro virou
“Breguedoff” .
Outra construção tinha duplo objetivo
tanto socorre o município dos danos da seca, como reafirma o poder imperial no
interior, visto que havia uma preocupação com a ordem. É a construção da Cadeia
Imperial, segundo Valdemira Coelho, o antigo Cárcere Imperial, localizado
atualmente no centro da cidade, entre a Praça 26 de Agosto e a Praça Delmiro
Gouveia, de frente a Igreja de São Sebastião, é conhecido como o primeiro
cárcere da nossa cidade, tendo sido construída pelo Governo Estadual em 1877:
"O prédio era constituído de dois
andares – sendo três compartimentos no andar superior e três no andar inferior.
No andar superior, o primeiro compartimento servia para os trabalhos da Câmara;
no segundo funcionava o Conselho e no terceiro, depósito do Arquivo, acervo
referente à Câmara. No andar inferior, os dois compartimentos da frente eram
destinados aos presidiários e o do centro, que se comunicava com o andar
superior por meio de degraus, servia para guarda o ARMAMENTO." (MELLO,
1986)
O prédio foi desativado quando a Cadeia
Republicana ficou pronta, funcionou dos anos finais da década de 1880 a 1933,
quando a Cadeia Republicana foi construída.
A construção da Cadeia Imperial foi
possível com os recursos destinados a socorrerem os flagelados da seca de
1877-1879. Não só no império mas na Republica também várias foram as obras
realizadas no município de Ipu, como a construção da Cadeia Republicana e Campo
de Concentração de Flagelados. Estes acabavam engendrados no processo de uma
elite local, que dentro das influências vindos principalmente de Paris do final
do XIX inicio do XX, buscavam modernizar e embelezar a cidade com a construção
de calçamentos e calçadas, praças e prédios públicos, além da busca de encurta
as distancias entre os centros produtores de gêneros agrícolas, exemplo a
estrada de rodagem para ligar os municípios da Serra ao sertão. Interessante
como as verbas que eram empregadas deste o Império do Brasil, agora na Republica
tinham um objetivo bem diferente de seu objetivo primeiro.
Com a calamidade das secas no ceará, o
Governo Federal (...) ordenou à Inspetoria Federal de Obras contra as Secas a
construção da estrada de rodagem ligando Ipu a São Benedito, para minorar a
situação dos flagelados, acossados desde a seca de 1915, (...)
O importante é perceber como práticas
do governo imperial continuaram na Republica, o novo regime político que
desdenhavam tudo que viesse do seu antecessor, não deixou de lado antigas
práticas das elites locais (coronéis), que aprenderam na época do império a
manipular verbas destinadas as secas para aumentar seus recursos e sua
influência nas regiões que dominavam, como as aprimoraram e passaram a aplica
os recursos das secas com o objetivo de modernizar a cidade, essa elite que
surgiam com o fim do antigo regime, estava interessada em introduzir o
município no sistema de trocas (comercialização) que o sistema capitalista
exigia.
O historiador cearense Raimundo Girão
chega a contabilizar algumas obras no Estado do Ceará, obra estas em sua
maioria feitas com a força de trabalho dos flagelados das inúmeras secas que
assolava o estado na virada do século XIX para XX.
Improvisavam-se serviços públicos para
o aproveitamento dos braços dos indigentes, e dessa forma se construíram
estradas de ferros, 73 açudes, 64 igrejas, 50 cemitérios, 48 cadeias, 19
pontes, 14 mercados, 7 quartéis, 3 asilos, calçamentos, rodagens, aterros .
Esta citação chama atenção pelo numero
de cadeias (48) e cemitérios (50) construídos em todo o Estado. Podemos
abstrair desta fonte, que a causa da construção de várias cadeias públicas se
dava pela preocupação por parte das autoridades constituídas, com a ordem ou
melhor com a desordem, e o ócio das massas de pessoas desempregadas que surgiam
de todas as partes do sertão.
As Secas no Século XIX
O século XIX, o século da monarquia
imperial brasileira, foi assolada por várias secas, Já inicia-se com a seca de
1809. No livro Notas Sobre As Secas de Antonio Malveira , o autor aponta que o
“ano é também notável pela seca e mortandade dos gados no sertão,
principalmente ao norte do Ceará desde Quixeramobim, Riacho do Sangue, até
Cratéus e Acaraú” , os anos se sucederam até as secas 1814, 1824 e 1825. Nestas
o estado do Nordeste que mais sofreu foi o Rio Grande do Norte. No Ceará a
calamidade foi agravada pela peste de bexiga, causas morais, como guerra e
assassinatos, mas a falta de chuvas não foi absoluta, ocorrendo em algumas
ribeiras fazendo algum pasto.
Já os estudos de Pinto Aguiar , baseados
no levantamento feito por Lopes de Andrade no Boletim (vol. 15, n°1) da Antiga
Inspetoria de Obras Contras as Secas, aponta que o Nordeste passou por 32
estiagens mais ou menos prolongadas que atingiram “total ou parcialmente” esta
região, destas 32 estiagens, 11 foram nos anos oitocentos: em 1804, 1816, 1824,
1827, 1830, 1833, 1845, 1877, 1888, 1891 e 1898. Contabilizando 7 secas no
período Imperial.
É notável que no Império (1822-89)
apesar das constantes secas que assolavam o nordeste, e Aguiar faz essa
abordagem, “pouco ou nada se fez para atacar o problema nas suas causas e
origens, atentando apenas para os seus efeitos conjunturais e transitórios” .
Percebesse que o governo investia-se de uma função “paternalista”, onde a ajuda
era mais uma espécie de medida de caráter emergencial.
Nota-se o caráter paternalista do
imperador quando da sua fala, no encerramento da sessão legislativa de 14 de
Outubro de 1877, ele teria dito “Venderei o último brilhante de minha coroa
antes que algum cearense morra de fome.”
Em 15 de dezembro do mesmo ano o
governo Imperial nomeou uma comissão para estudar o problema da estiagem e
apresentar sugestões. Em abril de 1878 a comissão apresentou seu relatório ao
governo Imperial, recomendando as seguintes obras:
a) construção de 30 açudes, com
capacidade mínima de um milhão de metros cúbicos cada;
b) fornecimento gratuito de planta para
construção de açudes por particulares;
c) construção de três estradas de
ferro: de Fortaleza a Baturité, de Aracati a Sobral, de Aracati a Icó.
A seca dos finais da década de 1870,
através da leitura de várias fontes, pôde-se observar que foi uma das mais
cruéis pela qual o nordeste já passou. A situação era tão grave que todos os
integrantes do ministério liberal enviaram uma mensagem ao imperador expondo
medidas para amenizar a situação:
Nas calamitosas circunstâncias porque
estão passando as Províncias do Norte causadas pela seca que, há quase dois
anos, as devasta, o Governo de Vossa Majestade Imperial tem-se esforçado por
cumprir se dever empregando todos os meios de que dispões para aliviar os
sofrimentos dos habitantes daquela parte do Império.
Mas o que realmente chama atenção nessa
mensagem, é o que pode ser considerada, a fonte original das famigeradas
Frentes de Trabalho , ou seja, a utilização da força de trabalho ociosa gerada
pela falta de trabalho no campo, com a falta de chuvas os trabalhadores do
campo vão busca nos grandes centros urbanos como Fortaleza, meios de
sobrevivência. Como em Ipu os flagelados do Campo de Concentração eram
empregados pelo governo local nas obras publicas, finalização da Cadeia
Republicana e calçamentos.
Tirar vantagem da própria desgraça,
empregando em trabalhos úteis tantos braços ociosos; estabelecer um sistema de
serviço que sobre assegurar a essa população meios de subsistência, alimente
seu amor ao trabalho, mediante razoável gratificação; tal é, senhor, o
pensamento fundamental do projeto que os ministros de Vossa Majestade Imperial
resolveram submeter à sábia apreciação de Vossa Majestade, solicitando a
necessária aprovação.
Assim, a elite política, “Tirar
vantagem da própria desgraça”, utilizando-se da força de trabalho dos
flagelados para inserir a cidade no processo de modernização da cidade.
Secas e Obras: “A Commissão de Açudes”
Em pesquisa recente no (NEDHIS)
descobrimos um material muito significativo sobre as obras que eram construídas
pelo Império Brasileiro no Nordeste, o Jornal Cearense, que relata dados de
contabilidade de gastos e de obras bem como uma parte bastante significativa
como uma reportagem sobre a Commissão de Açudes, este trecho traz um breve
histórico do surgimento da comissão, segundo a reportagem a comissão surgiu em
1879 como uma necessidade visto que a população do ceará “gemia sob os horrores
d’uma secca desoladoura que tivera começo em 1877”, e que era necessária a
“minoração dos soffrimentos da Provincia”. Transcrição na integra no anexo
deste trabalho.
(...) criou o Governo geral, em 1879,
uma commissão incubida d’investgar os lugares,que mais vantagens offerescessem
para construcção d’açudes que servissem de grandes reservatórios d’agua, e
minorassem os estragos d’essas seccas periodicas, soem consternar os habitantes
d’esta província.
Cabe observamos nesta citação a parte
que diz “d’investgar os lugares,que mais vantagens offerescessem para
construcção d’açudes” devemos ser críticos, pois creio, que os lugares que mais
“offerescessem” vantagens, não são só do ponto vistas do terreno, vantagens
naturais, mais sim, que há interesses políticos que permeavam as relações entre
a Corte e funcionários ou mesmo “coronéis” que possibilitavam a existência da
ordem, em territórios tal longes da capital imperial.
A fonte (jornal Cearense) nos permite
até sabermos quais eram os profissionais empregados na empreitada como sua
quantia exata, pelo menos o que o jornal expõe.
Com outro do exercicio de 1897 a 1880,
da quantia de 50:000$000, ficou o chefe solido, a tal ponto que acercou-se de 1
ajudante 1 agrimensor, 2 auxiliares, 2 desenhistas, 1 secretario, 1 fiscal d’armasem,
e um carpinteiro e mais 46 trabalhadores.
Outro trecho interessante da reportagem
é justamente onde se percebem, o quanto os funcionários tinham liberdade para
empregar as verbas imperiais, o que ela chama de “larguësa” (sic), que era
destinadas ao esforço de se encontrar um local “proprio para açudes”, visto que
os gastos iam desde “espingardas” a aquisição de “cachorros”, por certo com o
intuito de farejar pistas que levasse a água ou simplesmente para ajuda a
locomoção por entre as matas do sertão. Além de empregarem-se gastos com
“artigos inteiramente estranhos ao estudo de local proprio para açudes”, esse
trecho, faz-nos questionarmos o que seriam gastos com “artigos inteiramente
estranhos”, seriam artigos científicos ou bugigangas sem um peso realmente
necessário para a expedição?
O questionamento se seriam material
desnecessário para a comissão, vem do trecho final, onde se ler “a menos que o
Exm. Sr. Ministro d Agricultura se não obrigasse a satisfazer os desejos mais
caprichosos do chefe da commissão”, desejos caprichosos por certo não é com
artigos necessários a obra.
Porém estudos apontam que a comissão de
açudes não teve resultados práticos. Segundo o relatório de 1880, do presidente
do Conselho e ministro da Fazenda, Saraiva, no decênio 1870 a 1880 o governo
imperial teria gasto “sem resultados práticos contra a erradicação”
74.163:906$159, dos quais 64.967 contos apenas em 77/79, ou seja, quase 90%.
Neste período os políticos estavam preocupados com a reforma no sistema
eleitoral e a restauração das finanças publicas, que agravou-se com os gastos
da construção das várias obras publicas, além dos embates entre escravocratas e
abolicionistas. A seca de 1888, às vésperas da Proclamação da República, não
sensibilizou as classes dirigentes. E com a implantação da Republica o problema
das secas que não escolhe sistema político permaneceu e as praticas iniciadas
no império, irão ter continuidade no regime republicano, onde as classes
políticas locais vão desviar as verbas destinadas dos socorros públicos aos
flagelados e das obras para cimentar seu poder nas sociedades interioranas.
FONTE ESCRITA
1- Jornal CEARENSE Ano XXXVI, Nº7.
Fortaleza, 1882. Disponível no Núcleo de Estudos e Documentação Histórica
(NEDHIS) da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
2- Pesquisa Monográfica realizado por
Jairo Alves, (A Cadeia Publica de Ipu: A Cadeia Publica e a Violência Coletiva
1933-1999). Orientado pela professora Ms. Viviane Prado.
BIBLIOGRAFIA
AQUIAR, Pinto de. Nordeste: o drama das
secas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
ARAÚJO, Raimundo Alves de. Ipu: a seca
e o progresso (1915/1932). Ceará: Programa de Especialização em História da
Universidade Estadual Vale do Acaraú. 2007.
FONTENELLE, Lúcia Maria. Classe pobre
Classe perigosa: A favela Breguedoff em Ipu. Ceará: Monografia de Graduação em
História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, 2000.
MELLO, Maria Valdemira Coêlho. O Ipu em
três Épocas. Fortaleza: Popular editora LTDA, 1985.
MALVEIRA, Antonio. Notas Sobre As
Secas. Fortaleza: Peneluc, 2000.
NETO, Izaias Portela. “Cadeia Velha” de
Coreaú: História e Memória. Ceará: Monografia de Graduação em História pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, 2004.
PONTES, Sebastião Rogério.
Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social (1860-1930). 3º Ed.
Fortaleza
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