O objetivo do livro é compreender a
concepção de Deus no Ocidente medieval, e a substituição do culto de uma
multidão de deuses do paganismo antigo, pela crença em um só Deus.
“Diferentemente de Javé ou Alá, que o judaísmo e o islam protegeram de qualquer
figuração, (...) O Deus dos Cristãos é antropomórfico e sua ‘antropomorfização’
se faz, essencialmente, durante o período medieval.” p.09-10
O autor nos chama atenção para o fato
de que a concepção de Deus em uma sociedade vária dependendo do lugar ou da
pessoa que imagina Deus. Existe uma concepção diferente entre um clérigo e um
leigo, um rico e um pobre, a religião oficial e a popular etc. E com tantas
formas de pensar Deus, encontramos divergências entre o monoteísmo oficial da
Igreja e as formas politeístas da religiosidade popular assumem. Até mesmo a
imagem de Deus muda e se transforma com o correr do tempo, e se molda a sua
época. No período medieval era comum a representação de Deus sentado em um
trono, como um rei, ou a tendência em divulgar a imagem do cristo crucificado
em vez do cristo morto descido da cruz, nos joelhos de sua mãe. Até mesmo a
imagem mais simples, tem um significado, que vai além do religioso. p.12
“A antiguidade tardia é o período em
que o Deus dos cristãos se torna o Deus único do Império romano”. p.18 (Fim do
Império Romano do ocidente 476 e início da Idade Média)
O imperador Constantino buscando uma
religião que fosse mais coesa deixa de perseguir os cristãos e passa até a
recorrer a essa religião para buscar soluções para os problemas políticos do
império. O Cristianismo passa em pouco tempo de uma seita perseguida, a
religião oficial do Estado por meio do Imperador Teodósio em 392, a religião
politeísta da Roma antiga não mais dava o suporte social às famílias
tradicionais que se mantinha no poder, desde o imperador Augusto. A adoção do
Cristianismo pelo imperador Constantino um século antes, funcionou como uma medida
para tentar salvar o império dos conflitos internos que ameaçavam a integridade
do império. p.18-19
Geralmente a conversão dos chefes leva
a conversão da população, a estrutura social dos bárbaros que aos poucos foi se
mesclando a cultura romana, principalmente após a queda do império, e a sua
tendência a seguir o líder tribal, fez com que a questão da adoção do
cristianismo fosse uma questão de tempo. Assim: “O Deus é o Deus do
senhor, com uma espécie de superposição dos dois níveis de dominação: dominus, com d pequeno, designa o senhor terrestre, e,
com D grande, o Deus que em geral é chamado
de senhor, na Idade Média.” p.22
Como tudo na história a passagem de um
culto pagão de vários deuses para o monoteísmo cristão foi um processo gradual,
onde os templos pagãos foram destruídos, bem como objetos naturais como árvores
sagradas: “Os grandes santos do início da Idade Média são destruidores de
templos e de árvore sagradas.” p.23 (Obs: Na serie Game of Thrones vemos os personagens cultuando árvores
sagradas, bem como uma variedade de crenças num mundo pré-cristão. Lógico
deixando de lado a parte de ficção da serie)
A então nova Igreja vai aos poucos
dando novo sentido a antigas práticas e mesmo nomes pagãos, como a palavra
demônio, que vem do grego “dáimon”, que pode significar “bom” ou “mal”.
“O cristianismo medieval reclassifica essa família de bons e maus demônios em
anjos e diabos. (...) O Deus que vem da Bíblia não, é de fato, nem bom nem mau.
É todo poderoso, é justo, mas pode ser terrível. Pode ser um Deus de cólera, um
Deus de vingança, e o clero medieval terão, tanto quando os fiéis, dificuldade
em deixar de considerar essa imagem.” O Tema do “Flagelo de Deus”, o castigo
vindo do céu, a punição divina, foi uma constante na vida cotidiana do homem
medieval. p.28-29
A própria imagem de Deus que vai sendo
construída ao passar dos séculos, de início ele permanece no céu não mostrando
mais que a mão saindo das nuvens, nas primeiras representações, posteriormente
quando Carlos Magno depõem os imperadores germânico com o intuito de criar um
império cristão, passa a ser um Deus real, majestoso, sentado no trono e
posteriormente se incluem cristo e a imagem do espírito santo, formando a
imagem da trindade. Que alias não é homogênea, mas entre 1200 á 1400, tinha
cindo formas distintas de representação iconográfica, além das diferentes
concepções que assume na virada do século XIV para o século XV, até se
consolidar na imagem clássica de Deus pai, com o Deus filho Jesus ao lado e o
espírito santo descendo sobre eles. p.53-55
Outra característica medieval que
sofreu influência da religião foi a justiça, na alta idade média existia o
“Julgamento de Deus”, um conjunto de provas que dependendo do resultado
inocentava ou condenava uma pessoa suspeita. Podia fazer com que um suspeito
“pegasse com as mãos um objeto de metal incandescente. Inocente, se o metal em
fogo não o queimasse. Condenado, no caso contrário”. Outra prova muito comum do
período, que era na verdade uma adaptação dos costumes dos guerreiros pagãos
recém-convertidos consistia no chamado “combate singular”. Onde através da
disputa corpo-a-corpo se provava a inocência dos lutadores, o que vencesse a
luta era inocente. Geralmente esse costume dava início a um comércio, visto que
acusados mais fracos, particularmente mulheres, podiam contratar campeões que
lutavam no seu lugar, por fama e riqueza, se vencesse seu cliente era inocente.
A crença era que “Deus dava a esses campeões a força que os fazia vencer se a
causa que defendiam fosse justa”. p.77
A Igreja se consolidou gradualmente até
ser a intermediária obrigatória entre o homem e Deus. Os instrumentos de
dominação da Igreja foram à teologia e a prática dos sacramentos. “O século XII
é aquele em que se estabelecem firmemente os sete pecados capitais, os sete
dons do Espírito Santo e os sete sacramentos”. p.88 Assim a salvação só vinha
através dela e com ela, o que não quer dizer que as pessoas não aspirassem por
uma relação direta e individual com Deus.
A Igreja para satisfazer a aspiração
popular, sem renunciar a seus privilégios e à sua dominação, fez com que
evoluísse o sistema dos sacramentos, como o batismo, a confissão, etc. Um
exercício espiritual garante um equilíbrio entre as relações do homem com Deus,
a oração. Nesse contexto que o Pai Nosso ganha importância, sendo incluído à
liturgia da missa. Posteriormente a Ave Maria ganha importância também. p.99
Outra forma de a Igreja medieval
garantir seu papel de única intermediária entre Deus e os homens, era através
da língua, só se falava com Deus em latim, as missas eram em latim. As pessoas
pobres e leigas não tinham acesso ao ensino dessa língua, só os clérigos da
Igreja dominavam o latim. Essas condições fizeram com que os fiéis sofressem
uma certa frustração no seu relacionamento com Deus, o que segundo o autor,
pode ter sido favorável ao surgimento da Reforma posteriormente, onde “muitos
pensaram achar um acesso mais autêntico e mais direto a Deus”. p.100
Recomendo este livro para pessoas que
estudam religião e querem entender melhor alguns conceitos referentes a
formação da Igreja Crista do Ocidente, ao longo da Idade Média, como o conceito
de Trindade, a representação imagética de Deus, e alguns dogmas cristãos como
os dons do Espírito Santo, os sete pecados Capitais e o lugar de Maria na
estrutura da nascente igreja. Importante compreender como se deu esse processo
de passagem de uma cultura totalmente pagã do império Romano, politeísta, para
um culto monoteísta, e o que isso significou no cotidiano do homem medieval.
Fonte: LEE GOFF,
Jacques. O Deus da Idade Média. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira, 2007.
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