MARIA REGIANE GOMES BARROS
(Texto adaptado a partir da monografia de graduação em História, com este mesmo titulo, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú –UVA, ano 2015)
INTRODUÇÃO
O tema desta monografia resultou de um
projeto de pesquisa do Programa de Iniciação Científica da UVA, com
financiamento da FUNCAP, que buscava fontes para a história da ditadura
civil-militar no noroeste cearense. Na coleta de documentos percebeu-se que a
ditadura teve repercussões em Ipu e que o tema merecia ser investigado, já que
apesar de bastante discutido na atualidade a produção historiográfica sobre a
ditadura ainda está muito restrita às grandes cidades. O objetivo deste
trabalho é, pois, investigar as repercussões do golpe de 1964 na sociedade
ipuense, identificando as elites políticas locais, suas relações com o regime e
as repercussões do regime na cidade. O recorte temporal deve-se aos primeiros
momentos de instalação da ditatura, bem como a hegemonia política de Rocha
Aguiar no poder municipal. As fontes utilizadas foram: atas de câmara, jornais,
depoimentos e imagens. O referencial teórico é a nova história política,
pensando o jogo político como resultante da ação dos diversos sujeitos sociais.
Constatou-se que tanto a repressão quanto a resistência chegaram a cidade de
Ipu, embora nem todos tivessem consciência disso.
Para uns “Ditadura”, para outros
“Revolução”. A Ditadura militar que durou 21 anos, sendo instalada em 31 de
março de 1964, por um golpe civil-militar e finalizada em 1985, com a eleição
de Tancredo Neves, foi um dos períodos mais conturbados da história política
brasileira. De acordo com a historiografia, os principais fatores que
influenciaram o golpe fora o alto custo de vida, levando a ocorrências de
muitas manifestações e greves, instabilidade política durante o governo de
Jango, dentre outras, e principalmente a preocupação da classe média de que o
socialismo fosse implantado no Brasil:
“As transformações estruturais do
capitalismo brasileiro, a fragilidade institucional do país, as incertezas que
marcaram o governo de João Goulart, a propaganda política do Ipes, a índole
golpista dos conspiradores, especialmente dos militares — todas são causas,
macroestruturais ou micrológicas, que devem ser levadas em conta, não havendo
nenhuma fragilidade teórica em considerarmos como razões do golpe tanto os condicionantes
estruturais quanto os processos conjunturais ou os episódios imediatos. Que uma
tal conjunção de fatores adversos — esperamos todos — jamais se repita.” (FICO,
Carlos. Revista Brasileira de
História, vol.24, nº 47 Ano 2004. p.56)
As principais características do regime
militar foram a censura aos meios de comunicação, cassação política aos
opositores e repressão as manifestações e movimentos sociais. Com a decretação
dos Atos Institucionais o governo podia mandar sem limites, muitos partidos políticos
foram perseguidos e outros extintos, ficando somente dois partidos, a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA) que muitas vezes se dividia em duas ou três
sublegendas, apoiando o governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
que representava a oposição ao governo. Foi um período marcado por muita
injustiça, tortura e morte:
“O golpe de 1964 colocaria os militares
como autores de atrocidades, de violências, de arbitrariedades e de torturas
que jamais se coadunaram com o sentido das Forças Armadas e eram indicação
eloquente de deterioração dessas instituições por forças de condições
políticas. A utilização repetida e continuada das Forças Armadas, em nosso
país, para a conquista do poder, impossível, para as forças do atraso, pela via
eleitoral, é responsável por tal 10 deterioração e, consequentemente, pelo
declínio da disciplina que lhes é necessária, e que constitui mesmo a sua razão
de ser.” (SODRÉ, Nelson Werneck. História Militar do Brasil. 2a ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2010, P 482.)
Sabe-se que esse regime militar foi
sentido principalmente nas grandes capitais, onde tanto a repressão quanto a
resistência ganharam mais visibilidade. Mas como o regime se fez sentir nos
pequenos municípios brasileiros? A escolha do tema desta monografia resultou de
uma pesquisa do Programa de Iniciação Científica, com financiamento da FUNCAP,
intitulado Fontes para a
história da ditadura civil-militar no noroeste cearense. Na coleta de documentos percebi que a ditadura teve repercussões em
Ipu e que o assunto merecia ser investigado, já que apesar de bastante
discutido na atualidade, o tema do golpe de 64 ainda está muito restrito as
grandes capitais, não há na historiografia da cidade de Ipu nenhuma produção
sobre o tema, daí a importância desse trabalho.
Desvendar o que ocorria na política
local durante esse período, é um trabalho de extrema importância para a
compreensão da história política deste município, atentando para os grupos que
estavam no poder e se eram contra ou a favor do regime. Portanto, o objetivo
deste trabalho é analisar as repercussões do golpe de 1964 na sociedade
ipuense, identificando as elites políticas locais, suas relações com o regime e
as repercussões na cidade. O recorte temporal, 1964-74, foi definido pelo
período de instalação do novo regime, bem como, a hegemonia de Rocha Aguiar no
poder municipal.
A pesquisa teve início com a
catalogação e leitura das atas da Câmara Municipal de Ipu, com o intuito de
entender as organizações e conflitos vivenciados nas disputas políticas daquele
período. Infelizmente as atas referentes aos anos de 1964 a 1970 foram
extraviadas, restando apenas quatro anos de documentos disponíveis.
Seguiu-se com a catalogação e leitura
dos jornais, tais como: Jornal Ipu Grande, periódico ipuense contemporâneo,
produzido por historiadores que discutem temas de história da cidade e o jornal Ipu em Jornal criado em 1958, pausado as véspera do
golpe, voltando a circular na cidade somente depois do período.
Também trabalhou-se com as fontes
orais, ouvindo historiadores locais, lideranças políticas, memorialistas e
pessoas comuns que se dispuseram a expor suas memórias sobre o período.
Ressalta-se a inestimável contribuição do memorialista Prof. Melo, que além das
suas memórias disponibilizou seu acervo rico em imagens e outros materiais
fundamentais a execução desse projeto.
O referencial teórico utilizado na
pesquisa é a nova história política, que de acordo com René Remond, ao se
ocupar do estudo da participação na vida política e dos processos eleitorais,
integra todos os atores, mesmo os mais modestos, no jogo político, perdendo
assim seu caráter elitista e individualista e elegendo as massas como seu
objeto central. Seu interesse está voltado para a pluralidade dos ritmos que
combina o instantâneo e o extremamente lento. (Apud FERREIRA, M. de M. A nova “velha
história”: o retorno da história política. In: Revista Estudos Históricos. Rio
de Janeiro: CPDOC, 1992/10. p. 4.)
A pesquisa está dividida em dois
capítulos, no primeiro, trabalha-se a história política local fazendo conexão
com a política regional e nacional, com o intuito de compreender as alianças
que foram formadas entre os chamados “Coronéis da Ditadura”. Descreve-se como
aconteciam as sessões da Câmara municipal de Ipu, as obras executadas no
município no período pesquisado, além de discorrer sobre a participação
feminina na política, fato marcante naquele período.
No segundo capítulo procura-se
identificar o autoritarismo no poder local, a repercussão das práticas
repressivas e de resistência na esfera local. Destaca-se as práticas de
torturas, com a história de vida de ex-militantes ipuenses, como também as
memórias da população acerca desses episódios e sua relação com o tempo
presente.
Portanto, escrever sobre as
repercussões da ditadura em Ipu é contribuir para a historiografia do regime de
exceção no Brasil, e para história política cearense que ainda tem muito a ser
desvendada.
CAPÍTULO 1 - O GOLPE E A CIDADE.
O objetivo deste capítulo é identificar
as elites políticas que detinham o poder local nas décadas de 1960-70, suas
relações como o novo regime, concretizadas em investimentos públicos e a
participação feminina na política.
A cidade de Ipu conquistou sua
emancipação política somente no dia 26 de agosto de 1840, nesse ano foi elevada
a condição de vila com o nome de Vila Nova do Ipu Grande. Para o historiador
Antônio Vitorino isso teve muita importância política, visto que Ipu passaria a
ser sede da Câmara Municipal, órgão responsável pela administração do município
que foi instalada em 1842. Somente em 25 de novembro do ano de 1885 foi elevada
a categoria de cidade. (Site: http://amoscanomeupao.blogspot.com.br. Acesso em
05/09/2015.)
Localizada na região noroeste do Ceará,
fica a aproximadamente 250km da capital, Fortaleza, e possui uma população
aproximada de 42.000 habitantes. (IBGE, 2010. Acesso em 15 de julho de 2015.)
Nas décadas de 60 e 70, com uma
população estimada em 30.000 pessoas, (Francisco de Assis Martins. Entrevista
concedida a autora em 04 de setembro de 2015.) Ipu foi palco de muitos conflitos políticos,
reflexo do golpe civil-militar instalado no país em 1964. Relatos de um
ipuense, estudante do curso preparatório para oficiais da reserva não
remunerada R2 em Fortaleza, as vésperas do golpe, dão conta do que viria em
1964:
“Em Fortaleza eu peguei o preâmbulo da
ditadura militar que estourou em 64. Quando estava em 63 já existia aquele
preâmbulo de preparação, sempre o quartel estava de alerta. Quando o quartel
estava de alerta ninguém consegue tirar nem os coturnos a gente só faz afrouxar
e repousar ali um pouquinho. Porque no tocar da corneta é alarme geral dentro
do quartel para todo mundo está a ponto de briga, já de atirar, matar, esfolar
e fazer o diabo se for preciso. Lamentavelmente a gente tem que dizer isso.”
(Francisco de Assis Martins. Entrevista concedida a autora em 20 de setembro de
2014.)
O golpe militar instalado no Brasil em
1964 deixou marcas profundas na sociedade brasileira. “O Exército que no dia 31
dormiria janguista, acordaria revolucionário, (...) Começara, de fato, um
gigantesco Dia da Mentira, não só pelo que nele se mentiu, mas sobretudo pelo
que dele se falseou.” (GASPARI, Elio. As ilusões armadas. A Ditadura
Envergonhada. 2.ed. rev. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p.96) Não há dúvidas que esse período foi de
intensas transformações no país, intitulado pelos seus promotores de
“revolução”, dividindo opiniões entre positivas e negativas, mas, com o passar
dos acontecimentos foi se percebendo quão cruel foram esses vinte e um anos que
os militares tiveram no poder exercendo uma ditadura:
“Durante os 21 anos de duração do ciclo
militar, sucederam-se períodos de maior ou menor racionalidade no trato de
questões políticas. Foram duas décadas de avanços e recuos, ou, como se dizia
na época, “aberturas” e “endurecimento”. De 1964 a 1967 o presidente Castello
Branco procurou exercer uma ditadura temporária. De 1967 a 1968 o marechal
Costa e Silva tentou governar dentro de um sistema constitucional, e de 1968 a
1974 o país esteve sob um regime escancaradamente ditatorial. De 1974 a 1979,
debaixo da mesma ditadura, dela começou-se a sair.” (GASPARI, 2014, p131.)
Para Marcos Napolitano o golpe
civil-militar de 1964, reunindo autoritários e liberais, tinha dois objetivos
básicos, que ele resumidamente descreve:
“O primeiro objetivo era destruir uma
elite política e intelectual reformista cada vez mais encastelada no Estado. As
cassações e os inquéritos policial-militares (IPM) foram os instrumentos
utilizados para tal fim. Um rápido exame nas listas de cassados demonstra o
alvo do autoritarismo institucional do regime: lideranças políticas, lideranças
sindicais e lideranças militares (da alta e da baixa patente) comprometidas com
o reformismo trabalhista. Entre os intelectuais, os ideólogos e quadros
técnicos do regime deposto foram cassados, enquanto os artistas e escritores de
esquerda foram preservados em um primeiro momento, embora constantemente
achacados pelo furor investigativo dos IPM, comandados por coronéis da linha
dura.” (NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo:
Contexto, 2014. p.57.)
De fato foi isso mesmo que eles
ditatorialmente proporcionaram, os governos não querem pessoas instruídas,
pois, a educação possibilita uma mente mais aberta para lutar por melhorias
políticas, assim como a concretização de nossos direitos sociais e liberdade,
que foram massacrados pela ditadura com seu poder autoritário. O segundo
objetivo, para essas atrocidades, de acordo com o autor, era destruir na
prática os movimentos sociais, ou seja, nossa cultura, que ficou supervisionada
pelos “agentes da ditadura”, tão presentes em todo o Brasil, inclusive no
interior cearense:
“O segundo objetivo, não menos
importante, era cortar os eventuais laços organizativos entre essa elite
policial intelectual e os movimentos sociais de base popular, como o movimento
operário e camponês. Aliás, para eles, não foi preciso esperar o AI-5 para
desencadear uma forte repressão policial e política. Para os operários já havia
a CLT, talvez a única herança política de tradição getulista que não foi
questionada pelos novos donos do poder. A partir dela, diretorias eleitas eram
destituídas e sindicatos eram postos sob intervenção federal do Ministério do
Trabalho. Para os camponeses, havia a violência privada dos coronéis dos
rincões do Brasil, apoiados pelos seus jagunços particulares e pelas polícias
estaduais.” (NAPOLITANO, 2014, p.57.)
O pior de tudo isso é que se utilizaram
da lei para realizarem ações antidemocráticas, que teve sua efetivação com a
instalação dos Atos Institucionais, dos quais o pior de todos foi o AI-5. Vale
ressaltar que os Atos Institucionais foram meios que o regime militar se
utilizou para punir quem fosse contrário ao governo, advertindo que tudo era
feito em nome da Lei antidemocrática que eles mesmos criaram:
“O AI-5 marcou também uma ruptura com a
dinâmica de mobilização popular que ocupava as ruas de forma crescente desde
1966, capitaneada pelo movimento estudantil. Mais do que isso, teve um efeito
de suspensão do tempo histórico, como uma espécie de apocalipse
político-cultural que atingiria em cheio as classes médias, relativamente
poupadas da repressão que se abatera no país com o golpe de 1964. A partir de
então, estudantes, artistas e intelectuais que ainda ocupavam uma esfera
pública para protestar contra o regime passariam a conhecer a perseguição,
antes reservada aos líderes populares, sindicais e quadros políticos da
esquerda. O fim de um mundo e o começo de outro, num processo histórico de
alguns meses que pareciam concentrar todas as utopias e os dilemas do século
XX. O Brasil não sairia incólume desta roda-viva da história.” (NAPOLITANO,
2014, p.74.)
O regime instalado no país repercutiu
na política de muitos estados e municípios brasileiros, dentre eles o Ipu, que
ao longo de toda a ditadura teve seus prefeitos aliados aos coronéis que estiveram
na chefia do Estado do Ceará:
“Na quarta República com o surgimento
da ditadura militar encontramos a figura do Senador Paulo Sarasate, que pela
amizade nutrida com o presidente militar - Castelo Branco - influenciou a
política cearense de 1964 até o surgimento dos coronéis Virgílio Távora, César
Cals e Adauto Bezerra.” (MOTA, Aroldo. História política do Ceará (1966-1987).
Rio-São Paulo-Fortaleza: ABC Editora:2008. p.14 e 15.)
Um pacto entre os coronéis cearenses
permitiu que ocorresse um revezamento nos cargos políticos, isso possibilitou a
permanência desses líderes por longo período na direção do Estado do Ceará,
tornando quase inexistente a ação de uma oposição ao regime ditatorial:
“Virgílio, político hábil, engendrou um
acordo com Adauto, que já liderava um grupo de deputados e com o candidato do
sistema, César Cals, “formaram a política dos coronéis”, que dominou o Estado
até a exaustão do Regime Militar. Essa política tinha duas táticas: a) união na
cúpula e b) divisão nas bases. Com isto não sobrava espaço para o MDB ou o
surgimento de novas lideranças.” (14 MOTA, 2008, p.57.)
De acordo com a historiadora Edvanir
Silveira, no pacto dos coronéis, a ARENA dividia-se em três sublegendas, cada
sublegenda liderada por um dos coronéis, que constituíram a força política
hegemônica no estado, revezando-se no poder de acordo com as alianças que cada
coronel estabelecia com o poder federal: ora governo, ora deputado, ora
senador. (14 MOTA, 2008, p.57.)
O coronel Virgílio Távora já era uma
liderança conhecida no Ipu quando participou da campanha presidencial de Jânio
Quadros. Acompanhado dos deputados Moacir Aguiar, Hildo Furtado Leite e Aquiles
Peres Mota, em 1960 registraram presença na cidade, onde foi recebido no
aeroporto Plínio Pompeu, pelo prefeito municipal, Deputado Abdoral Timbó, Cel.
Abdias Martins, e algumas pessoas, depois vieram em caravana para a cidade de
Ipu, conforme notícia na imprensa local: “Precisamente às 8 horas a caravana
dirigiu-se para o “Cine Teatro Moderno” que se achava literalmente lotado, onde
o Cel. Virgílio Távora fez longa explanação a respeito da candidatura Jânio
Quadros, ressaltando a sua penetração em todos os quadrantes do País.” (Ipu em
Jornal, N0 30, ANO III, IPU-CEARÁ, agosto de 1960.)
1.1 A política municipal.
Na política municipal de Ipu há claros
exemplos de aliança com a ditatura, embora também haja casos de repressão, o
que significa que o apoio ao regime não foi unânime. Os prefeitos que ocuparam
o executivo municipal pós-golpe de 64 eram todos filiados a ARENA, que era
dividida em Arena I e Arena II, portanto vinculados ao regime ditatorial.
Nenhum prefeito filiado ao MDB conseguiu se eleger. O MDB durante todo o
período militar conseguiu eleger somente dois vereadores em 1966, Antônio
Olímpio da Costa e Júlio Costa Moraes.
De 1964 à 1974 que é o recorte temporal
da pesquisa, dois grupos disputavam o poder local, Moraes, filiado a Arena I,
liderado pelo Padre Francisco Ferreira de Moraes. Natural de Crateús, Ceará,
assumiu a paróquia de Ipu em 1947, permanecendo por mais de cinco décadas até
sua morte em 2009. Padre de grande influência, exerceu “poder” religioso e
político na cidade por muitos anos. E, Rocha Aguiar, filiado a Arena II, tendo
como líder Francisco Rocha Aguiar. Natural de Camocim, Ceará, médico, chegou a
Ipu em 1952 para exercer trabalhos na Organização Sanitária - Departamento de
Endemias Rurais (DNERU). Também muito influente, seu domínio político iniciado
em 1966 duraria até 1976, quando novamente o poder volta para a agremiação dos
Moraes, com a eleição de Milton Pereira, aliado do padre. (Blog e acervo
Professor Melo.)
Percebemos claramente que tanto o
partido de Rocha quanto o partido de Moraes eram a favor da ditadura, porém
surge uma inquietação, será que a Igreja estava do lado dos ditadores? Segundo
a historiadora Edvanir Maia da Silveira, é muito contraditório classificar a
Igreja como a favor ou contra, ela, a instituição religiosa, pode concordar
parcialmente em alguns casos, como o de manter o pensamento tradicional, e por
outro lado ser totalmente contra as repressões físicas:
“À primeira vista, parece contraditório
citar a Igreja tanto no grupo dos aliados como dos opositores do regime; o que
realmente a classifica é o fato de ser paradoxal e ambígua a posição da Igreja
em relação à ditadura, porque havia vários grupos dentro da instituição, uns a
favor e outros contra o golpe, e os mesmos setores que apoiaram o golpe em 1964
mudaram de postura a partir de 1968, entrando no time dos opositores, por
razões diversas.” (SILVEIRA, Edvanir Maia da. Três décadas de Prado e Barreto
(1963-96): a política municipal em Sobral-CE, do golpe militar à nova
República, 2013. 218f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2013. (org.). A história próxima de nós. Sobral-ce: EGUS, 2014.200f.p.73)
O fato é que a Igreja Católica na
maioria das vezes foi contra as ideias comunistas, julgando-os ateus,
contrários ao cristianismo, mas durante a ditadura ela mesma, a igreja é
acusada de subversão:
“De acordo com a historiografia sobre o
tema, desde fins dos anos de 1950/60 a Igreja Católica se aproximou dos
movimentos dos trabalhadores rurais e urbanos, buscando neutralizar a
influência comunista ou das esquerdas em geral junto aos trabalhadores. Com o
golpe, a situação alterou-se e esses setores da Igreja passaram a ser rotulados
de comunistas.” (SILVEIRA, 2013,
P.74)
Mas, afinal, a população de Ipu tinha
conhecimento do que acontecia no país? O memorialista professor Melo relata que
ele tinha conhecimento do que estava acontecendo, pois o mesmo já vinha se
preparando para isso, porém a população ipuense a princípio pouco estava
sabendo e não entendia essa “revolução” por qual passava o país e se repercutia
na cidade. Depois de algumas semanas pessoas mais esclarecidas passaram a ter
um pouco mais de conhecimento através do rádio, importante meio de comunicação
que tinha na cidade, e mais tarde, por meio da TV, com a instalação de
televisores públicos pelo prefeito Rocha Aguiar.
A carreira política de Rocha Aguiar, em
Ipu, teve início em 1958 quando se candidatou a prefeito, perdendo para seu
concorrente Zeferino Capistrano de Castro, com uma diferença 19de 320
votos.(Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Secretaria de Informática.
Coordenação de estatística e Informações eleitorais. Seção de Estatísticas.
Eleições Municipais de 03 de outubro de 1958.Dados Estatísticos no Brasil.
www.tre-ce.gov.br. Acesso em 15 de junho de 2015.) A derrota nas urnas não o
fez desistir vindo a se candidatar novamente em 1966, quando venceu Francisco
Torres Veras. Rocha Aguiar conseguiu 3.166 votos e Torres Vera 2.516. (21
Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Secretaria de Informática. Coordenação de
estatística e Informações eleitorais. Seção de Estatísticas. Eleições
Municipais de 15 de novembro de 1966, 1970, 1972, 1976, 1982, 1988 e 1992 –
Município de Ipu. www.tre-ce.gov.br. Acesso em 15 de junho de 2015.)
Nas eleições realizadas em 15 de
novembro de 1966 se candidataram para prefeito e vice-prefeito respectivamente,
pela ARENA 1, Francisco Torres Veras e Abdias Martins de Sousa Torres. Pela
ARENA 2 concorreram o prefeito Francisco Rocha Aguiar e seu vice Francisco
Pinto de Oliveira, conseguiram se eleger com uma diferença de 650 votos. Dos
6.200 votantes, os candidatos da ARENA 1 obtiveram 2.516, contra 3.166 da ARENA
2. (Obs:Quadro da Eleição de 1966 na monografia na integra)
Nesse período, dos vereadores eleitos,
5 foram da oposição a Rocha, e 4 da situação, o MDB conseguiu eleger somente 2
vereadores, os únicos eleitos que o partido do MDB conseguiu durante todo o período
militar, conforme quadro abaixo. Deu-se início então a liderança de Rocha
Aguiar que duraria uma década.
Os senadores mais votados nessas
eleições de 1966 foram Menezes Pimentel e Paulo Sarasate, para Deputado Federal
o eleitorado de Ipu votou em Virgílio Távora e para Deputado Estadual os mais
votados foram José Martins Timbó e Murilo Rocha Aguiar, irmão de Dr. Rocha.
O governo de Rocha foi marcado por
diversos investimentos em infraestrutura do município, construiu prédios e
escolas, a Escola Murilo Rocha Aguiar recebeu o nome de seu irmão deputado
estadual, a instituição competia com o Patronato Souza Carvalho, dirigida pelo
seu inimigo político padre Moraes, escola com perfil religioso onde só estudava
os filhos de famílias da elite:
“A facção aliada a Igreja, era o grande
perdedor com a criação do Murilo Aguiar. Juntas, uniram forças para “fechar
logo aquela merda”: “Quem quiser estudar que nos procure no Patronato ou no
Ginásio”, diziam. Mas a pressão sobre eles foi tão grande que nem Milton nem
Flávio tiveram forças para desativar o Murilo Aguiar. Mas, as ameaças nunca
pararam de existir.” (Jornal Ipu Grande, Setembro, 2010, Ano III, Nº 27.)
Ainda no que se refere a educação,
Rocha implantou o MOBRAL (alfabetização de adultos). Construiu também postos de
saúde, posto telefônico, um novo matadouro público, reformou o mercado público,
estradas, recuperou esgotos, instalou energia e abastecimento de água, tais
obras eram possíveis graças a sua filiação ao partido do governo, que
viabilizava a vinda de recursos estaduais e federais para o município. Mas o
assistencialismo foi o principal instrumento de popularidade de Rocha Aguiar,
visto como candidato do “povão”. Mesmo sendo prefeito continuou exercendo sua
profissão de médico, mantinha um consultório, onde segundo relatos, atendia a
população de graça, além de distribuir remédios gratuitos para a população mais
carente. Segundo relatos, se encontrasse um eleitor na rua e o mesmo tivesse
doente, precisando de um remédio e não tivesse papel para o Doutor Rocha
transcrever, ele escrevia no braço do paciente. Ou seja, soube conquistar a
confiança dos populares, o que irritava seus opositores locais. (Francisco de
Assis Martins. Entrevista concedida a autora em 06 de junho de 2015)
“A máquina da prefeitura virou um feudo
privado da família Aguiar. Truculento, assistencialista e prepotente, querendo
“ir à forras” com as elites, Rocha era um candidato “do povão”, e sempre
desprezou as “famílias tradicionais” do Ipu. Num ato de provocação a estas
elites, o Bode Louro, assim que assumiu o poder em 1967, mandou queimar toda a
documentação da velha Câmara do Ipu (com papéis do tempo em que a sede era da
Vila era Campo Grande, em 1791, até aquele ano). Atônitas, as elites
“sanguessugas” assistiram a este crime sem nada poderem fazer (este foi o maior
crime já praticado contra a nossa memória! Denunciá-lo é garantir que ele nunca
mais se repita!).” (24 Jornal Ipu Grande, Setembro, 2010, Ano III, Nº 27.)
Sobre as atas, ainda encontramos
as do ano de 1953, embora as de 1964 a 1970, período da administração de Aguiar
tenham desaparecido, o que veio a dificultar em muito a pesquisa, pois é exatamente o ano que aconteceu o
golpe, analisar esses documentos seria de extrema importância para entender
como os políticos locais perceberam o golpe.
Professor Melo classifica o governo de
Rocha Aguiar como um dos melhores da cidade:
“O Dr. Rocha pra mim foi um dos maiores
administradores e líderes políticos de Ipu. Ele perdeu a liderança que tinha
aqui no Ipu porque ele brincou, ele se achou, foi eleito quatro anos, teve uma
eleição tampão, chamada na época em 1970 que o padre Moraes foi candidato e
perdeu.” (Francisco de Assis Martins. Entrevista concedida a autora em 03 de
junho de 2015.)
Quanto ao Padre Moraes, adversário
político de Rocha Aguiar, ele considera a pior liderança:
“O Padre Moraes foi o pior atraso que o
Ipu já teve. Ele atrasou a Igreja e atrasou o desenvolvimento sócio cultural,
econômico e educacional de Ipu. (...) Ele usava muito do Sagrado para anarquizar
as pessoas. (..) Ele dizia que era candidato. Vocês não podem votar em
forasteiro (...) Vocês tem que ver o Ipu e as pessoas que vivem fazendo pelo
Ipu como eu. (..) Independente de ser candidato ele ia aos comícios e falava.
(...)Todo mundo tinha medo do grito dele” .(Francisco de Assis Martins.
Entrevista concedida a autora em 03 de junho de 2015.)
Mas, não é unânime a opinião de Melo.
Há quem defenda que apesar de não ter sido prefeito, Moraes foi fundamental na
execução de obras na cidade, como o historiador Ridlav:
“Nos períodos que antecede e até mesmo
durante a ditadura também encontraremos alguns fatos onde a Igreja se mostra
presente, como O dia do Senhor, movimento no qual através de suas pastorais a
Igreja distribuía alimentos e roupas para as pessoas perseguidas pelo governo
do regime militar. Trazendo para o espaço que contemplo neste trabalho, a
cidade de Ipu, também foi alvo de grandes projetos heurísticos no qual a Igreja
e seu pároco da época, Francisco Ferreira de Moraes através de acordos
políticos, trouxe para a cidade algumas construções como é o caso do Patronato
Sousa Carvalho, colégio de ordem religiosa, erigiu escolas, capelas, praças,
orfanatos e hospitais no qual um leva seu nome como reconhecimento pelas obras
prestadas a comunidade. Monsenhor Moraes soube ocupar cada minuto do seu tempo
na ação de evangelizar seus paroquianos, usava o discurso e o poder dos sermões
durante as missas para incutir nos cidadãos certos valores, o que nos leva a
problematizar que a Igreja, direta ou indiretamente, influiu ativamente no
espaço e na vida cotidiana da cidade e dos moradores de Ipu.” (ABREU, Ridlav
Augusto Ferreira de. Igreja e Cotidiano em Ipu-Ce (1930-1960): como e com que estratégias a Igreja Católica influiu na vida dos
moradores de Ipu? P.5)
Melo rebate a defesa do historiador
afirmando que a maioria das obras que tem o padre como idealizador foram
financiadas pela Fundação Sousa Carvalho. Ele afirma que a referida fundação
fez a doação dos seguintes aparatos: uma gráfica, as fábricas de Mosaicos, e de
sapatos, além de uma serraria, tudo destinado a ajudar a sociedade
principalmente na educação, mas, o Padre Moraes teria vendido tudo. Para o
professor, se todos os recursos arrecadados fossem devidamente utilizados, o
Ipu teria muito mais obras executadas. (Francisco de Assis Martins. Entrevista
concedida a autora em 03 de junho de 2015.)
“Durante o seu Paroquiado ele nunca
pagou sequer nenhum emolumento à diocese. Os leilões da Festa de São Sebastião
se acabaram por que quando ia chegando o fim da festa, a sua amasia chegava e
espalhava a todo vapor que tinha vindo buscar o dinheiro do Leilão. A
maternidade e o Posto de Puericultura foram construídos com recursos
conseguidos pelo então Deputado Gentil Barreira e o Dr. Chico Araújo, nada
dele. Fez discursos inflamados na igreja atacando pessoas gradas de nossa
cidade, afastando assim muitos da Igreja, inclusive eu.” (Francisco de Assis
Martins. Entrevista concedida a autora em 04 de setembro de 2015.)
Outros depoentes acrescentam que a
baixa popularidade de Moraes deve-se ao fato do padre ser uma pessoa muito
arrogante e não gostar de gente pobre, esse seria um dos motivos dele ter
perdido as eleições. Moraes era um homem muito tradicional e muitas vezes
tratava mal os fies durante a missa, retirava pessoas da fila da comunhão, não
gostava de maçom, era moralista e muitos afirmam que ele não praticava o que
pregava; são muitos os relatos de que o padre tinha uma amásia com quem tinha
um filho, ou seja, Moraes guardava poucas qualidades esperadas para uma
liderança política naquela sociedade.
Outro fato lembrado pelos depoentes é
de um quadro exposto acima do local onde se encontrava a pia batismal, que
elencava os critérios para ser padrinho ou madrinha. Muitos achavam isso
desnecessário, mas o objeto só foi retirado quando outro padre assumiu a
paróquia de Ipu.
Em 1970 os rochistas para continuar na
liderança do poder municipal lançam para prefeito Antonio Ximenes Veras,
natural do município de Ipu. Antes de ingressar na política tinha trabalhado
como delegado de polícia. Preocupado com a popularidade de Rocha, o grupo de
Moraes, temendo perder mais uma vez as eleições, se utiliza da religião como
instrumento político, para combater o “estrangeiro” lança o próprio padre
candidato, como se ele fosse nativo:
“Sem forças para enfrentar a monstruosa
manipulação de Rocha Aguiar, as elites corruptas “fizeram a cabeça” do velho
Monsenhor Moraes para encabeçar a chapa contra o “intruso” “Bode Loiro”. Do
alto de sua tribuna transformada em palanque o velho Moraes com sua voz
trovejante, apelidado agora de “Zorro” – por causa de sua batina preta, que
parecia com a capa deste herói mexicano – bradava contra o “governo opressor”
do oligarca estrangeiro, e apelava ao povo em nome da “decência” para elegerem
novamente alguém “da cidade” para nos governar: “quem votar no Rocha vai
‘pretim’ pro inferno!”, dizia o eleitor do padre entusiasmado.” (Jornal Ipu
Grande, Setembro, 2010, Ano III, Nº 27.)
A compra de votos era prática muito
comum nesse período, principalmente entre as classes populares, que se vendia
por valores quase insignificantes, como relata o historiador Raimundo Alves:
“Meu pai, embora trabalhasse fazendo
dentadura a troco de votos para as duas facções nutria sinceras simpatias por
Rocha Aguiar e seus aliados; desde que nós havíamos migrado das brenhas da
Ramada, e Guaraciaba, para Ipu, Rocha Aguiar, velho médico oriundo da
oligarquia camocinense e que caiu de “para-quedas” no Ipu nos anos 1960, havia
dado a mão a minha mãe, com remédios, consultas gratuitas e muito
assistencialismo barato (foi desta forma que o esperto “Dotô Rocha” fez seu
nome em nossa cidade).” (Jornal Ipu Grande, Setembro, 2010, Ano III, Nº 27.)
O padre Moraes, apesar do aparato
religioso, perdeu nas urnas por mais de 700 votos. O resultado do pleito
surpreendeu o eleitorado de Moraes, e foram muitos os rumores de fraude
eleitoral, embora a denúncia só ocorresse tardiamente. Antônio Ximenes Veras
assume a prefeitura, porém não conclui o mandato, faltando seis meses renuncia
e seu vice Antônio Pinto de Oliveira assume até a posse da primeira mulher
prefeita de Ipu.
Nessas eleições de 1970, conhecida
popularmente como eleição tampão, os eleitos só iriam passar dois anos à frente
do poder público, estavam aptos a votarem no município de Ipu 13.995 eleitores,
porém só comparecem ao pleito 8.147 votantes, uma abstenção de 5.848 eleitores.
Pela ARENA 1 estavam concorrendo a prefeito e vice-prefeito respectivamente,
Antônio Ximenes Veras e Antônio Pinto de Oliveira, obtiveram 4.090 votos contra
os concorrentes da ARENA 2, Padre Francisco Ferreira de Moraes e seu vice
Zeferino Capistrano de Castro, ex-prefeito que tinha derrotado Rocha Aguiar em
1958. Tiveram apenas 3.413 votos. Foram anulados 325 votos e 319 pessoas
votaram em branco. (Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Secretaria de
Informática. Coordenação de estatística e Informações eleitorais. Seção de
Estatísticas. Eleições Municipais de 15 de novembro de 1966, 1970, 1972, 1976,
1982, 1988 e 1992 – Município de Ipu. www.tre-ce.gov.br. Acesso em 15 de junho
de 2015.)
Dos onze vereadores eleitos, a ARENA 1,
partido de Rocha Aguiar teve dez vereadores, ou seja, o partido de Moraes, a
Arena 2, só conseguiu eleger um vereador, quase não tiveram representação na
câmara municipal naquele período. (Obs: Quadro da Eleição de 1970 na monografia
na integra)
O deputado mais votado em Ipu nesse
período foi o sobrinho do Rocha, Felinto Elísio B. Aguiar que conseguiu 1.781
votos, pouco votos a mais que seu concorrente na cidade, Aquiles Peres Mota, eleito
com 1.718 votos. Para senador o candidato mais votado foi Virgílio Távora.
(Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Secretaria de Informática. Coordenação
de estatística e Informações eleitorais. Seção de Estatísticas. Eleições
Municipais de 15 de novembro de 1966, 1970, 1972, 1976, 1982, 1988 e 1992 –
Município de Ipu. www.tre-ce.gov.br. Acesso em 15 de junho de 2015.) Nos dois
anos de mandato Antônio Ximenes Veras e Francisco Pinto de Oliveira deram
continuidade ao programa político de Rocha Aguiar.
As atas da Câmara Municipal de Ipu do
período de 1970 a 1974 foram os documentos mais explorados para o entendimento
do contexto em análise. As sessões da câmara nem sempre eram tranquilas,
ocorriam muitos atritos entre adversários políticos. Em setembro de 1971, por
exemplo, a pauta do dia era a suposta fraude que teria acontecido na apuração
de votos da eleição disputada por Francisco Ferreira de Moraes e Francisco
Ximenes Veras, aliado de Rocha Aguiar, que saiu vitorioso:
“Durante a sessão foi lido o seguinte
ofício 81/71 enviado pelo Tribunal Eleitoral intimando os vereadores Francisco
Alves de Araújo, José Alves de Araújo e Clóvis Costa Camilo, para prestarem
depoimento sobre a denúncia feita pelos mesmos junto àquele Tribunal sobre
fraude que teria se verificado nas últimas eleições.” (Ata da 4ª sessão
ordinária do 2° período legislativo do exercício de 1971, realizada em 09 de
setembro de 1971.)
O assunto continuou a ser discutido na
sessão seguinte, agora com o direito de resposta dos vereadores aliados a Rocha
Aguiar. Francisco das Chagas Torres pediu a palavra e falou contra a acusação
de fraudes:
“Tão claro é o propósito dessas
denúncias apesar da eleição ter se realizado em novembro do ano passado só
agora em maio, depois de tantos meses, é que se lembram de bater as portas do
Tribunal Regional Eleitoral, para denunciar tentativas de fraude que teriam
ocorrido. Todo o povo de Ipu sabe que tais denúncias foram engendradas por
chefes políticos fracassados e inconformados com a fragorosa derrota sofrida
nas urnas; visando única e exclusivamente atingir a pessoa que tanto tem
trabalhado pelo progresso de nossa terra e tais atitudes são frutos do ódio da
inveja e da mentira.” (Ata da 6ª sessão ordinária do 2° período Legislativo, no
exercício de 1971, realizada em 23 de setembro de 1971.)
Continuando sua fala, o vereador
Francisco das Chagas Torres explicou ainda como foi feita a apuração:
“Prosseguindo a sua oração o vereador
Chagas Torres diz que a apuração das urnas foi pública, assistidos por todos
aqueles que se encontravam nesta casa, e nunca se ouviu falar em fraude ou
tentativas, e lamento a leviandade do vereador José Alves de Araújo que diz ter
assinado a tal denúncia por “ouvir dizer”, o que prova a sua
irresponsabilidade.” (Ata da 6ª sessão ordinária do 2° período Legislativo, no
exercício de 1971, realizada em 23 de setembro de 1971.)
Então, um dos vereadores da oposição
que fizeram a denúncia pede a palavra e confirma que fez a denúncia por ouvir
os comentários de fraude: “Prosseguindo o vereador José Alves de Araújo, que
declara ter feito a denúncia sobre tentativas de fraude, junto ao Tribunal
Eleitoral por “ouvir dizer”, por na realidade nada constar por ocasião da
apuração do pleito.” (Ata da 6ª sessão ordinária do 2° período Legislativo, no
exercício de 1971, realizada em 23 de setembro de 1971.)
Em entrevista, o Professor Melo,
relatou que não ocorreram fraudes nas eleições. O mesmo diz que trabalhou na
contagem dos votos que duravam cerca de três dias para serem concluídas, e que
os votos brancos eram sim destinados para o grupo dos Rochistas, mas ele não
considera isso uma fraude:
“O que houve foi o seguinte eu estava
lá nessa junta apuradora. (...) o cara chegou com a urna e derramava a urna em
cima da mesa, derramava os votos em cima da mesa. (...) De repente o Felinto
Aguiar, que era parente do Dr. Rocha Aguiar, chegou lá e disse assim, rapaz
esses votos em brancos tu vai botando para mim, que voto em branco pode ser
contado, ai a fraude que eles acham que houve foi isso ai.” (Francisco de Assis
Martins. Entrevista concedida a autora em 03/06/2015.)
Entretanto a suposta fraude nunca foi
provada judicialmente. Outro assunto que foi destaque nessa mesma sessão do dia
23 de setembro de 1971 foi o descontentamento dos vereadores do grupo Rocha
Aguiar referente a localização da sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Ipu, que estava funcionando na casa do ex-candidato a prefeito, ou seja, do
Padre Moraes criador do Sindicato. Eles denunciavam e revoltavam-se com a
situação, pois acreditavam que o padre político pudesse manipular politicamente
as decisões do Sindicato:
“O vereador Francisco Pinto de Oliveira
usou da tribuna para denunciar a politicagem perante do imóvel do Sindicato
Rural dos Trabalhadores de Ipu, a começar pela localização de sua sede,
instalada no interior da residência de um chefe político e ex-candidato
derrotado. Apelou para as autoridades do Ministério do Trabalho, no sentido de
sanar esses abusos.” (Francisco de Assis Martins. Entrevista concedida a autora
em 03/06/2015. Felinto Aguiar citado por Melo era Dep. Estadual ligado a Rocha
Aguiar.)
Realmente a denúncia procede, pude
comprovar na Ata de instalação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipu,
que descreve que os trabalhos foram realizados no salão paroquial, ou seja, na
residência do Padre Moraes, no dia 27 de novembro do ano de 1971:
“Ata da instalação dos trabalhos da
mesa coletora do Sindicato Rural de Ipú. Dos vinte e sete (27) dias do mês de
novembro do ano de mil novecentos e setenta e um (1971), no salão paroquial
desta cidade, às 15 (quinze) horas, obedecendo a convocação por edital, com a
presença dos senhores: João Anastácio Martins, presidente da urna apuradora,
Senhor Antônio Pedro Cordeiro, funcionando como mesário e o Senhor João Bosco
de Paiva como fiscal, instalar-se esta mesa Coletora de votos para os trabalhos
de eleição da Diretoria deste Sindicato para o triênio 1971/1974.” (Ata da
Instalação do Sindicato Rural de Ipu. Realizada no dia 27 de novembro de 1971.)
No mesmo dia foi realizada outra
sessão, agora para apuração dos votos e saber quem iria compor a diretoria da
entidade, segundo as informações contidas no documento a votação ocorreram em
três dias, ou seja, dia 25, 26, e 27 do ano de 1971 realizada no horário entre
as 15:00 horas e 22:00 horas. Estavam destinados a votar os 68 associados,
porém só comparecem 28. Vale ressaltar que só existia uma chapa concorrente
nomeada de chapa azul, talvez por esse motivo muitos associados deixaram de
comparecer ao pleito.
Não existiram votos brancos e nem
nulos, ou seja, todos os 28 votos foram destinados a única chapa. Teve como
presidente Abdias Martins de Souza Torres. Segundo informações de um depoente a
Sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipu ficou aproximadamente uns
dois anos funcionando na casa do padre Moraes, depois é que mudou-se para uma
casa alugada. (Francisco de Assis Martins. Entrevista concedida a autora em 03
de junho de 2015.)
Vale ressaltar que as sessões
registradas em atas são apenas aquelas em que aconteciam as votações e posse
dos membros da diretoria, não encontrei nenhum outro fato registrado no livro
de ata. Em 1975 quem se torna presidente é o próprio Padre Moraes, chapa única,
ou seja, a chapa azul, o que revela a estreita relação entre o político e a
entidade. Nesse período a associação já contava com 95 associados e já não
funcionava mais no salão paroquial.
Outro tema na pauta das sessões do
legislativo é o da ditadura. Não detectei muitas sessões relacionados ao tema
já que as atas existentes são apenas a partir de 1970, mas uma referência ao
regime aparece na Ata da Sétima Sessão de 31 de março do ano de 1972, em que
se registra um debate em torno das comemorações do aniversário da “Revolução de
março de 1964”: “E aqui na Câmara Municipal e como em todo o Brasil se
comemorava também o Aniversário da Revolução de Março de 1964. Uma sessão de
caráter extraordinário e solene”.( 42 Ata da 7ª sessão ordinária do 1° período
Legislativo, no exercício de 1972, realizada em 31 de março de 1972.)
Várias autoridades e convidados
estiveram presentes na Câmara Municipal, além dos vereadores locais, estava o
vereador da cidade de Sobral Antônio Valdir Coelho, o prefeito Antônio Ximenes
Veras, o vice-prefeito Antônio Pinto de Oliveira e o ex-prefeito Francisco
Rocha Aguiar, além dos correspondentes dos jornais: Estado e Correio da Semana. Muitos dos presentes usaram da palavra:
“o vereador Francisco Lisboa Lima ocupou a Tribuna em alusão ao dia Santo
[Páscoa] e o aniversário da Revolução, ressaltando os dois paradoxos”, “o
vereador Manoel Timóteo Passos apenas ressaltou a crise econômica de nosso
meio”. Falou também a liderança política da cidade o ex-prefeito Rocha Aguiar e
também o atual prefeito Antônio Ximenes Veras: “comemorou com todos o Aniversário
da Revolução e manifestou aos seus munícipes votos de Feliz Páscoa.” (Ata da 7ª
sessão ordinária do 1° período Legislativo, no exercício de 1972, realizada em
31 de março de 1972.)
O ano de 1972, também foi marcado por
outras novidades. O aniversário do sesquicentenário do Brasil mobilizou vários
municípios paras as festividades em torno dos 150 anos da Independência, essas
festividades foram utilizadas pelos militares colocando D. Pedro I como um
herói cívico, visto que até a urna com os restos mortais dele foi trazido de
Portugal e foi levado por diversos estados como um símbolo.
“As comemorações dos 150 anos da
Independência brasileira ocorreram sob o governo do presidente Emílio
Garrastazu Médici. Os festejos aconteceram em todos os estados e territórios
brasileiros, culminando com a colocação dos despojos mortais de d. Pedro I no
Monumento do Ipiranga, em São Paulo, (SP), em 7 de setembro de 1972.” (ALMEIDA,
Adjovanes Thadeu Silva de. O regime militar em festa. Rio de Janeiro: Apicuri,
2013. P.45.)
Para o autor do livro O Regime Militar em Festa, Adjovanes Thadeu Silva de Almeida “O golpe de 1964 pode ser
vislumbrado como um segundo “Grito do Ipiranga”, uma vez que teria preservado a
independência nacional diante da ação de “maus brasileiros.”45 Ou seja, assim
como D. Pedro defendeu o Brasil de forças internas e externas em 1822, os
militares livrariam o Brasil das forças dos terroristas, comunistas,
subversivos, enfim de todos que representassem perigo, segundo o exército.
Na reunião da Câmara de Ipu, em 31 de
agosto de 1972 o assunto principal foi o Projeto de Lei N0 326/72 que criava a
Bandeira do Município em homenagem ao Sesquicentenário do Brasil. (Ata da 2ª
sessão ordinária do 2° período Legislativo, no exercício de 1972, realizada em
31 de agosto de 1972.)
Na imagem abaixo podemos perceber a
bandeira criada em 1972, que apresenta algumas diferenças em relação a
utilizada atualmente no município, contudo ambas são usadas em vários eventos
oficiais como se não houvesse distinção. A outra novidade do ano de 1972
foi a eleição da primeira mulher prefeita de Ipu. 30
1.2 - A Mulher na Política.
Durante muito tempo no que se refere ao
papel desempenhado socialmente, a mulher ficou “invisível” pela sociedade,
vista como sexo frágil, que desempenhava somente o papel de esposa submissa ao
marido, mãe, tendo como sua única função cuidar da família, não possuía
autonomia e muito menos liberdade e direito de lutar por seus objetivos, seu
trabalho era restrito ao espaço doméstico, isso tudo fruto de uma sociedade
patriarcal e arcaica, que coloca o homem como sujeito dominante e a mulher como
ser inferior.
Não foi só pela sociedade que as
mulheres foram esquecidas, até 1980 dificilmente encontramos pesquisas voltadas
para a participação das mulheres como agentes sociais, ou seja, elas estavam
invisíveis também para a historiografia, que sempre colocava o homem como
centro das narrativas históricas. Na política não era diferente, até conquistar
seu direito de votar foram muitas lutas e manifestações, até inserissem no
parlamento e terem um papel destinado ao bem social:
“Existem dois movimentos paralelos: o
feminismo socialista, que discute a situação da mulher proletária, reivindica
direitos trabalhistas e denuncia a exploração da mão-de-obra; e o feminismo
liberal, que são mulheres intelectualizadas, com o objetivo específico de lutar
pela emancipação feminina e pela conquista de direitos civis. Apesar de
diferentes na origem e nos objetivos, esses dois movimentos têm uma direção
comum: rediscutir os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres na sociedade
de então.” (VAZ, Gislene de Almeida. A participação da mulher na política
brasileira [manuscrito]: a lei de cotas / Gislene de Almeida Vaz. -- 2008. 65
f. P. 19)
Cabe aqui somente analisar os
movimentos, em que os objetivos alcançados possibilitaram a inserção das
mulheres em assuntos políticos. Os movimentos feministas iniciaram na década de
1960 juntamente com os movimentos políticos mas se intensificaram na década de
1970:
“A partir dos anos setenta, os
movimentos feministas começam a se fortalecer surgindo organizações de luta
pela democratização, atribuindo às mulheres uma importante base para alçar vôos
maiores na política institucional, adquirindo maior intensidade a partir da
retração do regime militar e da redemocratização do Brasil.” (48 Vaz, 2008, p.
14.)
Apesar desses movimentos ainda serem
muito frágeis conseguiu incomodar o governo, principalmente os militares que viam
nisso mais uma prática das esquerdas. Vale ressaltar que as mulheres só
conseguiram, ainda que de forma desigual, o direito de voto em 1932, no governo
de Getúlio Vargas. De lá para cá a luta se intensificou pela inserção feminina
no parlamento e sua representação social.
Recentemente foi implantada a Lei de
Cotas no Brasil, com a reserva 30% das vagas no parlamento para as mulheres,
mas isso ainda não é o suficiente para acabar com as desigualdades de sexo em
assuntos políticos. Hoje, esse assunto ainda causa muita polêmica e divide
opiniões:
“A conquista da política de cotas por
sexo em processos eleitoras faz parte de um processo mundial, como foi a
conquista pelo sufrágio feminino. Estas políticas interferem nas hierarquias de
poder e alteram as relações desiguais entre homens e mulheres. Estas políticas
modificam e trazem a mulher para a cena política, contribuindo para unir o
mundo de mulheres e homens.” (Vaz, 2008, P. 42. )
Sem dúvida a participação feminina nos
assuntos políticos e no parlamento é fundamental para que exista mais igualdade
de gênero, mas mesmo depois dessas conquistas ainda existem muitas
desigualdades entre os sexos, são necessárias ainda muitas lutas por mais
espaços sociais e sobretudo para quebrar esse paradigma de que as mulheres são
sexo frágil, e principalmente acabar com os preconceitos pelo qual muitas ainda
sofrem. Não pode-se afirmar que a administração política melhorou com a
inserção das mulheres em cargos públicos, mas essa participação mesmo que ainda
pequena mostra que lentamente estamos caminhando rumo a democracia.
Em Ipu a presença feminina na política
ocorreu na década de 1970. Dando continuidade ao governo de Rocha Aguiar,
depois do mandato de Antônio Ximenes Veras é a vez da mulher atuar na política.
Sem dúvida um fato marcante na história da cidade. Duas mulheres conseguiram
eleger-se, a vereadora Maria da Conceição Viana Farias e a prefeita Maria
Antonieta Rocha Aguiar, então mulher do ex-prefeito Rocha Aguiar que foi
lançada por ele mesmo como candidata a prefeita nas eleições de 1972.
Maria Antonieta Rocha Aguiar nasceu no
dia 30 de julho do ano de 1923, na cidade de Granja, município do Estado do
Ceará, casou-se no dia 29 de março de 1939 com Rocha Aguiar e por influência
dele ingressa na política conseguindo se eleger sem concorrentes. Pela primeira vez no Ipu acontece esses
fatos marcantes, primeira vereadora, prefeita, e candidatura única.
Nesse período, 1972, a Câmara Municipal
de Ipu contava com os vereadores abaixo relacionados, dentre eles a primeira
vereadora mulher. Todos os vereadores eleitos eram da ARENA, nessas eleições
não ficou dividido em Arena I e II, visto que era candidatura única, percebi ao
longo da pesquisa que essas divisões eram somente para dividir o partido, pois
hora Rocha era Arena I e hora Arena II, isso causou certa confusão no momento
em que tentava identificar em qual partido os políticos de Ipu se encontravam.
(Obs: Quadro da eleição de 1972, na monografia na integra)
Diferentemente de Aguiar, o mandato de
Maria Antonieta não foi voltado para a realização de grandes obras, Rocha se
acomodou em virtude de já está muito tempo a frente o poder municipal, dizemos
Rocha porque o que se dizia na cidade era que quem governava era o próprio
Aguiar, seu esposo, o que significa que neste caso, a presença de uma mulher na
política não foi uma expressão de mudança, já que continuou a guardar as marcas
da submissão.
A sessão da Câmara de 09 de agosto de
1973 dava indício das dificuldades da administração. A vereadora Maria da
Conceição Viana protesta contra a crítica à gestão da prefeita:
“A 1a secretária- Maria da Conceição
Viana fez um protesto às insinuações maldosas do deputado Aquiles Peres Mota,
quando a cidade de Ipu foi visitada pelo senador Virgílio Távora. Falou ela que
se convidada como representante da ala situacionista para a recepção que lhe
foi oferecida, não deixaria de revidar com palavras abalizadoras e justas aos
ataques mentirosos que foram dirigidos covardemente à nossa prefeita - Dona
Maria Antonieta Rocha Aguiar.” (Ata da 1a Sessão do 2o Período Legislativo,
realizada no dia 9 de agosto do ano 1973.)
A emissão de título de cidadania aos
líderes do regime é outra forma de expressão da presença da ditadura na cidade.
Para Silveira, os investimentos públicos nos interiores cearenses no período da
ditadura quase sempre estão associados a aliança política com o regime
ditatorial, representados pelos chamados governos dos coronéis. Em
reconhecimento a essa parceria os líderes são homenageados com título de
cidadania dos municípios assistidos, como foi o caso de Sobral, em que o
governador Virgílio Távora e o presidente Castelo Branco foram contemplados. No
Ipu, não foi diferente.
Na sessão da Câmara Municipal, do dia
25 de agosto de 1974, a pauta foi: os benefícios realizados pelo governador
Cesar Cals, ressaltados pelo vereador Francisco das Chagas Torres, quando o
mesmo fez a leitura do Projeto de Resolução N0 01/72, do dia 13 de abril de
1972, com a finalidade de outorgar o Título de Cidadão Ipuense ao Cel. Cesar
Cals de Oliveira Filho, que também se encontrava presente na sessão. Vale
ressaltar que já fazia dois anos que esse projeto tinha sido aprovado, assim
como o projeto da construção do balneário, mas a entrega do referente título
foi realizada somente em uma solenidade na Inauguração do Balneário da Bica do
Ipu com a presença do Governador. Naquele momento o Balneário passou a receber
o nome do governador. (51 Ata sessão ordinária do 2° período Legislativo, no
exercício de 1974, realizada em 25 de agosto de 1974).
Nas eleições de 1976 o grupo Rocha
lança para prefeito Francisco Pinto de Oliveira tendo como vice o ex-prefeito
Antônio Ximenes Veras, enquanto o grupo Moraes indica Dr. Antônio Milton
Pereira / Francisco Gomes Bezerra, desta vez a facção de Moraes vence com uma
diferença de 146 votos. Mas, Rocha Aguiar não perde poder político, foi eleito
deputado estadual para o período de 1979 à 1983. Em 1982 o deputado volta para
cidade para disputar poder municipal, sem sucesso. Passa a morar em Fortaleza,
onde permaneceu até sua morte em 2001.
Enfim, a liderança de Rocha Aguiar
durou exatamente uma década, muitos o julga um dos melhores administradores da
cidade, porém com todo esse prestígio não conseguiu evitar a perda de
popularidade, o que é fundamental para manter-se no poder. Muitas obras foram
realizadas em sua administração, sobretudo pela aliança com a ditadura. Seu
alinhamento ao pensamento autoritário será discutido no capítulo que segue.
CAPÍTULO 2 – O AUTORITARISMO E O PODER
LOCAL.
O autoritarismo no exercício do poder
local no Brasil remonta ao período colonial. A violência e a intolerância
sempre estiveram presentes nas disputas políticas da história dos nossos
municípios, na cidade de Ipu não foi diferente. O objetivo deste capítulo é
discutir as práticas autoritárias no exercício do poder local e a sua relação
com a ditadura militar.
Ao longo das disputas eleitorais entre
Rocha e Moraes, no Ipu, foram muito frequentes as agressões pessoais, de ambos
os lados, em forma de apelidos, paródias entre outras. Na sua primeira
candidatura, em 1958, Rocha Aguiar perdeu para Zeferino. Na nova disputa em
1962, sua derrota fora lembrada em forma de música:
“Quero ver gente roer quero ver rolar
no chão,
Quero ver o doutorzinho apanhar na
eleição.
Seu doutor tenha cuidado com a bomba da
vitória.
A bomba do passado continua na
história,
Aqui estourou malvado e botou doutor
pra traz,
Zeferino e Abdoral estão no seu torrão
natal.”
(Florival Vale de Paiva. Entrevista
concedida a autora em 08 de julho de 2015.)
Insatisfeito, Rocha Aguiar pediu ao
folclorista Florival Vale para compor uma paródia em sua defesa:
“Cuidado com Abdoral digo e posso
dizer, pode crer,
O teu passado é negro só mesmo a
história pode vê.
Abdoral é é é é um trapaceiro mó em
tudo que se quer.
E vem no município enganar a
humanidade,
E anda dizendo que é homem de verdade.”
(Florival Vale de Paiva. Entrevista
concedida a autora em 08 de julho de 2015.)
Os apelidos pejorativos também foram
comuns nas campanhas eleitorais, Rocha Aguiar era o “Bode Louro”, padre Moraes,
o “Zorro” e dona Antonieta não se livraria das chacotas:
“Uma malta de “babões” capturou uma
jumenta, vestiu-a com roupas de chita, chapéu de palha, brincos, batom e
colocou nela um cartaz escrito “Dona Etinha” (apelido da esposa de Rocha),
solta com um rabo de latas preso a sua calda, o animal correu em desespero
pelas ruas movimentadas da feira do Ipu num sábado festivo (era a humilhação
pública da prefeita e esposa do Bode Louro). O mundo veio a baixo.” (Jornal Ipu
Grande, Setembro, 2010, Ano III, Nº 27. Depoimentos contam que o Dr. Rocha
ficou furioso com o desrespeito com sua esposa.)
Não são poucos os exemplos de agressão
de ambas as partes, o ataque ao patrimônio é um deles: relatos de que o
consultório de Dr. Rocha foi apedrejado e a maternidade de Padre Moraes
incendiada são frequentes, isso ocorrido durante a liderança política de Rocha.
A transição do governo Rocha Aguiar para o de Milton Pereira em 1976 também foi
marcado por diversos atos de violência sem punição, já que o autoritarismo
reinava em todo Brasil naquele contexto: “Aquelas eleições foram
particularmente violentas, com atentados à bomba nas residências de alguns
eleitores “inimigos do regime”, escreve Raimundo Alves. (Jornal Ipu Grande,
Setembro, 2010, Ano III, Nº 27)57 Jornal Ipu Grande, Setembro, 2010, Ano III,
Nº 27.
O assistencialismo, a troca de favores,
ainda reinante na política local, é outra forma de violência. Os pontos
comerciais no Mercado Público Municipal até recentemente, eram distribuídos por
“favores” políticos:
“Os pontos do mercado eram na realidade
loteados pelos prefeitos (verdadeiros Patifes) a troco de votos na véspera das
eleições, e as famílias interessadas recebiam um meio “honesto” (e precário) de
ganhar a vida e viam seus rivais, da outra facção, serem corridos de lá com o
“rabo entre as pernas”.” (Jornal Ipu Grande, Setembro,2010, Ano III, Nº 27.)
Raimundo Alves de Araújo relata como
sua família foi covardemente tratada quando o grupo político que eles apoiavam
perderam as eleições:
“Foi-me doloroso ver o ar de deboche de
nossos vizinhos gritando “olha o fumo, João Cidade!”, e ver meu irmão juntar as
poucas mercadorias de seu comércio numa carroceria de Rural: “ele tem que sair
mesmo”. Para completar a “desforra”, uma turma de arruaceiros do outro lado
(logicamente que com a conivência, mas sem a ordem expressa de seus patrões),
montada num jipe verde-escuro e portando as bandeiras coloridas do partido dos
Pereira-Mororó vitoriosos veio até a nossa residência e atirou uma dinamite na
sala de entrada. Minha mãe, grávida de quatro meses, teve um susto tão grande
que sofreu aborto imediato. Eu e mais três de meus irmão e alguns vizinhos
(todas crianças de uns 5 anos) corríamos como baratas tontas, para nos esconder
da ação daqueles vândalos covardes. Mas, os terroristas não levavam nada disso
em consideração.” (Jornal Ipu Grande, Setembro, 2010, Ano III, Nº 27)
O historiador, visto que estávamos no
período da ditadura militar, relaciona os episódios ao regime militar:
“Os atentados à nas residências, as
agressões físicas, as ameaças e as intimidações refletiam em menor escala o
terror que o país inteiro vivia: estávamos na época da Ditadura bomba Militar,
e a polícia e o judiciário nada faziam para promover a dignidade e a cidadania
de nossa gente. (Jornal Ipu Grande, Setembro, 2010, Ano III, Nº 27.
Outras formas de agressões e torturas
também são relatadas pelo mesmo historiador:
“Homens temidos por sua truculência não
iam presos. Se quisessem, podiam obrigar as pessoas a beber cachaça “a força” e
se o sujeito reagisse, a família inteira do agressor caia em cima, como uma
“caxota de abelhas”. “É gente de família”, diziam os policiais. “e com gente de
família é melhor não se importar”. (59 Jornal Ipu Grande, Setembro, 2010, Ano III,
Nº 27.)
A violência do regime fez muitos outros
casos na cidade. De acordo com depoentes, o folclorista Florival Vale teve sua
banca de jornal destruída, sob a suspeita de que lia e distribuía obras
subversivas. A polícia concluiu que o crime foi coisa de gente desocupada e o
caso foi esquecido. “Por ocasião das eleições, estas agressões ocorriam de
ambas as partes e a violência praticada contra pessoas comuns era tolerada pelo
regime militar como “coisa natural” e fazendo parte do “jogo democrático”.
(Jornal Ipu Grande, Setembro, 2010, Ano III, Nº 27.)
E mais uma vez as paródias entravam em
cena. Florival, agora contra o governo de Dr. Rocha, mais a frente entenderemos
porque, faz uma paródia baseado na música do Jaime do Pandeiro.
Como é que pode mim diga direito,
Um diabo do bode pra nosso prefeito?
(bis)
Virou sururu aqui no Ipu,
Quando o bode loiro se candidatou.
Quando foi na hora da grande aflição,
A maior rejeição o povo encontrou.
Chegou o eleito com o Mororó,
Sem pena e sem dó.
O pau é bem duro bateu e seguro,
Quebrando-lhe a âncora,
Derrubando a banca do velho sem futuro.
(bis)
(Florival Vale de Paiva. Entrevista
concedida a autora em 08 de julho de 2015.)
O autoritarismo do regime militar
encontrava terreno fértil para se reproduzir, conectando as esferas nacional,
regional e local. E as práticas repressivas iriam começar com mais intensidade.
2.1 práticas repressivas e resistências
à ditadura
Ao longo da pesquisa constatei que
apesar da aliança dos gestores locais ao regime ditatorial, não foi unânime a
reação da sociedade, os estudantes e outros cidadãos ipuenses se colocaram
contra o regime e sofreram dura repressão.
A União Estudantil Ipuense (U.E.I) foi
um órgão criado pelos estudantes ipuenses que residiam em Fortaleza e que teve
um importante papel na difusão da cultura na cidade, proporcionando alguns
eventos em Ipu. Dentre os principais idealizadores Francisco de Assis Martins
(Professor Melo), Luiz Pessoa Aragão, Nildomar Pontes, Dião Tavares, Gutemberg
Castro, dentre outros. A associação foi fundada em 20 de abril de 1962, as
vésperas do regime militar.
Esse grupo de estudantes promoveram
diversos eventos na cidade, segundo Melo a UEI trouxe para palestrar no
auditório da escola Patronato Sousa Carvalho, além de muitos outros, o Padre
Arquimedes Bruno e o Bispo Dom Fragoso, figura religiosa que não escondia a sua
oposição ao regime militar, que disse uma frase que teve muita repercussão na
região quando chegou na cidade de Crateús: “Irei transformar Crateús na minha
pequena Cuba”. Segundo Melo o bispo em sua palestra anarquizou os militares,
falando mal da postura deles. Silveira lembra que em Sobral o bispo também era
reverenciado pelos estudantes, sendo chamado para ministrar palestras.
Outro evento promovido pela entidade
foi uma exposição de livros, um dos participantes do órgão Nildomar Pontes teve
a ideia e o grupo colocou em prática. Foram até a feira do livro em Fortaleza e
convidaram um livreiro, esquerdista, conhecido por Manuel Raposa, para trazer
os livros para os salões do Grêmio Recreativo Ipuense, que além de serem
expostos seriam vendidos, o mesmo aceitou, mas quando montaram a exposição
pessoas ligadas ao prefeito Rocha Aguiar tentaram queimar os livros o que
resultou no recolhimento dos livros e na desistência do dono em expor. O
episódio foi marcado por agressões físicas entre os estudantes realizadores do
evento e os filhos de doutor Rocha, além de um rapaz conhecido por Mauricio
Xerez. (Francisco de Assis Martins. Entrevista concedida a autora em
20/08/2014.)
2.2 As torturas
Prof. Melo, ainda nos seus relatos,
discorre sobre a tortura. Ele diz que quando jovem estudava em Fortaleza e
fazia curso para oficiais da reserva CPOR. Diante do bom desempenho do
estudante ipuense, foi lhe oferecido um estágio como oficial do exército no
vigésimo quinto batalhão de caçadores (25° BC) em Teresina-PI, para exercer a
função de oficial estagiário na parte de intendência pelo período de dois anos,
ao terminar o estágio volta para sua terra e não mais se envolve com o
exército. Ele relata o seu testemunho da tortura naquele estado:
“Eles pagavam muito bem, mas a gente
via muita miséria porque era exatamente dentro do período que a Ditadura estava
ditando mesmo. Então eu vi muitas torturas tinha um tal de pau-de-arara lá que
era a coisa mais cruel que podia existir, era uma roda assim como se fosse uma
roleta né, eles pegavam uma pessoa abria os braços, amarrava os braços, lógico
ficavam de braços abertos, as pernas também, o cara ficava assim e começava a
rodar e começava açoitar. Eu cheguei a vê por acaso, eu ia entrando numa sala dessas,
pensando que não tinha ninguém na sala e estava sendo realizado. Fiquei uns dez
minutos vendo aquela miséria lá, me arrepiando de raiva e muita raiva, muita
revolta por tá vendo aquilo.” (Francisco de Assis Martins. Entrevista concedida
a autora 20/08/2014.)
Para Lucicleide Cardoso foram várias as
práticas de tortura utilizadas pelos militares, além do pau-de-arara descrita
por Melo existiam outras: “(...) “cadeira do dragão”, tipo de técnica de
tortura com choques elétricos que considera indescritível. (...) “roda de
karatê”, que consiste em jogar o preso de um lado para o outro com bofetões,
socos e pontapés.” (CARDOSO, Lucicleide Costa. Criações da memória: Defensores
e Críticos da ditadura (1964-1985). Cruz das Almas/BA: UFRB, 2012. P.218.)
“Nas guerras sujas das ditaduras contra
seus dissidentes, a tortura e o extermínio de prisioneiros provocam,
inicialmente, o efeito contrário: o silêncio. Silêncio dos torturados que não
querem ou não podem lembrar de situações de humilhação e dor extrema. Silêncio
dos mortos e desaparecidos que já não podem narrar sua dor. Silêncio da
sociedade que sabe, por medo ou conivência. Acreditavam os militares que o
silêncio seria a primeira etapa do esquecimento, do apagamento da memória e da
história das cisões que ameaçavam cindir a sociedade.” (NAPOLITANO, 2014
P.248.)
Cardoso reforça a ideia de Napolitanos:
“O emprego da tortura revelou-se um sucesso para as Forças Armadas no combate a
“esta guerra”, mas o “preço”, diante da História, foi altíssimo e funcionará
sempre como um estigma no seio da sociedade brasileira.” (CARDOSO, 2012,
P.111.)
A história de Florival Vale, insere a
cidade de Ipu no cenário da repressão e da resistência. Florival Vale de Paiva,
ipuense, nascido em 19 de julho do ano de 1943, autor das paródias citadas
anteriormente que tornou-se adversário de Rocha, é a pessoa mais indicada para
relatar a repressão do regime militar. Florival ainda muito jovem foi para o
Rio de Janeiro no intuito de trabalhar, na época tinha 17 anos, mas havia conseguido
alterar sua idade para 20 anos, para então poder viajar, não sabia ler nem
escrever, também não imaginava o futuro que lhe esperava, os acontecimentos que
iriam transformar sua vida.
No Rio de Janeiro foi trabalhar em uma
banca de revista, isso despertou a vontade de aprender a ler e escrever.
Segundo ele, começou lendo a Bíblia, mas não entendia o que lia, então passou a
ler Literatura de Cordel e autores renomados como Jorge Amado e Raquel de
Queiroz. Depois de certo tempo já estava lendo a literatura francesa de
Alexandre Dumas. (Alexandre Dumas era um escritor francês.)
Antes mesmo do golpe, Florival já
estava envolvido com o Comunismo Internacional: “Em 1960 eu me filiei ao
Partido Comunista do Rio de Janeiro, aliciado pelo Sindicato de Distribuidores
de Revistas e Jornal do Brasil, lá no Rio de Janeiro”. Ele acredita que o golpe
foi fruto da influência dos Estados Unidos: “Eles queriam promover aqui no
Brasil uma matança. Os americanos queriam promover no Brasil uma limpeza
cultural”. (Florival Vale de Paiva. Entrevista concedida a autora em
08/07/2015.)
Sobre isso afirma Cardoso, “(...) os
acontecimentos políticos ocorridos durante o regime militar - voltado
inteiramente para o capitalismo - foi apenas uma extensão do que estava
acontecendo no mundo, dividido entre duas potências, Estados Unidos versus
União Soviética, no contexto da Guerra Fria.” (CARDOSO, 2012, p.110.)
“Essas inteligências todas eram
Comunistas. Porque o Comunismo é uma filosofia muito bonita é a igualdade
social, a não exploração do homem pelo homem, aquilo que Jesus Cristo pregou. O
Comunismo é isso! Eles falam que o Comunismo é comedor de criancinhas, é a
Igreja Católica que inventa isso! A Igreja quem mais colaborou com essas
perversidades, essas tiranias, com essas barbáries aqui no Brasil foi a Igreja.
A Igreja não é flor que se cheire.” (Florival Vale de Paiva. Entrevista
concedida a autora em 08/07/2015.)
Florival relata como exercia seu
trabalho de militante, depois de ter se filiado ao Partido Comunista no Rio de Janeiro
e ter entrado para a Guerrilha Urbana:
“Fiz parte de várias ações lá,
operações, assalto a bancos a gente chamava operações, porque nós tínhamos uns
companheiros sediados lá no Bico do Papagaio, que hoje é o Estado de Tocantins,
aquilo ali era o Baixo Araguaia, aonde tinha os posseiros, pessoas que iam do
Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte. (...) realizava assaltos para mandar
o dinheiro para o nosso povo que estava sediado lá no Araguaia.” (Florival Vale
de Paiva. Entrevista concedida a autora em 08/07/2015.)
O comunista lembra que fez
aproximadamente uns doze assaltos a bancos, que o mesmo prefere chamar de
operações, essas operações eram realizadas na companhia de seus amigos, uma
equipe de quatro pessoas armados de metralhadoras. Eles nomeavam a agremiação
de MR-8, Movimento Revolucionário 8 de agosto, pois lembra a morte do Ernesto
Che Chevara, o qual eles admiravam e tinham como líder. Em uma dessas operações
ele foi baleado, pois o tiro que os policiais deram atravessaram o fusca que
eles andavam e acabou lhe atingindo. Ele relata o fato ocorrido:
“Na hora da operação a gente já estava
todo mundo dentro, o último a entrar era eu porque eu ia com a caixa de
material, material que a gente chamava era o dinheiro, ai eles deram uma rajada
de metralhadora no fusca, ainda furaram o fusca. Ele tinha blindagem nos pneus,
que tinha placa de aço protegendo os pneus, por causa de balas, ai quando nós
entramos que arrancamos né soltando grampinhos de 3 pontas, cada viatura que
nos seguia furava o pneu. Nós éramos ajudados pela China Continental. Era a
China que nos dava técnica e material, esses grampinhos era a china que mandava
farto material.” (Florival Vale de Paiva. Entrevista concedida a autora em
08/07/2015.)
Depois do ocorrido, teve que se
internar em um hospital para se recuperar, cladestinamente com documentos
falsos pôde se medicar. Depois de recuperado seu chefe lhe mandou para a
guerrilha rural no Araguaia, juntamente com sua equipe que era composta por
quatro integrantes. Lá eles só andavam a noite e um dos seus companheiros
acabou morrendo, foi picado por um escorpião no pescoço e como não podiam sair
da mata em busca de socorro ele acabou não resistindo. Florival e seus
companheiros enterraram o guerrilheiro morto ali mesmo na mata, em Conceição do
Araguaia, e diz que o túmulo do guerrilheiro Everaldo é muito visitado, pois há
uma crença de que ele obra milagres. Ele ainda relata que viu de longe o
massacre que aconteceu naquela região, onde morreram muitas pessoas.
A Guerrilha do Araguaia (MOURÃO,
Mônica. Memórias clandestinas: a imprensa e os cearenses desaparecidos na
guerrilha do Araguaia. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005. P.37.)
citada pelo militante Florival foi um movimento rural armado contra o governo
militar numa região de difícil acesso a ação do exército, pois era uma região
esquecida pelas autoridades, mas a repressão não tardou.
Em 1972, numa região de difícil acesso
conhecida como Bico-do-Papagaio, entre os atuais estados do Tocantins, do Pará
e do Maranhão, ocorreu o maior movimento rural armado de resistência ao regime
militar então vigente no país. Este movimento não eclodiu por iniciativa dos
guerrilheiros, como ocorreu na maior parte dos movimentos armados que se
conhece no Brasil e na América Latina daquele período. Ele teve seu início
marcado por um intenso ataque das forças oficiais que desde o princípio tiveram
a determinação de destruí-los, eliminá-los e de apagar da memória local e da
história nacional a sua existência. (SOUSA, Deusa Maria de. Lágrima e lutas
[tese]: a reconstrução do mundo de familiares de desaparecidos políticos do
Araguaia. Florianópolis, SC, 2011. P. 26-27.)
Depois das tragédias sofridas pelo
militante, ele voltou para sua terra natal, e aqui em Ipu foi pego pelos
militares em uma segunda-feira na Bica do Ipu, quando estava na companhia de
alguns amigos, e foi torturado covardemente. Relembra com revolta seu
sofrimento:
“Assim que eu entrei no carro eu vi que
aquilo era uma cama de tortura. O carro era preto com laranja. O carro do DOPS,
Departamento de Ordem e Política Social. Aqui no Passa Sede eles me deram um
baile de tortura. Eles me penduraram de mão para traz. Eles me meteram no pau
de arara, eles me introduziram jornal encharcado com gasolina em mim e tocavam
fogo, queimaram o reto, são dores profundas, terríveis. (...) eles queriam que
eu devolvesse material subversivo, porque eu no pavilhão apanhava panfletos,
jornais, para dizer o que estava acontecendo no Vale do Ribeira e no Vale do
Araguaia”. (Florival Vale de Paiva. Entrevista concedida a autora em
08/07/2015.)
Pavilhão era um bar de propriedade de
Florival, que se localizava nas proximidades da estação ferroviária, os
estudantes da região que moravam e estudavam em Fortaleza mandavam para ele
panfletos, matérias de jornais, livros, ou seja, os materiais considerados
“subversivos”. Continuando seu depoimento ele relata como foi finalizado as
torturas sofridas:
“Eles terminaram trazendo uma gaiola
com uma cobra dentro, aquela cobra que tem a guisa no rabo, o cascavel,
ameaçaram, mas eu tinha feito um curso de yoga, porque eu tinha feito tática de
guerrilha, técnicas de sabotagem, eu tinha feito vários cursos, eu tinha feito
curso de yoga para suportar tortura. Quando eles trouxeram aquela cobra eu já
sabia que aquela cobra não tinha veneno, mas deixa que a técnica deles estava
mais avançada do que a minha, a cobra deles tinha veneno mesmo, quando a cobra
me mordeu eles ameaçaram, ameaçaram, até que deixaram, ela mordeu duas vezes no
meu rosto, eu com um braço amarrado em uma jurema o outro num sabiá lá no meio
do mato, eles abriram a gaiola buliram com a cobra e a cobra me mordeu ela queria
pegar pelo brilho do olho mas eles num deixavam eles precisavam de mim vivo.”
(Florival Vale de Paiva. Entrevista concedida a autora em 08/07/2015.)
Florival conta que depois de ter sido
picado pela cobra, quando passou uns cinco a dez minutos começou a sentir
contrações e chegou a pensar que iria morrer. Mas os torturadores, que na
lembrança dele eram seis, haviam injetado nele soro antiofídico para cortar o
efeito do veneno da cobra. Percebeu isso logo que acordou: “A coisa que mais me
fez sofrer foi quando eu tornei de Itapipoca pra lá com os braços cheios de
contra veneno antiofídico, que eu vi que estava vivo, eu preferia ter morrido
mesmo, do que ficar naquilo de novo”.(Florival Vale de Paiva. Entrevista
concedida a autora em 08/07/2015.)
Além das torturas físicas ele sofreu
torturas psicológicas, relata que os torturadores mandavam-no fazer o sinal da
cruz, diziam que ele devia ser morto, que todo comunista tinha que ser morto, e
muitas outras coisas que ficaram marcadas na triste memória desse militante
comunista ipuense, que tinha como intuito ajudar seus companheiros, e lutar por
mais igualdade social. Napolitano lembra o papel da tortura:
“A tortura não é apenas uma técnica de
extrair informações, mas também uma forma de destruir a subjetividade do
inimigo, reduzir sua moral, humilhá-lo. No caso do guerrilheiro de esquerda, a
moral era tudo. Combatia-se por uma crença ideológica, combatia-se por um ideal
de sociedade. Quando uma pessoa se torna um guerrilheiro, não há nem vitória
nem compensações materiais no curto e médio prazo. Ela rompe os laços
familiares em nome da luta, rompe com as possibilidades de um trabalho e de um
futuro confortável, ainda mais quando se é estudante vindo de uma elite. A
prisão, o exílio, a derrota pontual não eram suficientes para abalar a moral,
quando muito para provocar uma autocrítica e mudança de estratégia de luta. A
morte heroica era uma perspectiva que não assustava a flor da juventude que foi
à luta. A tortura invade esta subjetividade tão plena de certezas e de
superioridade moral para instaurar a dor física extrema e, a partir dela, a
desagregação mental, o colapso do sujeito, o trauma do indizível. É claro,
muitos militantes passaram pela tortura e, em princípio, não submergiram como
sujeitos nem como militantes. Isso aponta para uma certa ineficácia da
tortura.” (Idem p. 108.)
Os militares levaram Vale para
Fortaleza, para ser libertado contou com a ajuda do deputado Marcelo Linhares,
alegando que aquilo tinha sido um equívoco que ele não eram quem eles estavam
pensando, alegou que Florival era analfabeto e que não causava nenhum risco.
Então trouxeram-no para Reriutaba, cidade vizinha a Ipu e deixaram-no preso,
depois de seis dias é que sua mulher e a população ipuense ficaram sabendo e
foram em busca dele. Para ser solto foi necessário que o padre Moraes se
responsabilizou por ele, assim, foi condenado a passar três anos em prisão
domiciliar.
Florival Vale apoiava o grupo dos
Rochista, mas, afirma que como não recebeu nenhuma ajuda deles, nem de Dona
Maria Antonieta, prefeita, que negou que lhe conhecesse. Por causa disso ficou
muito decepcionado, mas continuaria a se envolver na política agora contra o
Dr. Rocha. “Eles fazem as vítimas se ajoelhar nos pés dos poderosos”. Florival
diz que por não suportar ficar só em casa, sem poder divertir-se acabou se
aliando ao grupo político de Moraes na eleição em que Rocha perdeu a liderança
para Milton Pereira. O próprio padre Moraes foi falar com o general Assis
Bezerra, chefe de polícia de Adauto Bezerra para o comunista trabalhar na sua
campanha.
O general Assis Bezerra segundo
Florival, disse que se ele quisesse se candidatar a vereador podia, e o padre
Moraes queria que ele se candidatasse pela Arena, vejamos a contradição,
Comunista do lado da Ditadura, mas ele não aceitou, quis mesmo só trabalhar
como cabo eleitoral isso já bastava, visto que o objetivo dele era poder andar
livremente pela cidade e se divertir com eles, ou seja, teve realmente que se
“ajoelhar nos pés dos poderosos” como ele mesmo retratou, para conseguir sua
liberdade. Como discorre Cardoso: “(...) além do preso político não ser
considerado um cidadão, ele foi tratado com mais severidade do que o dito
“marginal” que praticou crimes considerados e julgados na justiça
comum.”(CARDOSO, 2012, p.98)
Mas a presença de comunistas na cidade
de Ipu é bem mais antiga. De acordo com o historiador Petrônio Lima, no início
da década 1940, vindo do Rio Grande do Sul para trabalhar como Coletor Federal
chega a cidade Hugo Madureira, homem muito inteligente e com muita facilidade
de socialização adquirindo prestigio e muitas amizades. A Igreja na pessoa do
Padre Cauby identifica-o como “ameaça” visto que ele seria um suposto
comunista.
Hugo Madureira depois de adaptado aluga
uma casa ao lado da Igreja Matriz e funda a Liga dos Trabalhadores de Ipu, onde
a noite acontecia os encontros e ensinamentos sobre questões trabalhistas e
ideias da doutrina do comunismo. O Padre Cauby fica extremante aborrecido com
essa ousadia e em certa noite de novembro do ano de 1946 convoca os fiéis para
colocar fim a essas “mazelas”, então se armam de pedras e expulsam o suposto
comunista da cidade, conforme descreve o historiador:
“Os gritos vindos de fora faziam
lembrar um bando de lobos famintos tentando agarrar a sua presa: “Sai daí de
dentro comunista do inferno!...Morra como homem desgraçado!” O que se via era
uma enorme chuva de pedras e paus por entre portas e telhados. E o pior, muito
de seus alunos se encontravam na sede, o que fazia com que Madureira gritasse insistentemente:
Por favor, calma!!! Não somos ladrões e nem demônios. Somos trabalhadores assim
como vocês. Não façam isso por favor!... De nada adiantava as palavras do líder
comunista Madureira, pois o fanatismo e a intolerância falavam mais altos: Cão maldito!...
Não negociamos com anticristo, somos devotos de São Sebastião e não do
satanãs...Avante Cruzados da Eucaristia! Viva Círculo Operário, Viva São
Sebastião! Viva Padre Cauby!...E a multidão em coro gritava: Vivaaa!!!!” (http://petroniolimaipu.blogspot.com.br/.
Acesso em 05/09/15)
Ainda segundo Lima quando conseguiram
invadir a casa, já se encontrava somente Madureira e seu companheiro fiel
Manoel Sapateiro, pois os alunos que ali se encontravam tinham sido orientados
a fugirem pelo telhado enquanto os dois seguravam a porta. Todos os materiais
de ensino como: cartilhas e livretos foram queimados pelos religiosos a mando
do Padre. Madureira só conseguiu fugir porque como andava armado deu um tiro
para cima e os religiosos por medo acabaram deixando-o fugir. Depois desse dia
não foi mais visto na cidade.
A história desses dois sujeitos são
exemplos de que mesmo nos pequenos municípios a repressão e a “subversão”
estiveram presentes, em diferentes momentos da história do Brasil.
Ainda sobre a tortura, Marcos
Napolitano discorre que ela faz parte do sistema imposto pela ditadura e o
torturador é obrigado a seguir as normas desse sistema cruel e antidemocrático:
“É fácil explicar a tortura pelo
descontrole do aparato policial-militar da repressão ou pela autonomia do porão
em regimes autoritários. Costuma-se explicar a tortura até pelo emprego de
indivíduos sádicos e psicopatas na repressão, que cometeriam excessos,
sobretudo nos casos mais atrozes de violência. Mas nenhuma destas explicações
dá conta do fato de que a tortura é um sistema. Como sistema, não é o
torturador que faz a tortura, mas exatamente o contrário. Sem o sistema de
tortura, organizado, burocratizado e abrigado no aparelho civil e militar do
Estado, o indivíduo torturador é apenas um sádico errante à procura de vítimas.
Dentro do sistema, ele é um funcionário público padrão. Obviamente, a tortura
nunca foi assumida pelo alto escalão militar que comandava o regime como uma
política de Estado.” (NAPOLITANO, 2008, P. 106.)
A jornalista e escritora Tais Moraes,
autora do livro Operação Araguaia: os
arquivos secretos da guerrilha, realizou um importante trabalho que
resultou na escrita do livro Sem Vestígios: revelações de um agente secreto da ditadura militar
brasileira, em que a autora descreve a vida de um militar e o
que levou-o a cometer tantas atrocidades, fato que possibilitou a oportunidade
de conhecer o que se passa na mente de um torturador, uma de minhas maiores
inquietações.
A autora conta a história de um agente
secreto da ditadura através de uma espécie de diário feito por ele mesmo, mas
sem sua identificação, o que é possível saber é que ele morava no Rio de
Janeiro, talvez por esse motivo se identificou como Carioca. O autor desse
diário pediu a um familiar que o entregasse, após sua morte, para alguém que o
publicasse, o que acabou caindo nas mãos da jornalista Tais Moraes.
A escritora começa descrevendo toda a
vida do agente, antes mesmo de entrar para o exército, até sua terrível morte
dentro de um barco com uma machadada na cabeça, ocorrida sem deixar nenhum vestígio.
Quando foi convocado para servir o exército de imediato saberia qual seria sua
função no quartel, seria um dos salvadores da pátria:
“Se até ali a política estava longe de
suas preocupações, passou a estar na ordem do dia. Não se falava de outra coisa
a não ser no golpe que as altas patentes insistiam em chamar de “Revolução”. A
visão, porém, era unilateral. Nenhuma conversa, mesmo informal, sobre o
panorama político que conduzia àquele desfecho. Nada de amplos contextos nem
discussão de idéias divergentes. No quartel só havia uma versão: a que todos
deveriam aceitar sem nenhuma ressalva. Os militares salvariam o país de uma
caminhada inexorável para o comunismo – a grande besta do apocalipse, a fonte
de todo o mal, e limpariam, ainda, os resquícios da doutrinação anterior.
Muitos subversivos vicejavam nas sombras, na sorrateira tentativa de recuperar
terreno. Era preciso barrar sua passagem, evitar a todo custo a contaminação da
população pelas cartilhas vermelhas. Tudo era válido naquela missão sublime.
Foi o que Carioca aprendeu, de imediato, dentro daquele país à parte chamado
quartel.” (MORAIS, Tais. Sem Vestígios: revelações de um agente secreto da
ditadura militar brasileira. São Paulo: Geração Editorial, 2008.P.39.)
Carioca relata vários tipos de
agressões e torturas que confirmam o que já foi ressaltado nesse trabalho, além
das muitas técnicas já citadas, em certos momentos eles criavam, na hora mesmo
da prisão, maneiras de causar sofrimentos nos considerados inimigos. O militar
também participou da Guerrilha do Araguaia e relata o que faziam para apagar os
vestígios daquele massacre:
“O que muita gente desconhecia, até
determinado momento, é que houve um cuidado extra no afã de destruir provas do
que realmente houve no Araguaia. Depois do retraslado de corpos de onde estavam
originalmente, para aquela área mais distante, muitos foram amontoados em uma
cova muito profunda, forrada e depois coberta com várias camadas de pneus,
depositando os cadáveres no meio. Em seguida, com o uso de imensas quantidades
de gasolina, atearam fogo à pilha, até que tudo se transformasse em cinzas, que
a poeira dispersou ou o vento levou. Houve, ainda, uma terceira etapa. A cova
foi, então coberta com terra, para em seguida receber mudas de árvores e
sementes de capim. Uma verdadeira maquiagem na geografia para que ninguém
jamais fosse capaz de descobrir o que houve ou quem foi o responsável por
aquilo.” (MORAIS, 2008, P.155.)
Mesmo depois de tantas barbaridades,
agiam como se nada tivesse acontecido, pois estavam apenas realizando seu
trabalho e não deveriam sentir-se culpados já que fazia parte do sistema.
Segundo Carioca em seus relatos, uns se drogavam para cometer tamanhas
atrocidades outros pareciam não sentir nada até riam nos momentos de terror.
Porém, Carioca se consideravam assassino desde a primeira pessoa que matou. Ele
relata o fim triste do cearense de Boa Viagem David Capistrano da Costa,
conhecido militante do Comitê Central do PCB muito procurado pelos militares,
seu fim foi extremamente cruel e assustador. Depois de terem capturado David
Capistrano ele foi entregue para alguns militares, dentre eles, Carioca com o
mandado de levarem o prisioneiro para a parte serrana do Estado do Rio de
Janeiro e deixado em uma casa em Petrópolis. Carioca foi poupado do trabalho
macabro que levou a morte de David, porém depois do assassinato teve que sumir
com os restos do corpo. Relembra:
“Mesmo ele, um agente cansado de ver a
morte, de vários tipos, e as mais diferentes formas de tortura, nunca poderia
imaginar uma cena daquelas. Chocado sem articular uma só palavra, o estômago
engulhado, percebeu que as partes, amontoadas num canto, estavam a ponto de
serem colocadas em sacos plásticos. Isso ainda não era tudo... Lentamente,
levantou a cabeça em direção a algo pendurado em ganchos. A princípio não
distinguiu bem o que era. Um tronco, dividido ao meio. As costelas de
Capistrano pendiam do teto, e ele, reduzido a pedaços como se fosse uma carcaça
de animal abatido, pronta para o açougue.” (MORAIS, 2008, P.175.)
Além de todos esses relatos de Carioca,
em um dos trechos do diário ele escreve que foi um bom militar e realizou um
bom trabalho quando relata todas as atrocidades, mas também fala de como se
sente por ter feito tanto mal: “Cenas pavorosas me perseguem em minhas noites
de sono imperfeitos, me atormentam e me enchem de remorsos e culpa. (...) As
imagens de tortura de militantes de esquerda me perseguem a cada dia e noite.”
(85 MORAIS, 2008, P.16.) Escreve ainda que gostaria que esses escritos fossem
divulgados somente depois de sua morte e realmente isso aconteceu, e também dar
entender que por algum momento se arrepende: “Ultimamente tenho pensado muito
em Deus. Em perdão. Se é que existe perdão para mim.” (86 MORAIS, 2008, P.16.)
Mas justifica por que fez tudo isso : “O trabalho era sujo, mas era o nosso
trabalho livrar o país da ameaça comunista.”(MORAIS, 2008, P.17.)
Para Marcos Napolitano havia um ponto
em que a tortura foi muito eficaz que seria na propagação do medo, onde o
destino de todo subversivo seria a tortura, a prisão ou a morte muitas vezes
por desaparecimento, como ocorreram em diversos casos, depois de cinco décadas
muitos familiares não sabem o destino de seus parentes. Segundo a
historiografia muitos prisioneiros de esquerda foram enterrados
clandestinamente, em locais desconhecidos e outros foram jogados ao mar, com
requintes de extrema crueldade. O que coletivamente causava mais traumas:
“Não por acaso, os militares da geração
de 1964 – triunfantes na política, vitoriosos nas armas contra a guerrilha,
donos do Estado por mais de vinte anos – são profundamente ressentidos. Ao
perderem a batalha da memória os militares se tornaram vilões de um enredo no
qual se supunham heróis. Hoje em dia, poucas vozes com influência nos meios
políticos e culturais defendem o legado do regime. As próprias Forças Armadas,
como instituição, não sabem bem o que dizer para a sociedade sobre 1964 e sobre
o regime, e frequentemente optam pelo silêncio ou pela lógica reativa, tais
como “o golpe foi reativo” ou “nós matamos porque o outro lado pegou em armas”.
A partir do final dos anos 1970, o regime se viu ainda mais isolado, com sua
obra política e econômica cada vez mais questionada por empresários,
intelectuais, trabalhadores, classes médias. Foi nesse momento que se consagrou
a derrota dos militares na batalha da memória, iniciada bem antes, e que,
paradoxalmente, serviu para selar a imagem da “sociedade-vítima” do Estado
autoritário, resistente e crítica ao arbítrio.” (NAPOLITANO, 2008, P.246.)
2.3 As Memórias e o tempo presente
Se realmente a esquerda ganhou a guerra
da memória, cinquenta nos depois do golpe a memória da direita ainda encontra
ecos na cidade de Ipu. O ipuense, escritor e professor Antônio Ramos Pontes,
reforça a justificativa de que o golpe foi necessário:
“A baderna, o desgoverno, a ausência de
autoridade, a falta de organização do país, a falta da aplicação da Lei como
ordem, não é a lei como ditadura, não é a lei como terror, mas a lei como ordem
na sociedade, tudo isso e até considerando o governo daquele tempo daquela
época. Então o governo militar eu não chamo nem de ditadura, ele era
necessário, sim foi necessário fazer. Foi necessário, foi bom, eu vivi esse
período quando eu vivi no Rio de Janeiro durante o auge do Regime Militar na
década de 70. Eu era acadêmico, se andava nas ruas com tranquilidade, eu mesmo
me lembro demais disso que eu vinha de minha faculdade, era por volta de onze,
onze e meia da noite, até carona os militares me deram para irem me deixar em
minha casa. Tão preocupados eles estavam com o zelo que eles tinham pela
segurança do cidadão, eu com o braço cheio de livros e as vezes eles iam me
deixar perto de minha casa, que eu morava em Copacabana nesse período, quando
não iam me deixar mandavam pedir o ônibus parar e me levar, as vezes nem pagava
passagem.” (Antônio Ramos Pontes. Entrevista concedida a autora em 03 de
setembro de 2015.)
Ele continua, justificando a tortura:
“Esse problema da tortura se fala muito
nisso, mas eu acredito que houve excessos, é claro aconteceu excesso sim, mas
quem passou por isso? O cidadão? Por que que alguns desses elementos foram
castigados, foram corrigidos com algum exagero? Teve exagero? Teve! A gente não
pode negar isso. Isso acontece até hoje mesmo num país de regime, dizem que o
regime é democrático que eu não acredito nessa democracia, nós estamos vivendo
numa verdadeira ditadura petista, acontece até hoje, houve sim sem dúvida
nenhuma, mas quem foi torturado? O cidadão? É quem estava na igreja rezando? É
quem estava trabalhando ou quem era inimigo do Brasil? Não amiga, era os
inimigos do Brasil a Lei de segurança Nacional prevê a pena capital para os
traidores do país. E os militares não fizeram isso deram apenas umas pancadinhas, em
alguns deram uns castigos, corretivos em alguns mas não fizeram isso, exagero
pode ter tido exagero (..) Minha amiga quem não é bandido não tem medo de
militar, quem tem medo de militar é bandido. (grifo meu)” (Antônio Ramos
Pontes. Entrevista concedida a autora em 03 de setembro de 2015.)
Mas, contraditoriamente, quando o
autoritarismo atinge seus familiares, Pontes reconhece seus limites. Filho de
um oficial de justiça ele reclama das práticas autoritárias impetradas pelo
Juiz de Ipu no período da ditadura. “Ele pegava o meu pai, sabendo da situação que estava para oficial de justiça, as
vezes seis horas da noite, ele se lançava em sertão afora a procura de intimar
alguém e no dia seguinte está na audiência, o juiz era um sujeito realmente
cruel.”(Antônio Ramos Pontes. Entrevista concedida a autora em 03 de setembro
de 2015.) Ele descreve o contexto local na década de 1960, por meio desta
poesia de sua autoria:
“Um magistrado tirando a sombra da Lei
É nesse mundo sombrio de puro
autoritarismo
Que os nossos representantes impõem o
sectarismo
Do poder dos tribunais esmagando os
seus rivais
Sobre os pés do idealismo.
Francisco Ramos Soares, um recém
oficial
de justiça da cidade, homem do bem e
não do mal
conhece um juiz cruel de direito
infiel, um magistrado brutal.
Diziam que o tal juiz saiu de São
Benedito linda
cidade serrana em que lá não foi
bendito
teria sido enxotado pelo povo ameaçado.
de um cacete merecido
A boca do povo corta descobre faces tão
nuas
Aumenta mais não inventa coisas que se
engole cruas
sejam mentiras profundas ou verdades
iracundas felizes por entre as ruas.
Porém muito se cobrava dos homens do
Ipu meu
visto que o tal magistrado impunha o
desejo seu
a ditadura crescia e sua força destruía
o mundo que era só teu.
Era então 64 de um inverno pavoroso
um dilúvio jamais visto em nosso estado
famoso
caiu umas chuvas sem tréguas, roncavam
os rios sem régua, rasgando o solo arenoso.
Acima das superfícies as águas se
elevavam
diluviando torrentes as nuvens se
acinzentavam
o céu de dia era noite, cada chuva era
um açoite pra as vidas que arrebentavam.
No circuito do horizonte a muralha
enegrecida
cor de chumbo derretendo na terra já
bem ferida
o ribombar do trovão balança todo
sertão da natureza sofrida.
O relâmpago ilumina as noites tão
solitárias
um andarilho corta um mundo como águas
involuntárias
na solidão se abatendo seu triste
oficio vivendo escuridões ordinárias.
Como um juiz tão cretino poderia assim
mandar
um oficial de justiça em noite horrenda
intimar
um réu pro dia seguinte em audiência
com o ouvinte depor e não se matar.
(Antônio Ramos Pontes. Entrevista
concedida a autora em 03 de setembro de 2015.)
Outros ipuenses se colocam contrários
ao autoritarismo. Para o Professor Marcos Paiva o regime foi de limitações dos
direitos sociais:
“Tinha pleno conhecimento da
´´Revolução´´ que aconteceu a partir de 1964 que acabou com toda e qualquer
garantia constitucional além de economicamente ter sido um verdadeiro lesa-
Pátria. Dentro do AI 5 tinha um artigo que censurava especificamente os
estudantes brasileiros. Portanto, não só conheci muitas pessoas que foram
censuradas, inclusive EU que na época era estudante. Estudava na universidade
Católica da Bahia no curso de economia, no período mais tenebroso da Ditadura
Militar, isto e, em pleno AI 5 em cujo interior continha um artigo que não
lembro no momento salve engano 472 que era especifico de repressão aos
estudantes e através deles muitos estudantes foram preso e torturados. No Ceará
a repercussão do golpe não foi muito diferente do restante do Brasil, uma
brutal censura a imprensa ou uma brutal repressão aos movimentos populares
principalmente dos operários e estudantes.” (Marcos Evangelista de Paiva.
Entrevista concedida a autora em 27 de agosto de 2015.)
Melo discorre sobre a repressão nas
escolas. Como professor do Patronato e do Colégio Ipuense ele diz que falava em
sala de aula que aquilo era uma ditadura, uma revolução sem precedentes:
“A irmã Mendes era diretora e dizia,
Francisco pelo amor de Deus não fale esse negócio não, não demorou nada me
tornei diretor do Colégio Ipuense eu comecei a sentir a verdadeira preocupação
que a irmã Mendes tinha. A gente recebia quase que semanalmente uma carta da
polícia federal, da presidência da República, principalmente do Geisel, recebia
uma carta prevenindo a gente o que não devia falar. Eles obrigavam toda escola
terem um Centro Cívico, com símbolos nacionais e uma vez por semana hastear a
bandeira com o hino nacional, nas cartas tinha recomendações para não se falar
nada contra os militares, nada contra as atitudes e ideias dos militares.”
(Francisco de Assis Martins. Entrevista concedida a autora em 03 de junho de
2015.)
A repressão aos cidadãos não se
restringiu aos militantes políticos. Professores, escritores, músicos e muitos
outros foram também perseguidos pelas forças armadas, tendo muitas vezes que se
exilarem ou calarem-se diante das autoridades:
“Principalmente durante os chamados
“anos de chumbo”, que compreendem todo o período do governo Médici (1969-1974)
a repressão moral caminhou passo a passo com a repressão política. A referência
explícita à sexualidade era identificada como um ato de subversão. E além de
programas de TV, diversos filmes, livros, revistas, canções e até obras de
gênios da pintura foram proibidos ou mutilados pela censura.” (ARAÚJO, Paulo
Cesar de. Eu não sou cachorro, não. 6a ed. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.
p.55)
Muitos cantores se expressaram
contrários ao regime ditatorial por meio de suas músicas, que traziam nas
letras relatos de injustiças sociais, denúncias ao sistema implantado no país,
quando muitos desses artistas foram perseguidos e alguns tiveram que si
exilarem em outro país. Boa parte desses cantores depois da ditadura fizeram
muito sucesso, contudo a historiografia retrata somente as músicas ouvidas pela
classe média, tais como, as canções de Chico Buarque, Caetano Velos, dentre
outros.
O autor Paulo Cesar de Araújo em seu
livro Eu não sou cachorro
não, vem quebrar com esses estereotípicos dando espaço na memória da
história musical aos cantores que faziam sucesso e tinham suas músicas ouvidas pela
classe baixa da sociedade, ou seja, os que eram considerados “cafonas” e
“bregas”:
“No rastro da chamada “defesa da
moralidade e dos bons costumes”, diversos artistas populares tornaram-se alvos
da censura do regime”. Mas que muitos são esquecidos. “Não dá mais para
dissimular ou esconder. A produção musical “brega” ou “cafona” é um fato da
nossa realidade cultural, assim como a da bossa nova ou a do tropicalismo,
precisa ser pesquisada e analisada.” (ARAÚJO, 2007, p.16)
Para Araújo é importante dá vozes a
esses cantores populares, como ele mesmo cita, Waldik Soriano, Odair José,
Benito de Paula, Paulo Sérgio, dentre muitos outros que são lembrados pela
classe menos favorecida, percebemos que até nesse critério encontramos
desigualdades sociais. O autor faz uma defesa da memória desses cantores e
canções que foram silenciadas pela historiografia em virtude do “sucesso” dos
ditos “cantores da elite”:
“De tudo isto, o mais grave hoje no
Brasil é que muitas das vozes que chamavam contra a tortura no tempo do regime
militar silenciaram e constata-se agora uma certa complacência da sociedade -
para não dizer o aplauso de setores das elites e de muitos segmentos médios. É
como se a tortura praticada contra os estratos mais baixos da população não
fosse tão grave assim. É como se não existisse mais tortura no Brasil. Mas não
se iluda. É possível mesmo que no momento em que você lê estas páginas, algum
brasileiro pobre, e provavelmente negro, esteja sendo submetido a tratamento
cruel, desumano e degradante em algum camburão, delegacia ou penitenciária do
país. E muitas dessas vítimas poderão estar gritando “eu não sou cachorro, não”
ou “seu moço, não sei de nada/ não sei do que tá falando/ não tenho papel
nenhum/ há pouco que tô chegando...” (ARAÚJO, 2007, p.244)
Assim como as músicas ditas “bregas e
cafonas” foram lembradas pelo autor, a história da ditadura militar deve sempre
ser lembrada por nós, principalmente pelos historiadores, com o objetivo de
alertar a população, no intuito de evitar que essa barbárie nunca mais
aconteça, com a esperança que haja mais igualdade social e mais democracia.
Finalizo com a importante frase do historiador Boris Fausto: “Quanto mais o
passado é trabalhado mais a sociedade se beneficia: Não há cidadania sem o
conhecimento da História”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudar a história política de Ipu em tempos de ditadura foi uma tarefa
árdua. Sabia desde o início da pesquisa que as dificuldades seriam muitas, as
principais seria conseguir fontes que pudesse desvendar essa história. Foi como
montar um quebra-cabeças sem a imagem do que se pretendia encontrar. Era certo
que não iria encontrar muitas práticas de repressão e resistência à Ditadura
Militar Brasileira em nossa pequena cidade, como encontramos nas grandes
capitais, por isso a história do ex-militante comunista Florival Vale me
surpreendeu. Fiquei impressionada com a sua história, mas principalmente com a
sua coragem de quebrar o silêncio, evitando que aquelas histórias caíssem no
esquecimento como esperam os que ainda defendem uma ditadura.
Outro aprendizado importante foi a
compreensão de como se constituiu a política municipal nessas décadas. Pude
perceber que o local, o regional e o nacional estão intimamente imbricados, a
filiação de Rocha e Moraes a ARENA e a pouca representatividade do MDB, eram
indícios de uma aliança com o regime, que como em outros municípios do noroeste
cearense, resultou em investimentos no espaço urbano local, o que de algum
modo, ocultava as mazelas da repressão. Consegui compreender o verdadeiro
significado do conceito de política. Apesar do minucioso trabalho para montar
esse quebra-cabeças, estou certa de que ainda há muito a ser compreendido da
história do Ipu.
Enfim, pesquisar sobre Ditadura,
conhecer a História Política de nosso país, me proporcionou sentimentos
indescritíveis, ao mesmo tempo que me senti indignada em saber que essa forma
tão cruel e desumana de governar existiu aqui, por outro lado, senti uma
vontade imensa de fazer algo para que isso nunca mais se repita. Já se foram
cinquenta anos, mas essa história ainda permanece na memória de muitos. “O
preço a ser pago pelas esquerdas e pela sociedade como um todo foi alto demais
para ser relegado ao esquecimento.” (CARDOSO, 2012, P.12.)
Para Araújo, a definitiva superação da
ditadura vivida no país só poderá se dar com o aprofundamento da democracia e a
ampliação das políticas de justiça de transição. O direito à memória, à verdade
e à justiça são passos importantes que o país deve dar: esclarecer os abusos,
investigar as violações cometidas, revelar a verdade factual, responsabilizar
os perpetradores são atitudes que se espera do país. A Comissão da Verdade,
instalada em maio de 2012, pode cumprir esse importante papel. O Brasil já
avançou bastante na reparação de muitas vítimas da ditadura, mas inúmeros episódios
continuam sem explicação. Garantir o direito à memória, à verdade e à justiça é
um passo fundamental na consolidação democrática.
Que esse trabalho seja a minha pequena
contribuição, deixar para a historiografia algumas pistas para que outros
pesquisadores possam continuar esse estudo que ainda carece de muita pesquisa e
análise.
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FONTES
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http://petroniolimaipu.blogspot.com.br/. Acesso em 05/09/15.
Fontes Orais
Francisco de Assis Martins. Data de Nascimento: 15 de maio 1943.
Florival Vale de Paiva. Data de Nascimento: 19 de julho de 1943.
Antônio Ramos Pontes: Data de Nascimento:18 de setembro de 1950.
Marcos Evangelista de Paiva: Data de Nascimento: 25 de abril de 1944.
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