JOÃO FLAVIANO
TOMAZ FREIRE
(Texto adaptado
a partir da Monografia de graduação em História, com este mesmo titulo, pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú –UVA-CE, ano 2014)
RESUMO
Este trabalho foca a embriaguez
associada ao alcoolismo na cidade de Ipu. Buscamos a principio contar um pouco
sobre a história da embriaguez na humanidade e depois partir para a história
ipuense destacando os bares, reduto do ébrio e boêmio, os personagens que
tiveram envolvimento com o vício do álcool, os prazeres da noite como o
prostíbulo ou “zona da perdição” como algumas senhoras chamavam e um fator
principal que era ou ainda é tratando-se da bebida e diversão, a música. As
bebedeiras após a labuta especialmente as sextas feiras, findando a semana e
muitos trabalhadores faziam ou o fazem como um ritual, não importando o tipo de
ofício, sem levar em consideração se era formal ou informal. Destacamos as
mazelas provocadas pelo uso continuo do álcool e desde o século XIX, os médicos
especialistas já encaravam o alcoolismo como uma grave patologia e algo
frequente nos dias atuais que é a adesão de muitos jovens a consumação dessa
substância, a mídia com incentivadora através dos comerciais e propagandas, a
violência e desordem, caso frequente especialmente tratando-se do trânsito e o
trabalho da irmandade que conhecemos como Alcoólicos Anônimos.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como foco a
história da embriaguez associada ao alcoolismo na cidade de Ipu, num recorte
temporal entre 1978 a 2014. A pesquisa foi dividida em três capítulos: o
primeiro abordando sobre a história da embriaguez durante a antiguidade, tendo
como referencial o trabalho do historiador Henrique Carneiro (CARNEIRO,
Henrique, Bebida, abstinência e temperança, Na história Antiga
e Moderna, 1º ed. São Paulo: Editora Senac, 2010) que traça sua teoria
sobre a “história das ideias”, abordando os grandes filósofos gregos da
antiguidade clássica e outras civilizações e defendendo que a embriaguez é uma
prática tão antiga quantas outras que acompanham a humanidade, como a própria
associação do homem, a prostituição, as guerras e a ira. Seria a ira uma
espécie de embriaguez? Pois este sentimento nefasto cega o homem, levando-o a
cometer delitos que o torna um “marginal” possuído pelo desejo de destruir,
roubar, estuprar e matar.
Os bares e botequins, redutos dos
ébrios, do boêmio, lugar para “afogar” as mágoas, desabafos, as contendas
diárias que subsistiam e ainda existem nestes estabelecimentos e a música como
fator essencial para o entretenimento especialmente após a labuta, onde
usaremos também como referência a professora Maria Izilda Santos de Matos
(MATOS, Maria Izilda Santos de. Meu lar é o botequim: alcoolismo e
masculinidade, 2ª ed. São Paulo: companhia Editora Nacional, 2001.) que
aborda as relações sociais tendo como foco o “ébrio e as tensões em torno da
construção da masculinidade”. Neste sentido, um distintivo com os homens,
trabalhadores antes de irem para o aconchego do lar era primordial dar uma
passada no botequim para degustar algum tipo de bebida adotando este
estereótipo como uma espécie de ritual.
O prostíbulo de Ipu, que jamais
deixaria de mencioná-lo, pois era um lugar onde reinava a perdição, um
território exclusivo de homens sem nenhum compromisso e outros que por sua vez
esquecia-se de seu papel como homem trabalhador pai de família, o genitor
exemplar, trocando algumas vezes o aconchego da esposa amada em troca do deleite
de uma mulher dama onde citaremos dois historiadores ipuenses, Iramar Miranda (BARROS, Antônio Iramar Miranda. Ipu nos Trilhos do Meretrício:
Intelectualidade e controle numa sociedadeem formação.Dissertação de
Mestrado em História. Universidade Estadual do Ceará -UECE.) e Vitorino
Filho (FILHO, Antônio Vitorino. O
Discurso do Progresso e o desejo por outra cidade: imposição e conflito em
Ipu-Ce. (1894 – 1930). Dissertação de Mestrado em História. Universidade
Estadual do Ceará – UECE, 2009.) e lógico além da diversão, as rixas
existentes por incentivo do efeito psicoativo do álcool envolvendo vários
fatores, desde os ciúmes existentes entre os frequentadores do lugar ou ainda
por contendas não resolvidas e por motivos banais. Observei estes casos no
trabalho de José Mauro de Lima, onde afirma o seguinte:
[...] Há que considerar a natureza potencialmente
violenta do homem (agressividade do natural), as circunstancias e fatores de
risco, além da ação “facilitadora” do álcool sobre o cérebro, manifestada pelas
alterações de comportamento (agitação, agressividade, perda de controle
emocional, logorreia, impulsividade etc.), que são habitualmente observadas
nestas situações [...]. (LIMA, Jose Mauro de.
Alcoolismo: na perspectiva da Saúde Pública, 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Elétrica, 2008. p. 139 a 140.)
No decorrer do trabalho precisamente no segundo
capítulo da pesquisa destacamos alguns personagens históricos que ainda estão
na memória dos ipuenses e que ficaram marcados por suas embriaguezes e seus
comportamentos perante esta situação, algo corriqueiro em todos os núcleos
sociais que supostamente tiveram suas vidas interrompidas pelo uso contínuo do
álcool e as sequelas para aqueles que sobreviveram ao inebriante e nefasto
vício adquirido durante os vários anos em que se submeteram ao uso das bebidas
alcoólicas.
Desse modo posso associar o alcoolismo desenfreado
a uma patologia, uma mazela, um mal incurável em algumas ocasiões porque existe
certa resistência de pessoas consideradas alcoolistas de largar o vício e
novamente se reestruturar dentro dos padrões sociais. Sabemos que existem nos
meios sociais pessoas que reconhecem o perigo da consumação exacerbada das
bebidas alcoólicas, porém não abdicam deste hábito diário. Pedro Carvalho Filho
explica que algumas pessoas não aceitam a questão de serem chamados de
alcoolistas ou alcoólatras, porque dizem beber apenas por questão de prazer,
embora esta satisfação venha a torná-los viciados e colocarem em cheque, a
família, sua condição de cidadão, sua reputação no trabalho.
“Admite-se hoje em dia que o alcoolismo é um
problema de saúde pública, com repercussão na sociedade e no trabalho, causando
enormes prejuízos às empresas, em consequência dos benefícios previdenciários e
as aposentadorias por invalidez, muitas delas causadas por acidentes de
trabalho. Por esta razão, chegou à conclusão de que é muito melhor investir na
recuperação do doente alcoólico que demiti-lo por justa causa, correndo o
grande risco de contratar outro alcoólatra para o preenchimento da vaga.” (FILHO, Pedro Cardoso. Álcool e Drogas Ilícitas. 3ª
ed. João Pessoa – PB, Editora Santa Ana, 2008, p. 87.)
No capitulo três abordamos as perdas e prejuízos,
tanto para os consumidores sem moderação, como também para economia, pois sabemos
que a indústria de bebidas alcoólicas gera milhões de dólares, e em
contrapartida suga muito dos cofres públicos quando são acionados os programas
sociais de saúde para combater este mal. O alcoolismo não está presente apenas
nos países subdesenvolvidos ou emergentes, também é um problema dos países
desenvolvidos, pois nas últimas décadas o consumo de bebidas alcoólicas
aumentou consideravelmente, gerando problemas tanto para a saúde quanto para os
subsídios do governo. Percebemos então que a embriaguez não é apenas um
problema para a sociedade, mas também para o governo, pois se trata de uma
alerta para as políticas de saúde pública, por isso a dependência química do
álcool passou a ser vista com uma “lente de aumento” e consequentemente, como
outra doença. Para combatê-la foram instituídos sistemas de prevenção ao
alcoolismo para sanar ou mesmo diminuir o número de vítimas dessa “mazela
social”, como afirma o professor Henrique Carneiro.
A economia da embriaguez não trata apenas da
produção da circulação e do consumo dos produtos inebriantes, ou mesmo das
condições especiais de sua regulamentação histórica que vai do uso sagrado ao
proibicionismo total, mas também dos seus significados mais gerais, conhecidos
sob o termo econômico de “externalidades”, como resultados para a saúde
publica, para os acidentes de trafego e outros, para a violência e outros
aspectos das consequências sociais do uso excessivo ou abusivo de álcool e
outras drogas. (CARNEIRO, Henrique. Op. cit.., p.
234.)
Antes mesmo da mídia, nos comerciais ou as
propagandas de bebidas alcoólicas, adotar os slogans de “beba com moderação” e
“se for dirigir não beba”, no início do século passado, precisamente na década
de 1920, os norte-americanos instituíram a “Lei Seca” em consequência do
consumo exagerado do álcool, apesar de muitos consumirem longe dos olhos do
governo e da fabricação caseira desta substância. No nosso cotidiano a “Lei
Seca” é adotada principalmente durante os feriados prolongados e nos processos
eletivos que ocorrem a cada dois ano. No entanto, o que se observa é que essa
lei não é cumprida, pois é comum simpatizantes de um partido A, B ou C,
consumirem álcool durante e depois dos pleitos.
Em outras palavras, a tal Lei não funciona, podendo
gerar um verdadeiro perigo durante este período, porque, perdendo ou ganhando,
sempre haverá um descontrole emocional e os excessos por parte destes
indivíduos. A respeito da lei, ou melhor, da proibição do alcoolismo, Henrique
Carneiro mostra que:
“Nós Estados Unidos, o grande escritor e militante
socialista Jack London também se pronunciou a favor da proibição do álcool,
escrevendo um livro de memórias de sua própria condição de John Barleycorn,
expressão em inglês para o bebedor contumaz, algo como o nosso pé de cana” (Ibidem, p. 209.)
Outro fator que iremos destacar na pesquisa é a
adesão de muitos jovens, de ambos os sexos, ao consumo do álcool, seduzidos
pelas propagandas comerciais ou pela indústria cultural, pondo em risco o seu
futuro, pois muitos se “viciam” cedo, mesmo antes da maioridade, embora talvez,
entre em contato com o álcool apenas por experiência, o que pode se tornar algo
corriqueiro. Uma vez entregues ao vício, o álcool, como uma droga, acaba por
consumir suas vidas e consequentemente abrir as portas para a consumação de
outras drogas mais pesadas e ilícitas (maconha, cocaína, crack e outras), como
demonstra a análise de Bertoni que no seu artigo mostra como o uso de drogas
acarreta perigo extremo para a sociedade, uma vez que o uso das drogas pode
levar a criminalidade, tornando-a uma espécie de recurso para o sustento do
vício. Por isso, defende ser preciso organizar os programas de prevenção contra
o álcool e outras drogas, para que o jovem não adquira para si este transtorno,
principalmente no lar, junto à família e à escola, as duas instituições
educadoras da sociedade.
“De acordo com North e Orange Jr. (2000), muitos
pais nem se preocupam que os filhos bebem demais, há, inclusive, aqueles que os
encorajam. A preocupação é se estão consumindo drogas ilícitas (maconha,
cocaína, crack ou outras). Isso pode um indicio que tem a ideia de que a bebida
é saudável ou não é tão vilã um processo de dependência que pode demorar anos,
que é avassaladora e não é tão vilã quando poderiam prever. No entanto, é
preciso estar alerta: tomar a primeira dose pode colocar um jovem em um
processo de dependência que pode demorar anos que é avassalador e irrefreáve.”
(BERTONI, Luci Mara. Educação, Juventude e
Alcoolismo. In: MAGALHÃES, Lívia Diana Rocha, at. alli. (orgs), HISTÒRIA,
CIÊNCIA E EDUCAÇÃO, 1ª ed. Campinas, Alínea Editora, 2011,p. 178.)
É comum no nosso cotidiano nos depararmos com
situações em que indivíduos se entregam ao vício exacerbado do consumo do
álcool, mesmo sabendo da sua periculosidade, o que pode trazer prejuízos
avassaladores para suas vidas, como a própria perda da conduta moral, da
identidade e, também, do respeito. Por ser uma droga nociva e com potencial
para o vício, o álcool pode levar à dependência, transformando a diversão numa
doença por alto potencial de destruição. Segundo Silveira, “O alcoolismo é
considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde. Assim, o alcoólatra é
um doente que necessita de um tratamento” (SILVEIRA,
Ajax C. da. O Drama do Alcoolismo: causas, consequências e solução. 3ª
ed. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1981, p. 156.)
Três problemáticas que também abordamos dizem
respeito, primeira, aos efeitos negativos da associação entre bebida e direção,
causadoras de violência no trânsito. Temos assistido frequentemente como
motoristas imprudentes, impulsionados pelo o abuso do álcool, perdem suas vidas
ou ceifam as de outras pessoas inocentes, que pagam com a própria vida os
absurdos desses “assassinos”. E, segunda, como o uso abusivo de álcool tem
gerado violência doméstica, principalmente nas regiões periféricas das cidades.
Devo relatar que essa violência é apenas uma marca das classes menos abastadas,
mas também de outros indivíduos vinculados à elite social. Porém, são nas
conhecidas “classes baixas”, dentro da visão mais conservadora, que temos
relatos de violências causadas pelo consumo excessivo do álcool, como os atos
brutais contra a mulher e a criança. E na terceira, finalmente, abordamos os
problemas econômicos decorrente do consumo de álcool como a perda do emprego
por irresponsabilidades dentro do ambiente de trabalho, quando o trabalhador
exerce seu trabalho sob efeito da droga ou a consume no próprio ambiente de
serviço. Sobre isso, Lima tem algo a dizer:
“Assim, no tocante à saúde do empregado e da
empresa, interessa os “problemas relacionados” que estão mais frequentemente
vinculados ao abuso do álcool do que um quadro de dependência química
propriamente dita. Neste caso, passam a ser interesse para o Programa,
situações de abuso de álcool nos fins de semana, em casa, fora da empresa, mas,
que ao longo do tempo, poderão repercutir nas segundas-feiras, na queda da
produtividade durante a semana, nas licenças médicas repetidas, nos acidentes
de trabalho e/ou trânsito, nas aposentadorias precoces, nos distúrbios
familiares que afetam o humor e o estado de equilíbrio psicológico necessário a
todos etc., [...]”. (LIMA, José Mauro Braz de. Op.
cit., p. 87.)
Estas questões são comuns no nosso cotidiano e
esses indivíduos necessitam urgentemente de um acompanhamento profissional com
um analista ou psicólogo, com o objetivo de amenizar este transtorno e
conduzi-los a sobriedade e, assim, reabilitá-lo às atividades profissionais. No
entanto, devo dizer que reverter à situação não é uma tarefa fácil, pois, em
muitos casos, “curado” da doença, as recaídas podem levá-lo novamente de volta
ao vício. Os muitos exemplos estão aí. O que fazer nessas situações?
Existe, acredito, em todas as cidades do Brasil ou
na maioria delas, o grupo ou irmandade conhecida como Alcoólicos Anônimos (AA),
organização não governamental semelhante a uma facção religiosa, que tenta a
todo custo trazer “adeptos” para sua associação como forma de diminuir os
consumidores de álcool, resgatá-los do vício e, consequentemente, reintegrá-los
à sociedade.
Na maioria das vezes, tanto a família quanto os
médicos que acompanham estes pacientes apelam para internações urgentes nas
clínicas de desintoxicação, numa forma mais eficaz de recuperar o doente.
Porém, nem sempre isso ocorre desta maneira, tudo porque algumas vezes, a
família é a primeira a bater o martelo, sendo omissa a esta situação agravante,
promovendo a desestruturação social do indivíduo.
Consequentemente, o abandono pode ser a válvula de
escape para o submundo do extremo vício e para mendicância, como pedir um a
outro dinheiro para beber, na completa sarjeta dilacerando sua alma e seu ego,
conduzindo-o a um verdadeiro desequilíbrio e prejuízo psicológico.
CAPITULO I
EMBRIAGUEZ, UM GRAVE PROBLEMA
SOCIAL NA CIDADE DE IPU
Conforme a discussão levantada por
Henrique Carneiro sobre bebida, abstinência e temperança percebo que a
embriaguez deva estar associada à loucura, demência, degeneração da alma,
rebaixando o homem a uma espécie de estado primitivo, podendo ser permanente ou
estável, tratando-se da história do álcool na humanidade. Supostamente essas
ideias retratam a leviandade do vício e a constituição de uma negativa premissa
de que a bebida alcóolica já se incorporou aos diversos meios sociais desde os
primórdios, usada até nas cerimônias religiosas das civilizações antigas.
“Mais do que apenas uma história dos
produtos, a historia da embriaguez deverá ser uma historia das ideias, assim
como das práticas, dos atos e dos discursos, dos gestos e das palavras. O corpo
ébrio seria, antes de tudo, o que ele faz ou deixa de fazer, a sua conduta mais
ou menos razoável, a sua disposição de ceder mais ou menos controladamente aos
seus impulsos e as suas vontades e a sua forma de ritualizar coletivamente esse
desprendimento. Ou, antes de tudo, o corpo ébrio seria o que dele se pensa e se
escreve se censura ou se aprova?” (CARNEIRO, Henrique. Op. cit., p. 13.)
Talvez quem se identificou com as
oblações às divindades ou se personifique com elas tenham sido os antigos
gregos, pois a consumação do vinho fazia parte do dia a dia dessa civilização e
estudos confirmam que o povo helênico consumia excessivamente, sem restrições,
portanto. Por isso divinizaram o fruto da videira, criando para si o deus
Dionizio que constantemente era celebrado nos banquetes, festas e nas orgias,
pois era uma prática comum nestas celebrações, dedicadas ao deus.
A civilização romana na qual atribuímos
também o nome de sociedade clássica, assim como os gregos, tinha o hábito de
consumir vinho, porque foi neste contato entre romanos com gregos que houve
então uma troca de cultura, principalmente para os romanos que absorveram muito
da cultura helênica e introduzindo-a no seu meio, constituindo novos hábitos.
Assim como nas festas e oblações gregas, as dos romanos não eram diferentes,
pois existiam as comemorações atribuídas a Baco, uma réplica do deus grego
Dionizio, nas orgias chamadas também de bacanais, exercidas até pela alta
hierarquia romana (cônsules, magistrados, tribunos, etc.). Como afirma Pedro
Cardoso Filho, “O hábito de consumir bebidas fermentadas continuava se
alastrando, até atingir a civilização mediterrânea, aonde chegou o clímax com
as orgias e bacanais regadas a vinho, nas suntuosas festas do poderoso Império
Romano” (FILHO, Pedro Cardoso. Álcool e Drogas
Ilícitas. 3ª ed. João Pessoa – PB, Editora Santa Ana, 2008, p.).
Prática comum no cotidiano desta sociedade, não obstante haver pudor,
principalmente quando em alto estado de embriaguez. Neste contexto, posso dizer
que o álcool sempre esteve presente na história do homem. Conforme Eliana Sales
no seu artigo.
“(...) é bem
verdade que não se pode precisar sua origem exata, mas sua presença nos versos,
músicas, poesias, pinturas, mitologias, lendas, e obras literárias demonstrando
quanto essa prática esteve vinculada ao ser humano em suas múltiplas dimensões,
ora como veículo de remédios, de perfumes, de expressão artística e
intelectual, ora como líquido extasiante capaz de provocar reações de prazer,
de olvidação das tensões, de distinção social e, principalmente sendo o
componente essencial de bebidas consumidas como parte da alimentação, dos ritos
religiosos, da alegria e confraternização de diferentes povos ao longo da
historia da humanidade.” (SALES, Eliana. Aspectos da
História do Álcool e do Alcoolismo no século XIX. In: MIRANDA, Carlos Alberto
Cunha, at. Alli. (orgs), Escritos sobre a saúde, doenças e
sociedades, 1ª ed. Recife, Editora Universitária – UFPE, 2011, p.168.)
Em geral as bebidas alcóolicas durante a história
da humanidade teve sua evolução dentro da característica de cada sociedade até
chegar aos nossos dias, pois é bem sabido que em todas as camadas sociais há
consumidores de toda espécie, moderados, aqueles que mantem uma temperança, bem
como outros que são extravagantes quanto ao consumo excessivo do álcool. E
muitos tendem a levar a ingestão do álcool similar a uma espécie de ritual
como, por exemplo, beber a urina do menino quando nasce um filho varão ou em
outros casos dando um último adeus a um amigo ou parente, algo tradicional nas
cidades interioranas como beber o defunto. Neste contexto, Henrique Carneiro
apresenta que.
“Assim, é possível analisar, por meio de escritos,
um conjunto de ideias religiosas, medicas ou simplesmente morais a respeito das
ingestões alcoólicas e de seus efeitos. Mas a historia da ebriedade é também
uma historia do próprio corpo, de suas técnicas seus gestos, suas formas de
administrar o que se ingere, de estabelecer limites de excessos e de carências,
de contar roteiros, de comportamentos involuntários que vão da euforia a
prostração e, dessa maneira se inscreve numa vertente mais contemporânea de
estudos interdisciplinares que se denominaram “história do corpo”.” (CARNEIRO, Henrique. Op. cit., p. 14, 15.)
A produção das bebidas alcóolicas, bem como a sua
consumação, tornou-se prática comum em todas as sociedades e também em todas as
regiões do globo. Mesmo as sociedades mais remotas já se utilizavam das
técnicas e, a produção de bebidas, como tudo que o homem criava, era artesanal.
Indícios arqueológicos demonstram que esta substancia entorpecente surgiu a
milhares de anos.
As fermentadas, como o vinho, e a cerveja, foram as
primeiras a surgirem e, tanto a sua produção, quanto à qualidade das bebidas
foram sendo aprimoradas conforme a evolução das civilizações. José Mauro Braz
de Lima reafirma isso em seu livro Alcoologia, falando sobre o processo
do surgimento das bebidas alcoólicas.
“A história da humanidade se escreve juntamente com
a história da descoberta e do hábito de uso das bebidas alcóolicas, no tocante
à evolução do próprio processo civilizatório (...). Considerando-se dados de
estudos arqueológicos, pode-se dizer que nos primórdios da nossa civilização,
há cerca de 6.000 a 7.000 anos a. C, já existiam indícios das bebidas
alcóolicas produzidas pelo homem, artesanalmente.” (LIMA,
José Moura Braz de. Op. cit., p.11.)
Acrescento que nem todas as civilizações ou
sociedades faziam ou fazem uso do álcool, por exemplo, o Islã proibiu o uso das
bebidas alcoólicas por seus seguidores, constituindo um regimento
proibicionista no mundo atual. É uma das grandes civilizações monoteístas do
mundo, como o cristianismo e o judaísmo.
Como o cristianismo, é também uma ramificação do
judaísmo, pois o seu principal profeta, Maomé, teve contato com as religiões
judaica e cristã. O islã adotou preceitos rígidos, e um deles é a proibição do
uso das bebidas alcoólicas, seja de qualquer natureza, ao lado também dos jogos
de azar, como está escrito no livro do Corão: “Ó vós que credes o vinho, os
jogos de azar, os ídolos e flechas de adivinhação obras repugnantes do demônio.
Evitais. E possais prosperar.” (Versículo 5:90). “O que o demônio quer é
introduzir o ódio e a inimizade entre vós por meio do vinho e dos jogos de azar
e vos desviar da recordação de Deus e da prece. Não vós abstereis deles?”
(Versículo 5:91). (ALCORÃO. Trad. Mansour Challita,
5ª ed., Rio de Janeiro: Best Bolso, 2012, p. 109.)
Podemos chegar a conclusão desta tal abstinência do
islã por meio das competições automobilísticas, especialmente a Formula1, onde
os pilotos vencedores comemoram com o suco de frutas ao invés da tradicional
champanhe. Posso dizer que apesar da sociedade islâmica fazer restrições quanto
ao consumo alcoólico, observei que certos prazeres estão inclusos na cultura
deste povo como a poligamia, coisa totalmente fora dos padrões ocidentais,
principalmente entre os adeptos das religiões cristãs.
No limiar deste capítulo abordamos a respeito dos
bares, bodegas e botequins, redutos do ébrio, sejam estes estabelecimentos
localizados no centro ou mesmo nos bairros periféricos da cidade de Ipu e as
casas noturnas que toda sociedade conheciam como Cabaré, ponto de encontro para
as bebedeiras e também homens buscando a diversão através do sexo, o que era
comum neste ambiente, às rixas talvez pelo incentivo do álcool, disputando o
“amor” da meretriz ou por uma desavença, pois o alcoolismo está diretamente
associado à violência e a ebriedade era um estopim para gerar conflitos aonde
tinha um desfecho de ferimentos leves à graves, casos que na sua maioria
tornavam-se insolúvel devido a não interferência policial.
BARES, BODEGAS, BOTECOS E BOTEQUINS A
GEOGRAFIADA BOEMIA (Mapa da zona urbana da cidade de
Ipu, destacando os principais Bairros e os bares. Acervo de Joao Freire. Imagem
somente no trabalho na integra) 1. Pavilhão Bar (centro), 2. Bar O “Gostosão”.
(Bairro da Caixa d’Água), 3. Churrascaria O “Teixeira”. (Bairro Pereiros), 4.
Bar do Luciano. (Alto dos 14), 5. Bar do Maírton. (Bairro do Corte), 6. Mercado
Público. (Centro), 7. Bar Amarelinho. (Bairro Pereiros), 8. Clube da AABB
(Pereiros)
Estas nomenclaturas dadas a estes estabelecimentos
comerciais, às vezes são distintos entre si, como por exemplo, as bodegas que
têm significado de taberna, ou lugar sem higiene. Porém, é comum nas cidades
interioranas esses tipos de casas comerciais serem usadas na comercialização de
produtos alimentícios e outros mais, além de servirem bebidas alcoólicas. E
outros ainda mais rústicos chamados de quiosques, localizados na beira das
esquinas do centro da cidade de Ipu, onde se aglomeravam várias pessoas,
trabalhadores autônomos, outros com seus empregos formais e que durante o intervalo
do expediente de trabalho tomavam um café e até uma bebida, como um conhaque ou
mesmo um “engasga gato”
No entanto, uma urbanização mais organizada no
início da década de 1990, desativou muitos desses quiosques para dar um ar,
digamos, mais elegante ao centro. Uma das “vítimas” foi o Bar do Pantico,
localizado na atual Praça Pedro César Tavares, também conhecida como a Praça do
“Pau Mole”, pois quando se sentava no banco dava impressão de baixar alguns
centímetros como se fosse partir. Dentro dessa perspectiva Chalhoub afirma:
“(...) o botequim e o quiosque, a despeito dos seus
algozes, apresentam múltiplos significados. O quiosque era uma armação frágil
de madeira, em estilo oriental, construído nas calçadas e ao redor do qual os
populares se reuniam para beber. (...), baleiros, carregadores, vendedores de
jornais e outros trabalhadores autônomos, costumavam se reunir em torno do
quiosque para tomar goles da “branquinha”, enquanto esperavam a freguesia”. (CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o
cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque, 2ª ed.,
Campinas, SP. Editora da Unicamp, 2001, p. 257 e 25.)
Já os bares são especializados em servir bebidas
alcoólicas seguidas de aperitivos, chamados de tira-gostos, pratos variados. Os
botecos ou botequins se assemelham a eles e é comum observarmos pessoas que, de
vez em quando, entra na bodega ou no botequim para, além de tomar um trago,
discutir sobre diversos assuntos da contemporaneidade, principalmente política
local, futebol e, até mesmo falar da vida alheia.
Antes de almoçar, principalmente aqueles
trabalhadores autônomos, chegados recentemente do trabalho (pedreiros,
mecânicos, por exemplo), praticam este ato como uma espécie de ritual,
permanecendo ali por várias horas. Como afirma Eliana Sales no seu artigo.
“No botequim, o trabalhador reencontrava seus
companheiros para trocar ideias, afogar suas mágoas, falar sobre politica,
comer e beber juntos. Logo, este estabelecimento tinha uma função maior do que
simplesmente fornecer bebidas, era o centro de sociabilidade operária, espaço
central para produção ou reprodução das relações sociais, sobretudo entre os
homens.” (SALES, Eliana. Op. cit., p. 188.)
Um dos bares mais famosos da cidade de Ipu foi o
Bar Cruzeiro, fundado na década de 1940, onde frequentava a elite ipuense,
homens bem trajados acompanhados com suas esposas, pois se tratava de um
ambiente social sadio, desprovido de qualquer situação que viesse a macular o
ambiente, como relata Valdemira Coelho. “O Sr. Pedro Tavares- proprietário do
bar era um cidadão dinâmico, social, animado e sentia-se feliz em oferecer a
família ipuense um entretenimento saudável” (MELLO.
Maria Valdemira Coelho, Ipu em Três Épocas. Fortaleza-Ce, Popular
Editora LTDA, 1988. p. 54.)
O bar foi então mudando de proprietário e durante a
década de 1970, aproximadamente 1976, passou a funcionar como um bar popular,
agora frequentado por todas as classes sociais. Manteve-se de pé até a primeira
metade da década de 1980. O local atualmente abriga uma loja de telefones
eletrodomésticos, celulares acessórios, a Mix Celulares. Durante as cinco
últimas décadas, houve uma série de modificações na sua estrutura física.
Podemos observar, na imagem acima, aspectos do
cotidiano das pessoas na época. Parece ser dia de grande movimento comercial,
pois há uma aglomeração expressiva no centro da cidade, para a década de 1950.
Pessoas que iam comprar vender, pois se tratava na
ocasião do novenário de São Sebastiao, padroeiro de Ipu, e com certeza degustar
algum tipo de bebida, acredito não apenas no Bar o Cruzeiro, mas em outros
estabelecimentos comerciais localizados próximos a região central da cidade de
Ipu, que vendiam de tudo desde alimentos como também bebidas alcoólicas. (Bar
Cruzeiro no ano de 1951. Acervo do Professor Melo. Imagem disponível no
trabalho na integra)
O interessante para a época é o traje que as
pessoas usavam principalmente os homens, pois era uma afronta para a sociedade
da época alguém andar de bermudas ou short como acontece na atualidade.
O chão de terra batida hoje substituída pelo asfalto.
Um dos ambientes mais frequentados durante a
segunda metade da década de 1970 até o início da primeira década do novo século
foi o “Pavilhão Bar”, que antes se chamava Café Estação, pois os agentes,
maquinistas e funcionários da estrada de ferro utilizavam o estabelecimento
para tomar um café, bem como para fazer um lanche rápido e seguir viagem,
localizado no centro da cidade, tendo como ponto de referência a Estação
Ferroviária.
Ponto estratégico, pois quando havia o transporte
de pessoas que iam para as cidades de Sobral, Fortaleza, Crateús, entre outras,
na estação, eles aproveitavam para degustar algum tipo de bebida, tanto quem
partia quanto quem chegava.
Havia naquele lugar comerciante ambulante que
tradicionalmente chamamos aqui na cidade de Ipu de “cafezeiras”, mulheres que
vendiam iguarias típicas da culinária indígena e afro-brasileira, tapiocas,
cuscuz, cocadas, batatas doces, etc., bem como comidas caseiras como o frango
cozido e a panelada, além do café.
Recordo-me bem do alvoroço das pessoas nos
primeiros anos da década de 1980, gente indo e vindo, vendendo, comprando,
casais de namorados e crianças correndo e posteriormente os gritos desesperados
de pais preocupados com o trem para não perderem a viagem como também no caso
de um suposto acidente envolvendo os filhos, fato que ocorreu precisamente até
1985, ano da desativação do transporte ferroviário de passageiros, algo que
modificou totalmente o cotidiano do centro da cidade de Ipu e diferentemente de
outras cidades, cujo serviço se manteve até a segunda metade da década de 1970,
como foi o caso de Camocim.
O Estação Bar era o ponto de encontro da juventude
ipuense durante as décadas de 1970, 1980, 1990 até a primeira metade da década
do novo milênio. Muitos marcavam encontros neste local como uma espécie de
reunião e ninguém hesitava de dizer um não, sem se importar com a época. Talvez
apenas na quaresma algumas pessoas não frequentassem com mais expressividade o
Pavilhão Bar.
O psicólogo e ex-diretor de um programa de
recuperação de alcoólatras, Ross Fishman, traduz no seu trabalho “Tudo sobre
drogas” a adesão de jovens ao uso do álcool como uma espécie de incentivo para
as galanteadas, acredito que tenha a ver com o que acontecia com muitos jovens
que tomavam seus primeiros goles no Estação Bar, em especial na companhia dos
amigos mais “velhos” e experientes, sem o conhecimento e consentimento de seus
pais. Acredito que tal hábito servia até para minimizar a timidez para uma
possível abordagem a uma garota.
Depois de degustar pelo menos o suficiente, sem
exageros creio, ficávamos dando voltas no calçadão angular, sempre rodando ao
contrário da garota que se estava “afim”, como diziam os jovens da época e que
ainda usam este termo quando uma pessoa estiver com pretensões de namorar
alguém. Conforme Fishman.
“A crença de que uma reunião social possa não ser
agradável sem que inclua consumo de álcool é comum na nossa sociedade. Muitos
adolescentes acham que beber os estimula para diversão e para o namoro, isto é,
para os prazeres. Garotos e garotas incluem bebidas em festas, idas ao cinema
ou jogo de futebol como elementos favoráveis ao prazer. Trata-se de um
mecanismo cultural que identifica o álcool com o prazer e que deve ser
desmascarado, pois a maioria dos prazeres é usufruída de forma mais intensa sem
os efeitos retardadores de metabolismo característicos do álcool.” (FISHMAN, Ross. Tudo sobre Drogas, alcoolismo. 1ª.
ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1988, p. 48.)
Porém, nem todas as pessoas que frequentavam o
ambiente eram usuárias de álcool, pois o mesmo lugar servia como passeio para
casais junto com a família sendo, expressivamente movimentado durante os
festejos de São Sebastião e São Francisco quando, ao final das novenas, uma
“avalanche” de pessoas descia da Matriz para o parque de diversões e as
barracas que ficavam também no mesmo lugar, num terreno de terra batida,
caracterizado por um barro vermelho, mas que antes era aguado com o objetivo de
amenizar a poeira. Hoje o local foi revitalizado e em seu lugar foi construído
um praça (Praça Pedro Cesar Tavares, já citada) que é frequentada por muitos
idosos, principalmente no entardecer.
A churrascaria e bar do “Luiz XV”, apelido do
proprietário, que funcionou entre o final da década de 1970 até a primeira
metade dos anos de 1990, localizado no bairro do “Corte”, próxima à linha
férrea, também era um atrativo para aquelas pessoas que gostavam de uma
distração nos finais de semana. Se ia lá para dançar, beber.
Durante os sábados havia as famosas “tertúlias”.
Possuía um público fiel que quase sempre lotava. Era um ambiente com músicas
conforme a época, no princípio com um som simples, uma radiola, mas com a
evolução tecnológica passou-se a usar um som mecânico mais potente atraindo a
juventude da época que se conformava com este tipo de entretenimento já que a
cidade na época não oferecia muita diversão para a sociedade. Atualmente o
lugar onde existia o comércio, abriga uma comunidade evangélica.
Outro ambiente similar ao citado no parágrafo
anterior era Churrascaria e Bar do “Teixeira”, localizado no Bairro Pereiros.
Um bar bem frequentado especialmente em dias de jogos dos campeonatos
regionais, além do Campeonato Brasileiro e competições internacionais. Todos
assistiam aos jogos pela televisão ali estrategicamente colocada. Em algumas
ocasiões alguns torcedores mais exaltados ficavam trocando xingamentos em
protestos contra um impedimento duvidoso, um gol mal anulado, especialmente
quando se tratava de um clássico regional.
Recordo-me quando assisti ao jogo Botafogo 1 x 0
Flamengo (Final do Campeonato Carioca de 1989), quando Mazolinha cruzou da
esquerda para a direita e Maurício completou colocando para o “fundo da rede”
rubro negra. Porém, no replay, alguns torcedores protestaram quando afirmaram
que o atacante do Botafogo havia empurrado o zagueiro flamenguista Zé Carlos
II. Eram tantos os xingamentos movidos pela consumação alcoólica que resolvemos
deixar o recinto, pois os nervos estavam alterados.
“Eram coisas do futebol como ainda acontece nos
dias de hoje. Conforme Chalhoub, [...]. “a venda ou botequim é cenário para o
surgimento e desenrolar de rixas e conflitos pelos motivos, desde os problemas
ligados ao trabalho e habitação, passando pelas relações entre vizinhos, até as
contendas por motivos mais especificadamente ligados ao lazer, como os jogos, o
carnaval ou a bebida” (CHALHOUB, Sidney. Op. cit.,
p. 312.)
O auge deste bar ocorreu durante a década de 1980.
E o momento mais concorrido se dava nas vésperas de carnaval. Na chamada
sexta-feira magra era realizada uma espécie de pré-carnaval, onde recebia um
grande público. Era animada por bandas locais e que tocavam as tradicionais
marchinhas e frevos, além das músicas dos blocos locais, pessoas fantasiadas
era como uma espécie de baile de máscaras ou carnaval da saudade, pois os
ritmos baianos já estava despontando como o ritmo que iria modificaria o
carnaval.
Perdurou até o final da década de 1990, quando o
seu proprietário, o Sr. Teixeira (já falecido) resolveu arrendá-lo para outros
comerciantes do ramo, sobretudo com o mesmo sistema que o antigo proprietário
como bar e restaurante que no princípio consegui obter uma clientela, mas que
devido à ausência do Senhor Teixeira, a clientela foi se distanciando o que
ocasionou uma espécie de falência das pessoas que se interessavam em tocar o
negócio.
Até hoje, nenhum comerciante conseguiu se firmar,
não obtendo o mesmo sucesso do dono anterior. Mistérios?
Existiram também os bares periféricos como ainda
existem em qualquer cidade seja ela grande média ou pequena, bodegas ou
botequins, onde pessoas se aglomeravam para beber. Em algumas ocasiões, estes
indivíduos passavam o dia bebendo sem se preocupar com a vida ou o dia
seguinte. Até mesmo logo pela manhã por volta das 06h00, ainda esperando o dono
do estabelecimento abrir. Isto está bem vivo na minha memória, pois estudava
neste horário na Escola Delmiro Gouveia, no Bairro da Caixa d’Água, e
visualizava o cotidiano destas pessoas até pelas 11h00, quando voltava da
escola e depois das 16h00 quando ia para o único lazer que tínhamos na infância
e na adolescência: o futebol nos campos do C.S. U (Centro Social Urbano), atual
CVT. Para chegar lá, passávamos por muitos bares observando o cotidiano dessas
pessoas.
Um desses locais onde estas pessoas se encontravam
para satisfazer seus desejos ou vícios era o bar do Senhor Mozar, homem
tranquilo e de voz macia, bem cadenciada. Por incrível que pareça, não sabíamos
realmente quando ele estava falando ordeiramente ou irritado com os “bebuns”.
Nas “bodegas”, a única bebida alcoólica servida era a cachaça, devido ao seu
baixo custo sendo a preferida dessas pessoas. Atualmente reside na cidade de
Fortaleza e uma vez ou outra, visita a terra natal em janeiro durante a festa
da AFAI (Associação dos Amigos e Filhos do Ipu). Conforme Jandira Mansur,
“[...] aliado ao seu baixo preço, isto pode fazer do álcool uma droga
aparentemente mais atraente que outras substâncias (é claro que o conteúdo
energético fornecido pelas bebidas alcoólicas assume uma importância maior em
regiões em que a fome é constante)”. (MASUR, Jandira.
O que é alcoolismo. 2ª ed., São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 11.)
Confesso que tinha um pouco de medo ao passar pela
rua estreita que dava acesso ao bar, e o outro lado da rua, porque eram comuns
as desavenças entre os “biriteiros” e qualquer xingamento mais expressivo era
motivo para que esses indivíduos se digladiassem no “tabefe”, como falamos por
aqui, e quando realmente existia confronto de xingamentos, palavrões e brigas,
“pernas para que te quero”. Então é preciso compreender um pouco sobre a
pluralidade desses sujeitos, os lugares que frequentavam e os fatos ocorridos.
Ao ler o artigo de Eliana Sales fiz uma associação com o cotidiano desses
atores, bem como o ambiente. Isso aconteceu entre os anos de 1982 e 1985.
Depois, talvez cansado desses fatos corriqueiros, o
Senhor Mozar fechou o bar, creio para a tristeza dos consumidores de cachaça
que, após este período, compravam cachaça em algum outro lugar, usando como
abrigo a sombra a caixa d’água, imenso reservatório de água, de onde vem o nome
do bairro. Existia e ainda existe uma caixa d’água de 30 metros de altura.
Historicamente a embriaguez em proporções exageradas torna qualquer indivíduo
agressivo ou irritado, promiscuo, voltado para a prática da violência e a
perturbação pública como nos exemplifica Eliana:
“No primeiro (gole), a pessoa não se acha
totalmente embriagada, ela torna-se risonha, expansiva e alegre. (...) Já no
segundo, a pessoa torna-se agitada e agressiva, pronunciando palavras
desconexas, a exaltação cede lugar a depressão, a pessoa fica triste,
melancólica e apática, apresenta enfraquecimento dos sentidos, da atenção e da
percepção, movimentos e gestos desordenados, dissociação de ideias, memória
prejudicada, vontade paralisada, as paixões e os impulsos tornam-se mais
intensos, obscurecimento da inteligência, irritação, ausência de sensibilidade,
alucinações, etc. (...).” (SALES, Eliana. Op. cit.,
p.191.)
A grande maioria dessas pessoas que frequentava o
bar do Senhor Mozar já não se encontra entre nós, ou seja, muitos já morreram,
seja por consequência das constantes bebedeiras, ou de outras moléstias
contraídas pelos males causados pelo abuso excessivo do nefasto vício. No
cotidiano ainda me lembro de alguns deles que agora estão bem velhos e com a
saúde debilitada. Estes fatos não eram vinculados apenas ao gênero masculino,
mas também às mulheres. Não sei realmente qual o motivo de se entregaram ao
vício desenfreado, seus semblantes eram como trapos humanos, desamparados e
desenganados da vida. Devo também salientar que o vício não moderado das
bebidas alcóolicas não era privilégio de apenas uma classe, pois todos bebiam
ou bebem: ricos ou pobres, como informa Eliana Sales a respeito da cachaça,
onde os consumidores deste produto alcóolico sofrem algum tipo de discriminação
social.
“Cabe ressaltar, no entanto, que a cachaça mesmo
sendo apreciada por pessoas de diferentes segmentos sociais, geralmente, esteve
associada às camadas mais humildes da população, adquirindo também seu consumo
certo preconceito (bebida de pobre, negro, sendo inclusive, menos valorizada em
relação a outros tipos de bebidas). Conforme Alencastro esse aspecto está
correlacionado ao seu papel de mercadoria-escambo de escravos africanos e
também pela associação que se estabeleceu entre a cachaça brasileira e São
Benedito, o santo negro, esta “representação racial do santo Cabe ressaltar, no
entanto agregou ao uso de bebida que até o início do século XX foi considerado
no Brasil como uma bebida quase exclusivamente de negros”. (Idem, p.)
É plausível dizer que hoje a cachaça é uma bebida
apreciada em todas as classes sociais, etnias. Ela é destacada nas propagandas
desde a década de 1980, algo que vamos analisar no terceiro capítulo, e seu
consumo tem se tornado um hábito nos estabelecimentos comerciais frequentados
pela classe abastada. Segundo Eliana Sales, a bebida historicamente foi
produzida pela elite colonial dos grandes engenhos e passou a fazer parte dos
alimentos da classe humilde, usada até como uma espécie de moeda de troca, como
demonstra na citação anterior. As classes humildes adotaram-na também como
remédio e revitalizador das forças para labuta.
“O surgimento da teoria álcool-alimento,
desenvolvida nos anos de 1840, pelo químico alemão Liebig, comprova o quanto
ainda era muito presente o uso das bebidas alcoólicas nas praticas médicas.
Liebig acreditava nas propriedades energéticas do álcool considerando-o
alimento termogênico, cuja função era estimular o funcionamento do aparelho
digestivo. As próprias bebidas destiladas também entravam nas composições
alcoólicas pelos médicos como a Poção Todd, formulada pelo médico inglês
Bentley, por volta de 1880, que consistia numa mistura de água e aguardente
indicada para tratar depressão, fraqueza física, febres, inflamações, pneumonia,
escarlatina, erisipela, varíola, sarampo etc.” (Ibidem,
p. 179.)
Os chamados escândalos estavam estampados em todos
os ambientes sociais, desde a classe que vivia na periferia, quanto àquelas
mais abastadas. Os casos envolvendo pessoas da “camada superior” ocorriam com
frequência como no exemplo do ex-prefeito Francisco Rocha Aguiar, que segundo
relatos, quando estava munido de uma embriaguez violenta, urinava em qualquer
lugar, causando um sentimento de repulsa a, quem testemunhasse aquela cena embaraçosa.
Porém como se tratava de uma pessoa importante no círculo social, imediatamente
este caso era abafado.
Durante o trabalho, citarei alguns nomes de famosos
que ainda estão vivos na mente dos ipuenses, com características peculiares
que, de vez em quando, arrancava risos com suas chacrinhas, e claro,
incentivadas pelo o álcool, mas quando no dia seguinte, voltava ao seu “eu”
eram sérias, rabugentas e não gostavam de muita conversa. Qualquer comentário
do dia anterior era motivo para contrair uma rixa e o sujeito perdia a
oportunidade de ficar calado. Além do rancor estampado em suas faces, quando se
irritavam, mostravam ser violentas, até capazes de puxar facas para seus
supostos desafetos.
As famílias desses ébrios ficavam omissas a esta
situação, porém, não gostavam que outros tirassem sarro do comportamento destas
pessoas. Momentaneamente estes aspectos promovem rupturas familiares porque, na
verdade, os seus parentes os abandonam e os distanciam do seio familiar, uma
discriminação por parte até de seus entes queridos. Sendo assim, estas pessoas
ficavam entregues a própria sorte, moribundos, desvalidos, enfim.
O álcool degenera o ego de qualquer indivíduo, não
importando sua origem, raça, sexo, credo, pois qualquer deslize é um fato e não
tem nada pior do que a ressaca moral, especialmente quando estes indivíduos,
não sabendo controlar sua ebriedade, cometem absurdos que trarão prejuízos,
como o desprezo por parte das pessoas que ele supostamente atingiu. Falando em
situações, digamos embaraçosas e estúpidas, vejamos uma passagem bíblica do
livro do Gênesis.
“Noé que era agricultor plantou uma vinha. Tendo
bebido vinho embriagou-se, e apareceu nu no meio de sua tenda. Cam, o pai de
Canaã vendo a nudez de seu pai saiu e foi conta-lo aos seus irmãos. Mas Sem e
Jafet tomando uma capa, puseram-na sobre seus ombros e foram cobrir a nudez de
seu pai, pois tinham os seus rostos virados [...]” (Gênesis,
19: 33-34, p. 56.)
Noutra passagem bíblica podemos notar algo que fere
os valores morais daquele tempo, quando na fuga de Lot, sua mulher, que depois
foi transformada em sal devido à desobediência de não olhar para trás, ordenada
por Deus, e de suas filhas no momento da destruição de Sodoma, as filhas de Lot
resolveram embriagá-lo, para em seguida manter relações sexuais com o pai no
objetivo de engravidar para perpetuar a posteridade de Lot, pois não existia
nenhum homem varão nos arredores por causa da destruição da cidade, quando
todos pereceram. As filhas de Lot aproveitando-se do estado de embriaguez de
seu pai dormiram com ele.
“[...] Elas fizeram, pois, o seu pai beber vinho
naquela noite, então a mais velha entrou e dormiu com ele; porém, nada notou,
quando ela se aproximou dele, nem quando ela levantou. No dia seguinte disse
ela á sua irmã mais nova: “Dormi ontem com meu pai, façamo-lo beber vinho ainda
uma vez, esta noite, e dormirás com ele para nos assegurar uma posteridade
[...].” (Gênesis, 20: 24-26, p. 65.)
Percebemos nestas duas passagens bíblicas, o quanto
a embriaguez desenfreada ou em excesso pode levar um indivíduo ao inconsciente
e posteriormente, mesmo que involuntário no caso de Lot cometer atos que
promovam a vergonha e a leviandade, degenerando o caráter, contribuindo para a
degradação tanto do corpo, quanto do espírito. Pergunto-me! Com que espécie de
embriaguez as filhas de Lot estavam quando realizaram este ato? Será que elas
estavam igualmente, como seu pai, embriagadas pelo líquido do fruto da videira
ou por outra substância? Talvez isso possa ser uma incógnita até mesmo para aqueles
que estudam os textos bíblicos.
Voltando novamente a citar os estabelecimentos
comerciais, atualmente os bares estão mais sofisticados em termos de opções
para aqueles que degustam as bebidas alcóolicas, pois oferecem cardápios
variados, além de nos finais de semana, promoverem shows com música ao vivo.
Têm também um seleto grupo de frequentadores assíduos e afugentam aqueles que,
de vez em quando, perturbam sua clientela, pedindo cachaça. Preconceito social?
Penso que talvez seus proprietários queiram apenas conservar a clientela fiel,
além, é claro, de manter o lugar sadio e livre destes transtornos.
Não quero aqui demonstrar uma espécie de
preconceito ou segregação, mas como citei, de preservar o ambiente, pois
sabemos que a pessoa mais importante para o bar é o cliente. Acompanho
frequentemente esses casos, porque sou frequentador de um desses
estabelecimentos comerciais, aonde vou duas ou três vezes ao mês. Lá observo
situações diversas do comportamento desses atores sociais.
Posso até dizer que minhas andanças nestes lugares
serviram de laboratório para a minha pesquisa. Devo salientar que tais vexames,
escândalos e distúrbios mentais proporcionados pelo álcool nos bares não estão
apenas vinculados a uma classe, mas todas inseridas no meio social como já
relatei. Tenho certeza que, como uma doença, o alcoolismo não escolhe classe ou
posição social, já é algo arraigado dentro das sociedades e que durante séculos
evolui substancialmente. Nesse sentido, percebemos “‘pela ótica vigente’, que
as doenças causadas pelo alcoolismo estão relacionadas, em geral, à área de
saúde mental, porquanto esta é a praxe do sistema de saúde não só entre nós,
como também na grande maioria dos países desenvolvidos”. (LIMA, José Mauro de. Op. cit., p. 112.)
1.1. “CABARÉ”: PONTO DE ENCONTRO PARA
DIVERSÃO, PROSTITUIÇÃO E RIXAS.
Algo que recordo com lucidez é a antiga “Rua do
Curral”, local onde se localizava o chamado Cabaré de Ipu. Em 1975, nós
morávamos a uns 300 metros desse lugar e às vezes tínhamos que passar bem perto
dele, principalmente à noite quando retornava do passeio no centro ou durante
os festejos de São Sebastião e São Francisco. É claro que no ano citado, não
tinha a mínima condição de me lembrar de algo, colhi estes relatos dos meus
pais que ao longo dos anos contaram para nós onde morávamos e como era a vida naquele
tempo. As imagens daquela década estão bem vivas na minha memória, a partir de
1978, pois estava com cinco anos de idade e vem à lembrança alguns episódios,
em especial a Copa do Mundo da Argentina. Na ocasião não tínhamos televisão e
íamos assistir aos jogos na casa de um tio. Em seu trabalho de dissertação o
historiador ipuense, Vitorino Filho destaca o nascimento do prostibulo na rua
citada.
“O meretrício foi erguido próximo ao “curral do
açougue do matadouro”, onde eram abatidos os animais e ficava o matadouro e
açougue da cidade. Era composto por quatro currais em quadro. Se de manhã se ia
naquele local para fazer a compra da “ração diária”, ir ao “curral do açougue”
a noite tinha significado da prática do sexo. Para lá diariamente acorriam os viajante
e rapazes prontos para mostrar e gastar o seu vigor.” (FILHO,
Vitorino. Op. cit., p. 103.)
Confesso que até os meus 12 anos, tinha receio de
passar por aquela rua, pois em algumas ocasiões testemunhava a briga entre os
bêbados e as discussões das mulheres da vida, proferindo os mais cabeludos
palavrões dirigidos às colegas de profissão. Ficava aliviado ao me distanciar
daquele lugar. À noite era ainda pior, lembro-me bem do ano de 1980, no mês de
outubro, durante o novenário de São Francisco. Havia as bebedeiras, as
gargalhadas, as danças de homens que gostavam de frequentar aquele antro. Por
impulso, olhávamos para o espetáculo: as danças eram seguidas de alguns
“amassos” obscenos. Alguns só dançavam apalpando as nádegas da parceira, com um
cigarro na boca, esfumaçando-os, e subitamente virava o rosto. Algo que me
intrigava, lógico, na minha inocência, era ver algumas mulheres dançando com
outras. Realmente não entendia porque aquilo ocorria e ficava tímido ao
perguntar para os meus pais o porquê daquele estranho comportamento, mas acho
que até com certo temor de ser repreendido, resolvia ficar calado. Assim
Margareth Rago nos apresenta em seu trabalho “Prostituição e Códigos da
Sexualidade feminina em São Paulo” que.
“No bordel, buscava-se não apenas a transgressão
dos comportamentos moralmente sancionados, mas os excessos, as fugas, os
êxtases, os prazeres e as orgias. É na literatura que encontramos um caminho
para conhecer a dimensão fundamental da subjetividade, excluída de outras
fontes documentais. O mistério do cabaré, romance de Amando Caiuby, registra a
excitação geral do cabaré enfumaçado, onde a personagem Maria Alice procura
ingressar na prostituição. No Maxim’s, que efetivamente existira na Rua Xavier
Toledo, meretrizes excitadas cercavam homens embriagados, atiçando beijos e
abraços.” (RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição
e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890– 1930, 2ª ed., São Paulo:
Paz e Terra, 2008, p. 231.)
Nas cidades do interior é comum à maioria das
pessoas ter conhecimento da “vida alheia”. É algo corriqueiro às pequenas
sociedades. As fofocas, por exemplo, andam mais que o vento. São nessas
conversações que sem querer as pessoas escutam, fingindo não ouvir. Neste
período, início da década de 1980, havia um chafariz no Bairro da Caixa D’agua,
local este que abrigava o famoso prostíbulo.
Quando íamos buscar água num dia desses, escutei
algumas mulheres falando baixinho dizendo nesses termos. “Tu sabes da última?
Fulano está amancebado com uma rapariga, a mulher dele descobriu e foi a maior
briga ontem à noite”. Era algo comum dentro do âmbito familiar acontecer certos
conflitos como as brigas de casais por causa da suposta traição, pois muitas
vezes estes trabalhadores, pais de família, sentiam a necessidade de satisfazer
seus vícios, tratando-se do álcool e suas taras sexuais fora de casa. Conforme
Iramar Miranda, historiador ipuense.
“E o homem achava-se entre estes dois parâmetros da
sociedade. Sentia a necessidade de lançar suas taras pecaminosas, seus intuitos
sexuais devassos e neste sentido, a meretriz desempenhava este ofício e com
propriedade e a convivência no lar, com uma vida sexual nem sempre fugindo a
ordem do patriarcalismo, ou seja, a mulher esposa servindo apenas como companheira
e fonte de procriação, como bem determinava a passagem bíblica da criação.” (BARROS, Antônio Iramar Miranda. Op. cit.,p.
48)
Já fazia parte da rotina de alguns homens da cidade
de Ipu praticar algo desta natureza, buscar diversão no cabaré. Este comportamento
é próprio de quase todas as classes sociais em especial as abastadas, pois era
comum em alguma época jovem mancebo terem suas primeiras experiências sexuais
com uma “mulher da vida”.
O próprio pai patrocinava a iniciação dos prazeres
da carne, talvez até mesmo para testar a masculinidade do filho varão e
posteriormente a iniciação também no vício do álcool. Frequentemente os homens
buscavam o inebriante prazer no aconchego nos braços de uma profissional do
sexo, às vezes, sem se importar com seu porte físico, alta, magra, baixa ou gorda.
Consequentemente este indivíduo, de certa forma, já se tornava “amigável” da
concubina até mesmo de tê-la como uma espécie de segunda mulher. Este fato era
frequente durante a vida do prostíbulo e testemunhava pais de família no
interior dos bares bebendo, ouvindo músicas típicas do ambiente com um cigarro
na mão, afagando os cabelos das mulheres, beijando-as sem se importar com as
consequências futuras. Segundo Margareth Rago.
“A caftina administrava um pequeno negócio, na
verdade. Empregava meretrizes de nacionalidades e idades variadas, garçons,
arrumadeiras, músicos, porteiros, meninos de recados. Como já trabalhava como
prostituta conhecia bem os problemas que uma jovem poderia enfrentar:
confidente e conselheira, às vezes, realizava funções de ginecologista e
prestava os primeiros socorros. É claro que mantinha um alto grau de controle e
exploração sobre as “meninas”, como mostra satiricamente o autor, ou mesmo a
imprensa. Controlava os mínimos gestos das “alunas” do bordel, a quem
introduzia nos códigos da mundanidade: ensinava como agradar um freguês, como
se vestir atraentemente, como ter gestos e atitudes charmosos, e exigia que as
prostitutas incentivassem seus pares a consumir o máximo possível. No entanto
ela procurava “glamourizar” a profissão, especialmente nos bordeis de luxo:
organizava e enfeitava o espaço interno, a fim de criar todo um clima de
erotismo e fantasia, providenciava um bom estoque de bebidas, reciclava as
prostitutas cujos os serviços oferecia, contratava músicos de qualidade, que
completavam seus rendimentos também tocando nos bordeis.” (RAGO, Margareth. Op. cit., p. 204 -205.)
Muitos iam ao cabaré em busca de algo que não
encontrava em casa, pois sabemos na cultura social que a esposa era mais
recatada em certos hábitos ligados ao sexo. Institivamente o prostíbulo era o
lugar ideal para a prática sexual de cunho fora dos padrões de uma família
cristã. Mas o paternalismo prevalecia dentro da sociedade e a mulher tinha que
se sujeitar aos caprichos do marido.
O indivíduo para satisfazer o próprio ego ia até o
último centavo, gastando seu dinheiro de homem trabalhador, em nome da luxúria.
Isto era notório naquela época quando em certos momentos havia briga de casais,
onde a mulher reivindicava o “pão” e roupa ou até mesmo o dinheiro para as
compras da semana, cifras gastas na noite anterior com bebedeiras, mulheres até
mesmo nos famosos jogos de azar como o baralho, pois antes mesmo da diversão,
um joguinho para arriscar a sorte.
Em certos momentos para suas esposas não tomarem
conhecimentos sobre seu paradeiro, nos finais de semana, o indivíduo, após a
labuta, se dirigia para o cabaré, evitando qualquer tipo de desavença dentro do
lar. Como afirma Santos.
“O ser trabalhador-provedor vinculava-se à
paternidade. O pai, além de provedor da alimentação abrigo e amparo, deveria
ser também exemplo, o norte, a bússola. As denominações de bom pai, pai
honrado, pai provedor se encontrava sobrepostas às evidências do que seja o
masculino, reforçavam a imagem que socialmente se esperava de um homem.” (MATOS, Maria Izilda. Op. cit., p. 42.)
As casas que abrigavam os compartimentos ou quartos
para o deleite eram rústicas e paupérrimos, se comparados com os motéis de
hoje, bem sofisticados, mas para esta prática adúltera. Durante a época bastava
apenas uma cama e quatro paredes diferentes daqueles bordeis de luxo da belle
époque brasileira do entre séculos, ou até mesmo os becos escuros,
devido à iluminação precária da época, pois se tratava da periferia e também
por não possuir na época uma densidade demográfica mais expressiva como nos
dias atuais.
Naquele cabaré da cidade de Ipu se via de tudo
desde conflitos de clientes e certos cafetões ou cafetinas, que se consideravam
protetores dessas mulheres, a confusões geradas por ciúmes das mulheres-damas
que pouco se importavam de quem levaria a melhor, se preocupando apenas em
lucrar em troca do prazer e também dar lucro a casa na consumação das bebidas
alcoólicas, algo que ao longo dos anos iria produzir uma dependência química.
Mas existiam também conflitos gerados entre as mulheres como resultado da perda
de um cliente para uma colega de profissão, nada pessoal, apenas negócios! Não
sabemos mais detalhadamente sobre a origem de certas mulheres nesse ramo.
A grande maioria era composta de mulheres
vinculadas às classes mais humildes. Muitas vezes, por manterem relações
sexuais antes do casamento, eram expulsas de seus lares, procurando, assim,
abrigo nas casas noturnas, dando início ao ofício de prostituta: uma forma
também de ganhar dinheiro fácil, dada às dificuldades de emprego da época e a “macula
social”. Como afirma Margareth Rago.
“[...] enquanto mulheres de condição humilde,
filhas de proletários, operárias de fabricas, costureiras, lavadeiras, eram
perseguidas violentamente pelas autoridades públicas, muitas vezes, por estarem
complementando um salário miserável, a prostituição de luxo imperava soberana
com o apoio dos homens abastados. A este sistema o dr. Alberto Seabra atribuía
também a origem do rufião, “protetor da mulher contra a politica de costumes”.
Apontava os inconvenientes das casas de tolerância, onde os proprietários
obrigavam as prostitutas a aumentar constantemente a taxa de consumo de bebidas
alcoólicas com objetivo exclusivo de lucro, debilitando sua saúde.” (RAGO, Margareth. Op. cit., p. 152.
Concorrência que com certeza poderia levar a
ferimentos graves e até mesmo ao óbito, “viva o capitalismo”! Como esclarece
Gilberto Dimenstein, “[...] nas brigas entre prostitutas, é comum o emprego de
navalha, o gesto supremo da raiva - afinal, o rosto é o primeiro atrativo da prostituta.
É a tentativa de inviabilizar a fonte da beleza que significa naquele mundo,
sua fonte de renda” (DIMENSTEIN. Gilbert. A
Prostituição das Meninas Escravas no Brasil. 14ª. ed. São Paulo, Ática,
1992, p.42.)
Recordo-me das casas noturnas e das músicas que
tocavam lá. O som delas rasgava quase toda a madrugada. Quem morava a pouco
mais de 200 metros da “zona” ouvia as canções que dia após dia variavam: ia
daqueles cantadas por artistas da canção popular, até as internacionais.
Geralmente estas canções eram de pessoas bem
conhecidas no mundo artístico musical como de Altemar Dutra, Evaldo Braga,
Waldick Soriano, Reginaldo Rossi, Genival Santos, Diana, Nubia Lafayette, Bartô
Galerno, Odair José, o disco da Década Explosiva e até Júlio Iglesias. Por ouvir
frequentemente, já sabíamos a faixa musical seguinte do disco.
Maria Izilda Santos de Matos explora bem esta
temática de que as músicas eram indispensáveis para o ambiente, especialmente
aquelas que tinham como enredo o amor, a desilusão, solidão, entre outros
títulos, fazendo com que o ébrio se tornasse cada vez mais boêmio e apaixonado,
pois as tais canções provocavam nestas pessoas um sentimento profundo de gozo
pela noite. A autora cita dois compositores deste gênero musical, Vicente
Celestino e Lupicínio Rodrigues:
“Para a presente análise foram selecionadas as
canções de dois compositores: Vicente Celestino, que no período em foco fez
grande sucesso com a música O Ébrio, além de ter em seu repertório outras
músicas com a mesma temática: e Lupicínio Rodrigues, cuja ampla produção
focaliza a boemia, a figura do ébrio, seus espaços e suas relações.” (MATOS, Maria Izilda Santos de. Op. cit., p. 80-81.)
Na noite, uma garrafa, a luz negra e uma bela
acompanhante para o seu deleite e para satisfazer seus instintos carnais. O
homem não queria mais nada, apenas regozijar daquele estonteante e delirante
momento de prazer. Se me lembro bem, havia até casos de homens que se
apaixonarem pela meretriz, tornando-a sua esposa.
Há relatos de um caso onde um indivíduo desses,
frequentador do prostíbulo, se apaixonou por uma dessas mulheres e foi viver
com ela longe da nossa cidade, não sei se por receio do que as pessoas iriam
pensar a respeito desta suposta união, dado o conservadorismo da sociedade.
Qualquer coisa do gênero era motivo de repulsa,
especialmente das senhoras especialmente aquela católicas mais fervorosas. Este
caso é similar àquela música do cantor e compositor Odair José: “Eu vou tirar
você deste lugar, eu vou levar você pra ficar comigo e não me interessa, o que
os outros vão pensar”. (EU VOU TIRAR VOCÊ DESTE
LUGAR. Odair José. Gravadora Philips, 1973.)
Atualmente quando ouço alguma canção daquele tempo,
sempre me vem a memória do bairro, das pessoas e é claro dos atores sociais que
integravam o prostíbulo da cidade de Ipu. Às vezes pela alta madrugada, quando
estes indivíduos voltavam para os seus lares, acordavam toda vizinhança
cantando desafinados: “Se quiser fumar eu fumo, se quiser beber eu bebo, não
interessa a ninguém” [...] (LAMA, Núbia Lafayette.
Gravadora CBS, 1974.) ou soltando um turbilhão de palavrões, o que
ocorria com frequência por volta de 1979 a 1987, quando findou-se em definitivo
o “antro da perdição”, como as pessoas da época mencionava o lugar.
As duas casas noturnas mais famosas da época, bem
frequentadas, eram o bar do “Chico do Grude” e o bar da Dona “Sergina”, bem no
coração do cabaré, um de frente para o outro. Entre eles, bem no meio da rua,
existia uma velha Timbaúba. Esta se manteve de pé até a década de 2000, quando
veio ao chão.
Ouvíamos a barulheira que ecoava do interior do
bar. Não eram raras as famosas rixas, bem como as marcas deixadas pelas cenas
de violência da noite anterior, como as manchas de sangue estampadas na
calçada, como resultado das brigas.
Durante a madrugada, se escutava passos apressados
de alguém, como se estivesse em fuga, talvez fugindo de alguma briga ou algo
pior. Muitos iam até suas casas apenas para pegar algum tipo de arma, como era
de costumes, para se vigar de seu desafeto ou de alguma agressão física.
O repórter Gilberto Dimenstein explora no seu
trabalho “Meninas da Noite” relatos sobre a prostituição brasileira,
especialmente nas Regiões do Meio Norte e a Região Amazônica. “[...] Lá fora, o
barulho de carros, gritos de mulheres. Cenário típico das zonas de meretrício:
meninas de saia mínimas e provocantes. Bêbados na calçada, mulheres sentadas no
meio fio. Palavrões, brigas, sedução forçada e artificial. Barganhas sobre o
valor do corpo” (DIMENSTEIN, Gilberto. Op. cit., p.18).
A partir desses pressupostos gerava-se outro conflito e então nasciam às
famosas brigas entre famílias, onde alguns parentes tomavam as dores dos
agredidos, podendo haver alguma espécie de “te pego depois”. Por isso, quando
estes indivíduos saiam de seus lares para se divertirem, portavam uma faca. Se
acaso encontrassem algum desafeto, pois estes indivíduos de certa forma temiam
pela vida, podiam fazer o uso da arma branca como proteção.
Essas rixas eram generalizadas por contendas ainda
não resolvidas, pois durante a época eram comuns os atritos por motivos banais
ou conflitos familiares, até mesmo pela suposta disputa por uma mulher de
cabaré. Geralmente as armas usadas pelos desafetos eram fragmentos de garrafas
ou algum tipo de arma branca (facas, peixeiras e até facões), como já foi
relatado. Poucos usavam armas de fogo na época por causa do acesso a tais
instrumentos bélicos, diferentemente dos dias atuais, onde é fácil sua
aquisição. Posso acrescentar que a violência não era apenas privilégio do
gênero masculino. As profissionais do sexo também eram vítimas de seus
parceiros e comumente apanhavam, não sei por qual razão, pois não era um lugar
para diversão? O que levaria um indivíduo às praticas violentas se na verdade
procuravam o “amor” neste ambiente de deleite e luxuria? Recorro às palavras de
Margareth Rago que diz: “[...], portanto, a prostituta aparece como vítima das
garras do macho corrupto e insaciável [...]” (RAGO,
Margareth. Op. cit., p. 236.)
Creio que o motivo para a tal violência contra
estas mulheres era nada mais do que uma embriaguez em “alto grau”. O agressor,
munido de alguma raiva, descontava este sentimento na sua parceira. Como era de
se esperar a mulher se dirigia a delegacia mais próxima e relatava a agressão
comumente expondo sua vida desregrada em público e, lógico, perdendo a
reputação. A polícia era acionada para prender o autor da agressão, mas devo
dizer que estes casos envolvendo a amante era, na maioria das vezes,
negligenciada pelas autoridades por tratar-se de uma mulher da vida, cabendo ao
agressor escutar apenas o sermão do Senhor delegado e nada mais. Nos autos nada
mais consta.
Foi o que colhi, pois não encontrei na delegacia ou
no fórum, prisões envolvendo violência por influencia do álcool, apenas aquelas
em função da embriaguez ao volante, que iremos destacar no terceiro capítulo,
algo que mesmo com as campanhas de conscientização os acidentes continuam como
um grave problema no Brasil.
Quando se tratava de alguém importante na escala
social, o problema era abafado, pois apesar desses homens frequentarem o cabaré
tinha certo respaldo com a polícia local. As mulheres, neste caso, ficaram
desamparadas pela lei. O que lhes restavam eram as sequelas da agressão e os
hematomas visíveis nos seus corpos, como o olho roxo, dentes quebrados e marcas
nas outras partes do corpo, coxas, membros e nádegas.
Nessas minhas andanças da escola para casa ouvi uma
delas se queixando à outra colega a respeito do seu parceiro, falando nestes
termos: “Da próxima vez vou colocar uma faca debaixo da cama” seria um “olho
por olho e dente por dente”? É o prazer pode ser perigoso nessas ocasiões e não
seria nenhuma novidade se acontecesse algo desta natureza a esses indivíduos
como um suposto esfaqueamento ou até mesmo uma castração.
Esta fúria seria talvez por uma impotência sexual
causada pela embriaguez como afirma Pedro Cardoso filho, que o álcool em
dosagens exageradas pode reduzir sua virilidade quanto à função sexual. “[...]
Apresenta-se seriamente comprometida pela ação prolongada do álcool,
desenvolvendo no alcoólatra uma redução de esperma, devido a sua ação nos
testículos, ao diminuir a produção de testosterona, o que provoca impotência no
homem”. (FILHO, Pedro Cardoso. Op. cit., p.
67.)
Nesse contexto, podemos identificar o alcoolismo
como o incentivador e culpado para tais conflitos e, claro, a masculinidade de
alguns contendores, pois esta droga modifica a índole do indivíduo e pode
torná-lo um sujeito dócil, amável ou extremamente violento capaz de cometer
delitos como agressões e assassinatos, na sua maioria por razões inexplicáveis
caso que irei relatar durante este trabalho. Não tenho lembrança de delito como
assassinato cometido durante a época em que o prostíbulo ainda estava na ativa,
mas a violência no caso de alguém sair ferido era rotineiro.
Ouvi rumores de que alguns desafetos amarravam as
suas camisas e iniciavam uma espécie de desafio, como explica Chalhoub a
respeito desses conflitos que rondavam o cotidiano das pessoas que frequentavam
certos ambientes da belle époque do Rio de Janeiro. Estes tais desafios
na cidade de Ipu eram estanhos como citado. No desafio um tentava atingir o
outro com um golpe de faca. Quando supostamente isto acontecia de imediato o
vencedor cortava a sua camisa e fugia da cena, livrando-se do flagrante. Estes
fatos aconteciam principalmente nos finais de semana e como citei geralmente
quando ocorria algo desta natureza a cidade já havia tomado conhecimento do
fato.
“O desafio significava que as tensões chegaram a um
tal ponto que só podem ser resolvidas com a derrota flagrante de um dos
rixosos. Todo o período de escalada de tensões é mais ou menos marcado pela
valorização da linguagem e dos preconceitos machistas, mas, no momento do
desafio - o momento da troca de palavras e insultos que precede imediatamente o
desfecho -, os conceitos machistas de coragem pessoal e destemor contaminam
interinamente o ambiente.” (CHALHOUB, Sidney. Op.
cit., p. 323.)
São fatos rotineiros de violência na cidade de Ipu
no final da década de 1970 e do início da de 1980 em relação à embriaguez.
Costumadamente estas contendas envolviam não apenas homens casados, mas também
os solteiros. Normalmente eram rixas que também atingiam seus familiares e
amigos. Porém, não era um conflito duradouro porque normalmente estas pessoas
deixavam a cidade migrando para outras regiões do país, em especial para a
região Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo).
Particularmente entendo que estes transtornos
históricos a respeito da embriaguez são algo que está arraigado em todas as
sociedades e na cidade do Ipu não poderia ser diferente, pois são fatores que
fazem parte do social, como frequentar os prostíbulos e ter uma vida munida de
luxurias mesmo que tal artifício possa degenerar seu caráter de não possuir uma
vida regrada e contribuir para a fragmentação da sua conduta e moral. Nesse
caso, não há limitações para o vício, seja ele o alcoolismo ou a prostituição,
causadores de infortúnios para a miserável vida de seus praticantes.
Em certas ocasiões, o individuo tratava a “filial”,
tão bem quanto a “matriz”, tudo em nome do prazer e da luxúria, como nos
informa Maria Izilda Santos de Matos: “O vício levou a descer todos os degraus
da escala social, reforçando a imagem de que o alcoolismo leva ao declínio, à
miséria, à perda de referências; perdeu o nome, à família e foi desprezado por
esta, já que o alcoolismo envergonha a todos; é a perda da identidade, da moral
e até da masculinidade[...]”. (MATOS, Maria Izilda
Santos de. Op. cit., p. 66.)
No final da primeira metade da década de 1980 foi
marcante em relação àquele lugar até me acostumei em trafegar por ali porque à
medida que os anos iam passando, o fluxo de frequentadores já não era tão
expressivos como na segunda metade da década de 1970 ao início dos anos de
1980, onde alguns pequenos bares, casas, que existiam próximos aos dois mais
famosos (Dona Sergina e Chico do Grude).
Durante os anos vindouros, aos poucos iam se
transformando em residências pelas próprias prostitutas, que por causa, talvez
do cansaço de inúmeras noites em claro ou chegando a uma idade perto dos 50
anos, se aposentavam da profissão mais antiga do mundo, deixando saudosas
lembranças daqueles frequentadores assíduos do Cabaré da Rua do Curral, que
recebeu este nome devido ali existir o antigo matadouro de Ipu, como citou
Vitorino Filho. Coincidentemente era mais frequentado pelos marchantes.
Ao término do ano de 1987, a Prefeitura Municipal
de Ipu, resolve desapropriar algumas casas onde funcionavam os bares do antigo
cabaré, seria uma espécie de higienização do local? Este episódio aconteceu na
administração do ex-prefeito Francisco Eufrásio Mororó (1983-1988), que decidiu
pela desapropriação para a construção de um ginásio poliesportivo.
E imitando o samba “Saudosa Maloca” (SAUDOSA MALOCA. Demônios da Garoa, ODEON (1957). de
Adoniram Barbosa e interpretado pelo conjunto mais antigo do mundo, Os Demônios
da Garoa, nós “íamos apreciar a demolição”.
Um fato curioso que me chamou atenção foi quando
uma dessas máquinas pesadas de nome caterpillar se dirigia a uma residência
para executar o trabalho quando súbito um rapaz de apelido “Zé Gabiru”,
inclusive um primo de 3º grau salta em frente à máquina com uma foice na mão
cujo objetivo era conter o avanço da máquina e aos gritos dizendo que não ia
deixar o “monstro de aço” destruir a sua casa.
Foi preciso chamar a polícia para resolver a
contenda, tornando inválido seu ato heroico, realmente um caso daqueles em que
o indivíduo contido por uma fúria incontrolável tenta salvar o único bem que
possuía ou o seu abrigo e o da família.
Uma vez ou outra quando passava por aquele lugar
parava um pouco para visualizar as ruínas das antigas casas. Por volta de fevereiro
de 1988, a Empresa Jota Dois iniciou a construção do ginásio, dando um novo
cenário ao Bairro da Caixa D’água.
Voltando aos bares citados do cabaré, nesse mesmo
período funcionava apenas como pequenos estabelecimentos comerciais para vender
algum tipo de bebida, (refrigerantes, cervejas e cachaça) abolindo de vez a
prostituição.
Atualmente o espaço é constituído pelo ginásio
poliesportivo, a antiga residência do Senhor Chico do Grude (falecido), algumas
famílias de classe média da cidade de Ipu, modificando o nome da tradicional
Rua do Curral para Rua Padre Mororó. Conforme Guido Fonseca: “Talvez por esse
motivo seja que, após a extinção da zona, essa rua envergonhada, tratou logo de
mudar de nome”. (FONSECA, Guido. A prostituição em
São Paulo, 1ª ed. Universitária, São Paulo, 1982, p. 32.) E por
incrível que pareça o que foi conservado foi o antigo bar da Dona Sergina
(ainda viva), embora não funcione, mas conserva ainda a sua estrutura física,
cercada por muros, onde esta senhora vive numa espécie de ostracismo, sendo
raras as suas aparições.
Local onde funcionava o Bar do Senhor Chico do
grude e atualmente funciona uma pequena metalúrgica tendo como proprietário,
Francisco De Assis “novinho”, um neto que também herdou este ofício do próprio.
As noites dentro do seu estabelecimento eram
festivas, com muita música e a clientela em busca de diversão, consumação de
álcool e o sexo. Concorria com o outro bar (Chico do Grude). Mas num sentido,
tratava-se de uma concorrência sadia, pois não havia rancor entre os
proprietários e a diversão, como de costume, especialmente nos finais de
semana, ia toda madrugada, já próximo ao alvorecer, pois ouvíamos as músicas
madrugada adentro. Às vezes, além das músicas tocadas nas chamadas radiolas,
havia shows ao vivo. Contratam-se sanfoneiros que realizam sambas, pois as
pessoas até o final da década de 1970 não chamavam estes eventos de forrós ou
festas, mas de samba, acho que devido a uma tradição sulista que algumas
pessoas interiorizavam quando iam para os grandes centros ou até mesmo em
contato com pessoas que migravam do sul para o nordeste.
CAPITULO II
PERSONAGENS DE IPU E SUAS EMBRIAGUEZES
No princípio da pesquisa, abordamos a história do
surgimento do álcool e as civilizações que iniciaram esta prática, isso porque
consideramos importante para escrever sobre a história da embriaguez na cidade
de Ipu, pesquisar os primórdios dessa prática. Ver, no início, como se deu a
introdução de bebidas alcoólicas na humanidade, para só, então, investigar a
embriaguez na cidade de Ipu, os bares, o cabaré e comportamentos das pessoas
que frequentavam esses ambientes.
Neste capítulo reservamos para relatar casos
envolvendo pessoas que se relacionavam com a embriaguez exagerada, critérios
que os rotulava, seus perfis e os espaços que frequentavam. As configurações
são inexistentes, pois estes atores sociais eram marcados pelo individualismo,
sempre bebendo solitários como se houvesse apenas este hábito na vida. Como é
típico de toda cidade interiorana, existirem pessoas desprovidas de qualquer
ocupação a não ser viver na ociosidade sem se preocupar com o amanhã, o que vai
comer e vestir, sempre vivendo à margem da sociedade. Porém, devo ressaltar que
tais indivíduos outrora exerceram algum ofício, mas que em detrimento do abuso
excessivo do álcool, caíram no vício. Seres desprezados pela sociedade e que
levam uma vida desregrada, totalmente fora dos padrões da conduta e das normas
estabelecidas no meio em que vive.
Na cidade do Ipu não poderia ser diferente, pois a
cada década surgem personagens e tipos que são marcas registradas em situações
embaraçosas e que são às vezes engraçadas, embora não ache graça nenhuma alguém
entrar de cabeça num vício e minimizar a sua existência, segundo Silveira: “O
uso do álcool traz consigo inúmeros problemas. Um deles, o mais conhecido, é o
alcoolismo, que se relaciona com um consumo crônico de álcool”. (SILVEIRA, Ajax. C. Op. cit., p. 16.)
Durante uns 32 anos, testemunhei casos envolvendo
pessoas que abusaram desta substância psicoativa e ao mesmo tempo prazerosa.
Entes que perdiam a linha por causa dos seus excessos e aos poucos iam se
tornando marginalizados, excluídos, segregados e vivendo numa espécie de
submundo, sem nenhuma perspectiva de vida, porque já se tornara um alcóolatra em
potencial.
Na cidade de Ipu criou-se então um círculo vicioso
de várias pessoas aderirem ao alcoolismo, mesmo aquelas que com seus empregos
formais tenderam a enveredar por esta trilha, a consumação alcoólica sem
moderação.
Pessoas que no estado sóbrio eram sérias,
trabalhadoras, porém, ao se envolverem com o álcool, se tornavam alegres,
simpáticas. Outras antipáticas, violentas e sem nenhum pudor degenerando sua
própria imagem perante a sociedade, seria uma espécie de “médico e o monstro”?
Muitas vezes devido ao seu corpo não se aguentar mais em pé, dormiam no meio da
rua e como de costume às vezes as esposas e os filhos tentavam inutilmente
acordá-lo do seu sono alcóolico. Um dos lugares preferidos para as quedas era,
sem sombra de dúvida, a entrada do mercado público, no bar ou nos boxes.
A história da embriaguez na cidade de Ipu, no meu
pensar, não é diferente de outras cidades do interior, como citei no início
deste subitem, pois a conjuntura entre 1978 e 2014 apresenta fatos repetidos
dentro da sociedade ipuense, ligadas ao consumo excessivo de álcool, permeando
entre os diversos aspectos. Por isso, o alcoolismo ou a embriaguez traz em seu
bojo uma experiência negativa, embora se encontre prazer na degustação. Aquele
que faz uso da bebida não se policia em apenas degustar, mas acaba por ir até a
última gota do litro ou da garrafa. Durante a embriaguez a consciência se
esvaia permanecendo em seu lugar uma espécie de demência, levando o usuário a
fazer coisas impensáveis, como, em algumas ocasiões, fazer as necessidades
fisiológicas em lugar público exibindo suas genitálias, causando repulsa a quem
testemunhava a cena. Maria Izilda Santos de Matos expõe os diversos aspectos
negativos que uma embriaguez exagerada produz no indivíduo que não mantém um controle
do vício: “O rebaixamento moral maior viria na fase seguinte. Fora de si, o
ébrio caia no torpor e sono, era o momento em que “o desgraçado” não distinguia
mais o público do privado, fazendo da calçada, da rua, do cabaré, do botequim,
do banco da praça pública, o lugar do seu sono”. (MATOS,
Maria Izilda Santos de. Op. cit., p. 60.)
Tradicionalmente na cidade de Ipu os dias em que se
aglomeram estes tipos sociais se dão entre a sexta-feira e o sábado, dias de
grande feira na cidade, no entorno do mercado público. Nos botequins próximos
ao centro, mesmo cedo, por volta das 09h00, alguns já se encontram em estado de
embriaguez e não é difícil notar os consumidores de cachaça, principalmente
aqueles que têm o ofício de carreteiro ou carregador. Seus semblantes são
horrendos: olhos vermelhos, cabelos despenteados, cara inchada devido ao
constante uso da cachaça, e, como todo alcóolatra, a pele ressecada, parecendo
a de um camaleão. Geralmente adoecem ou suas forças são dizimadas pelo o
álcool, conforme afirma o psicólogo Ross Fishman.
“À curto prazo, o corpo é capaz apenas de se
ajustar aos efeitos do álcool. Depois certo tempo, contudo o organismo torna-se
incapaz de manter seu equilíbrio. É nessa etapa que os efeitos do álcool se
manifestam de forma mais intensa. Muitas partes do seu corpo tornam-se
inflamadas ou intumescidas. (...) São efeitos comuns do alcoolismo,
esterilidade, impotência, cirrose (deteriorização das células do fígado causada
por sobrecarga e excesso de toxinas).” (FISHMAN,
Ross. Op. cit., p.43.)
As pessoas citadas a seguir são atores sociais que
marcaram a história da embriaguez na cidade de Ipu, cada um com uma
característica peculiar. Procuramos fazer uma pequena biografia destas pessoas,
destacando seu modo de ser, como o comportamento, especialmente no estado
ébrio, como também o seu estado sóbrio, pois era natural que agissem de forma
diferente em resultado de seus estados ébrios. Buscamos mostrar os ambientes
que frequentavam, as suas peripécias, que provocavam riso ou repulsa de quem
testemunhava a situação embaraçosa em que se envolviam. Quero dizer que não
faço um juízo de valor desses personagens, como a população, muitas vezes de
forma preconceituosa, costuma fazer. O único mal que essas pessoas
proporcionavam era contra si próprios.
DESCON (O CHEIROSO)
Descon, ou Dez Contos era o apelido de um homem
que, quando se embriagava, era uma graça. Em seu estado psicoativo saía
gritando, “cheiroso!” Não sei qual o motivo deste seu jargão, mas as crianças
se divertiam com esta mania de gritar. Era um grito semi-soprano, que quem
estivesse próximo, se aborrecia com a sua voz. Em outras ocasiões proferia
alguns palavrões, incomodando quem os ouvia, típico dos bêbados em alto estado
de embriaguez. Algumas pessoas associavam este seu comportamento a uma espécie
de demência.
Outra mania típica desta pessoa era colocar um dos
pés no pescoço. Algumas pessoas diziam que ele era demente devido a este seu
comportamento esdrúxulo quando estava de porre. Incomodava principalmente as
senhoras, que tinham um repúdio àqueles que pejorativamente atribuíam o nome de
cachaceiro. Ele tinha o corpo saliente, por isso praticava esta espécie de
contorcionismo (o pé no pescoço). Rara era as vezes se podia vê-lo sóbrio.
Andava sempre com uma garrafinha para “se abastecer”, quando bebia o último
gole. Na época ele já devia ter uns 45 anos e, para minha surpresa, ainda se
encontra entre nós. De alcóolatra tornou-se regenerado, largando o vicio há
mais de 20 anos. O álcool afeta de maneira avassaladora o sistema nervoso. Segundo
Eliana Sales:
“Com relação ao consumo de bebidas alcoólicas os
seus trabalhos detalhavam os efeitos do álcool no sistema nervoso, demonstrando
que o uso da substância provoca anomalias cerebrais e outras séries de
manifestações mórbidas profundamente perturbadoras do estado mental do
indivíduo alcoolizado, paralisando seus centros de juízos e da reflexão,
privando-o da consciência e da liberdade dos seus próprios atos, agindo de
forma impulsiva por ideias que o álcool despertava e/ou elaborava. A alcoolização
era assim, aproximava a loucura, na medida em que ambas distinguia-se pela
ausência de consciência de seus atos praticados.” (SALES,
Eliana. Op. cit., p. 182.)
Hoje goza de uns 75 anos, porém, foi atingido por
uma catarata e perdeu uma expressiva porcentagem da sua visão. É raro vermos no
convívio social, pois a abstenção foi o suficiente para prorrogar a sua vida.
Neste período a maioria da bebida destilada consumida pelos consumidores era a
cachaça artesanal, produzida nos alambiques da região serrana do Ipu. Por isso
era chamada de “cachaça serrana” ou a “pôde” devido ao cheiro forte desta
cachaça. Pouco se ouvia falar de aguardentes industriais como a Ypióca,
Pirassununga, estas só surgiram a partir de 1984, quando estes produtos da
indústria alcóolica iniciaram a sua comercialização na cidade do Ipu.
ZÉ CAFÉ (O VENDEDOR DE ÁGUA)
O “Zé Café”, que não dispensava uma boa tragada da
branquinha, era outro personagem que criou fama por causa das embriaguezes
constantes. Era um Homem de uns 1,80m, com as feições de um índio, pardo e com
cabelos até os ombros. Costumava colocar água para a minha avó e outras
pessoas. Vivia deste ofício. Era um frequentador assíduo do bar do Sr. Mozar,
pois quando não estava vendendo água, lá estava ele degustando uma cachaça. Não
sei como aguentava beber quase todo o dia. O Senhor “Zé Café” teve um desfecho
trágico, isso por volta do mês de dezembro de 1986, pois numa dessas suas
embriaguezes, num final de tarde, resolveu tirar uma sesta embaixo de um
caminhão. Pouco depois o motorista deu a partida no veículo e um dos pneus
atingiu a sua cabeça, levando-o a óbito. Realmente um fim terrível e um dia
estranho para a cidade, pois não estava acostumado com este tipo de tragédia.
ROBERTO CARLOS (O “CANTOR”)
O “Roberto Carlos” é outro personagem típico das
histórias sobre embriaguez na cidade do Ipu. Não tinha ocupação formal ou
informal. Não sei onde arranjava dinheiro para beber, suspeito que ganhava
algum dinheiro pelos favores que realizava para os comerciantes em troca de
algumas moedas ou mesmo de um copo de cachaça. Deram-lhe este apelido porque
quando já estava “alto”, gostava de cantar as músicas românticas de Roberto
Carlos. Algumas pessoas paravam para escutar e até fazer pedidos, acho que
alguns levavam na gozação. Porém, quando ele estava na sua sobriedade era uma
pessoa fechada e homem de poucas palavras. Geralmente não gostavam que lhe
perturbasse com alguma espécie de brincadeira a respeito de seus “delírios”,
por incentivo do álcool. Algo que poderia acarretar num possível conflito,
então era melhor que o deixasse em paz do que molestá-lo.
Não o vejo mais com frequência. Segundo rumores
parece que largou o vício e se regenerou. Conforme o professor Melo, “O Roberto
Carlos mais conhecido também por “chorão”, ao se embriagar, como faz
diariamente, canta com a mão no ouvido as mais lindas canções do “rei” Roberto
Carlos”. (MARTINS.Francisco De Assis, Meu Pé de
Serra, O Ipu.Poesias, Crônicas e Outros:1ª Ed, Fortaleza, 2008, p. 118.)
Realmente algo que perturba o sistema nervoso de
quem não usa o álcool moderadamente, por isso, os problemas psíquicos são reais
como nos informa José Mauro Braz de Lima.
A questão que suscita a preocupação de todos reside
no abuso e posteriormente na dependência, que vem a surgir em uma pequena,
porém significativa parte dos indivíduos. Nesse aspecto, o excesso do etanol no
sangue, acima da quantidade que o organismo de cada pessoa possa metabolizar,
provocara perturbações que levam a depressão celular ou redução de atividade metabólica
primaria da célula (metabolismo oxidativo); suas ações sobre os neurônios do
cérebro se faz marcante em decorrência do que poderíamos chamar de maior
vulnerabilidade celular. Com relação a este aspecto, no próprio cérebro
identificam-se diversas populações neuronais com “graus de vulnerabilidade”. (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p. 39 - 40.)
GALINHA (O MENSAGEIRO)
O “Galinha” (Durval) era outro destes tipos que não
tinham uma ocupação e vivia de fazer favores aos proprietários do Balneário da
Bica do Ipu. Dizem que subia o caminho que levava a balneário da Bica do Ipu,
ponto turístico da cidade, correndo, o que parece ser exagero, pois são quase
dois quilômetros de íngreme ladeira.
Um fato me faz recordar do “Vavá”, outro apelido,
por causa do seu nome de batismo, Durval. O primeiro foi quando um cidadão aqui
de Ipu pediu-lhe no final de tarde para trocar R$ 50,00, mas o “Galinha”,
jamais apareceu com o dinheiro. Logo mais a noite como de costume íamos para o
calçadão do Pavilhão Bar quando o noto bebendo cerveja achei estranho, pois
além da cerveja cheia ainda havia três garrafas vazias e uma travessa, creio de
frango à passarinha.
O estranho foi que sempre o via empulhando uma dose
de cachaça. A cerveja estava além de suas condições financeiras, pois não tinha
nenhuma ocupação que lhe permitisse gozar de um salário semanal. De repente a
tranquilidade é quebrada quando o suposto dono do dinheiro apareceu, um desses
músicos que “toca na noite” (seresteiro), o agarra pela camiseta e começa a
socá-lo. Mas logo a confusão se cessou, quando as pessoas o afastaram do local.
Então compreendi o porquê daquela mordomia, regada à cerveja e tira gosto. O
“Galinha”, como os outros que consumiam o álcool em demasia, não era uma má
pessoa, apenas exagerava um pouco quando em seu estado ébrio.
Em 2008, foi encontrado morto em circunstâncias
estranhas. Não sabemos se por consequência do alcoolismo ou se em consequências
naturais. O assassinato é descartado, pois não foi encontrada nenhuma marca de
violência no seu corpo.
“PEIXE” (O CAMBISTA)
O “Peixe” foi outro personagem que muito cedo, ou
seja, desde a sua adolescência, consumia álcool. Desde então sua sina era viver
no mercado sempre bebendo, tinha a profissão de gari, mas o via mais embriagado
do que realizando seu oficio. Em seu estado sóbrio gostava de fazer rifas de
algum produto como dez quilos de arroz ou de açúcar. Segundo relatos tinha o
hábito de enganar as pessoas quando as mesmas eram contempladas.
Em 2013 foi preso por furtar um telefone celular de
uma senhora na feira, passando alguns dias no cárcere. Dependeu de pessoas
vinculadas ao poder público para a sua libertação. Sendo libertado, dando
continuidade ao que sabia fazer com frequência, continuou embriagando-se e
fazendo seu tour pelo centro da cidade. Mas neste mesmo ano, após uma
discussão com um homem durante uma tarde do domingo de carnaval, 2/3/2014, foi
atingindo com perfurações a faca, sendo levado as pressas para o hospital da
cidade e em seguida conduzido a cidade de Sobral, aonde veio a falecer por
causa da gravidade dos ferimentos, na terça feira dia 4/3/2014.
O destino dessas pessoas que se envolvem com o
vício desta droga legal se torna realmente desastroso, acarretando tanto em
prejuízos degenerativos, tratando-se de doenças, quanto econômicos e morais.
Portanto, assimilo estes efeitos negativos da consumação excessiva do álcool
com outras drogas, pois desconhecem suas limitações e geralmente tornam-se
violentos, corajosos, donos da razão e se julgam capazes de qualquer proeza.
Basta verificarmos nas brigas ou rixas, nos acidentes como afogamentos nos
rios, lagos e mar ou mesmo de jovens que se apossam de veículos automotivos. As
consequências são os inúmeros acidentes que quando não deixam sequelas como
amputações, escoriações e traumas graves, lavam a óbitos sumários. É o que nos
apresenta Jandira Mansur.
A retirada do caráter de voluntariedade da ingestão
de bebidas alcoólicas abole ao menos oficialmente o julgamento moralista em
relação aos alcoólatras, onde a responsabilidade da ingestão exagerada de
bebidas alcoólicas é atribuída à degradação moral ou à fraqueza de caráter. Ao
alcoólatra não deve ser mais atribuída uma falha moral, mas, antes, ele deve
ser considerado como vitima de uma doença, o alcoolismo, cujo sinal característico
é a perda do controle. (MANSUR, Jandira. Op. cit.,
p.31.)
DITÔCA (O ATLETA)
Um caso de extrema violência que repercutiu num
destes bairros periféricos da cidade de Ipu aconteceu no bar do Sr. Adércio,
localizado no Bairro da Grota. Lembro que o ano foi 1986, quando um desses personagens
que viviam quase que todos os dias embriagados, o “Ditôca”. Recordo-me do seu
verdadeiro nome que era Malaquias, pois ouvia seus familiares chamá-lo desta
forma. Homem magro, alto e com olhos vermelhos devido as constantes
embriaguezes, mas de natureza pacata. O seu único deslize, que guardo na
memória, creio foi quando este tentou furtar a carteira de cigarros de um homem
chamado “Chico Eletricista”.
Este último não satisfeito com o suposto “roubo”
desferiu alguns golpes de faca no “Ditôca”, quase lhe tirando a vida.
Encaminhado às pressas para a cidade de Sobral, depois de algumas cirurgias,
conseguiu sobreviver. Algumas pessoas que o tinham como amigo ficaram
revoltados com este episódio, pois o “Ditôca” não era um meliante, apenas não
controlava a sua embriaguez, na verdade era até uma pessoa divertida.
Conforme José Mauro Braz de Lima compreende que.
“Esta condição, que ocorre de modo diferente em
pessoas diferentes, dependendo dos traços da personalidade de cada um, favorece
um clima na qual poderá ocorrer situação de violência. Por este prisma,
poder-se-á observar o aspecto das diversas situações nas quais o alcoolismo
está direta ou indiretamente envolvido: a violência nas prosaicas brigas dos
bares e botequins, às vezes ocorrendo homicídios ou lesões graves.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p. 138.)
Dizem que os médicos o proibiram de voltar a beber,
mas nós sabemos como se comportam os viciados com relação ao alcoolismo.
Continuando ele no vício e veio a óbito poucos anos depois, supostamente pelo
excesso de álcool, após contrair uma cirrose. Ditôca tinha uma habilidade com a
bola, tanto de jogador na linha, quando no gol, por isso se autodenominava
atleta, pois participava também das corridas promovidas durante as festividades
do aniversario da cidade Ipu. Algo de divertido neste homem ocorria, quando
embriagado, cantar uma canção da banda de Newcastle (Inglaterra), The Animales,
“The House Of Rising Sun” (THE HOUSE OE THE RISING
SUN, The Animales, Universal, 1964.) É claro que não sabia inglês,
apenas tentava imitar a voz do cantor da banda, causando risos. Como
recompensa, ganhava um copo de cachaça serrana. Confesso que era quase que
folclórico na cidade de Ipu, mas se foi precocemente vítima do alcoolismo desenfreado.
Muitas pessoas não consideram o álcool como uma
droga, talvez por se tratar de uma substância lícita e não se consideram
alcóolatras, pois concluem que só se torna viciado o indivíduo que bebe todo
“santo dia”. Tomar um porre violento duas a três vezes por semana, é
considerado por eles ao normal. Segundo Silveira: “Quando o alcoólatra não
reconhece o seu próprio estado, está bem longe da possibilidade de se curar e
não raro faz o que é pior: volta-se contra seus verdadeiros amigos e parentes
que se mostram realmente interessados e preocupados com a sua saúde física e
mental”. (Ibidem, p. 85.)
BRAULINA (EX-PROSTITUTA)
Algumas mulheres faziam também o uso indiscriminado
dessa substância psicoativa, o álcool. Uma mulher da vida famosa do cabaré da
cidade de Ipu, após se aposentar da sua profissão se entregou a sarjeta.
Trata-se de “Braulina”. Quando conversei com alguns senhores, antigos clientes
dela, diziam que era natural da cidade de Crateús e muito bela quando chegou à
nossa cidade. Dizem que, por isso, era disputada pelos frequentadores do
prostíbulo.
Lembro com perfeição o seu rosto deformado pela
constante embriaguez na porta do Mercado Municipal, pedindo esmolas e também
com sinais de pele ressecada e algumas feridas, talvez por causa de uma cirrose
hepática, isso por volta de 1984. Pouco tempo veio a falecer, pois embora com
todos os problemas degenerativos continuasse bebendo o que alastrou ainda mais
os problemas por causa do alcoolismo. Uma vez ou outra era motivo de chacota
por alguns desocupados que não cessavam de insultá-la. Ela, por sua vez,
esbravejava proferindo palavras de baixo calão. Como afirma o professor Melo.
“Braulina, mulher da vida. Entregou-se ao vício e a
prostituição, assim foi toda sua existência. Já depois de algum tempo contraiu
varias doenças chamadas na época de “doenças de rua”, que lhe levou a morte.
Era conhecida por todos como a “esposa coletiva ou ambulante”. Pobre Braulina
morreu em plena praça pública ou mais precisamente no Jardim 26 de Agosto no
centro da cidade. (MARTINS, Francisco De Assis. Op.
cit., p. 127.)
MARIA HOMEM (MULHER MACHO)
Devo destacar também a “Maria Homem”. Dizem que
recebeu este nome por possuir os dois sexos masculino e feminino e também por
“peitar” os homens que a irritavam. Quanto à questão hermafrodita creio que são
apenas boatos. Ela faz parte deste rol de personagens que citei. Costumava
perambular pelo mercado quase, sempre de porre. Algumas vezes observavam seus
filhos junto com ela. Achava uma situação deprimente e triste a mãe embriagada
e os filhos segurando na “barra de sua saia”. Coloquei esta expressão entre
aspas, pois nunca a vi de saia, na verdade sempre usava uma calça Capri ou uma
mais cumprida. Segundo Pedro Cardoso Filho. “Geralmente o beber solitário e
confinado torna essas mulheres introspectivas e revoltadas, caracterizando um
estado de nervosismo, angustia, ansiedade e conflitos íntimos, obrigando-as,
além disto, a consumir drogas ansiolíticas, antidepressivas e psicotrópicas
para controlar a depressão e até mesmo o uso de anfetaminas, quando o
alcoolismo vem associado a problemas de emagrecimento” (FILHO, Pedro Cardoso. Op. cit., p. 75.)
Não mais vi os filhos acompanhando-a talvez ou com
certeza o Conselho Tutelar tenha tomado às providencias cabíveis. Esta mulher
proferia os mais “cabeludos” palavrões quando estava de porre e praguejava quem
a encarrasse e corria atrás de quem a insultasse. Diversas vezes quando
frequentava o mercado presenciei esta cena com varias pessoas gritando em coro
e em gargalhadas, principalmente dos peixeiros e marchantes.
Não a vejo com frequência no seu “habitat”, talvez
as constantes embriaguezes tenham minimizado suas forças e se encontre apenas
no lugar aonde mora, no distrito de Abílio Martins, aproximadamente 20 km da
sede. A “Maria Homem”, da ultima vez que a vi já se encontrava numa situação
não muito confortável em termos de saúde, pois estava magra além do normal e
ainda bebendo, suponho que geralmente as pessoas quando chegam a este estágio
deplorável, não se tem mais esperança de dias melhores por isso a entrega
incondicional ao vicio, igualmente a outros que citei.
MARIA PÃO DE LEITE (A MENINA VENENO)
A Maria pão de leite era uma daquelas mulheres que
comumente andava embriagada pelas ruas do Bairro da Caixa D’agua, porém, não
era de provocar escândalos, apenas falava alto com uma voz fina. Por vezes
chorava e cantava nada mais que isso. O apelido de “menina veneno” é por
ocasião do estado de embriaguez, gostava de cantar a música menina veneno do
cantor inglês, naturalizado brasileiro Ritchie, embora muito desafinada, mas
arrancava gargalhadas das pessoas que ouvia cantar. Já era idosa, mesmo assim
continuava bebendo não sei se por causa da solidão, apenas achava que por não
ter marido perambulava pelas ruas do bairro em questão, bebendo como fazem
aqueles que vivem na boemia.
CHICA SOBRAL (A DANÇARINA)
Uma mulher que também perambulava pelo Bairro da
Caixa d’Água em estado de embriaguez era a Chica Sobral. Às vezes era vista
sóbria. Suas características já afirmava por si próprias que era alcoólatra.
Quando cantava também dançava desconcertantemente. Recebeu o pseudônimo de
Chica Sobral por ter suas origens na cidade de Sobral. Tinha uma voz rouca e em
algumas ocasiões tinha um ar de ser um pouco hostil, principalmente quando
alguém a molestava. Dava até medo quando de repente cruzávamos com ela, mas era
apenas pela aparência, pois na verdade o único mal que praticava era para si
própria, quanto à consumação alcoólica. Talvez por isso tenha vindo a óbito nos
anos de 1990.
BARONESA (A FILHA DO TROVÃO)
Esta mulher morava no Bairro do Breguedoff e, como
as mulheres citadas, sua sina era viver embriagada quase todos os dias. Sua
rotina se desenrolava do bairro onde residia até o mercado público. Sempre na
volta, como de costume, estava embriagada e nesse estado promovia escândalos no
seu reduto, ainda no mercado público ou mesmo nas praças do centro. Seu apelido
de “filha do trovão” resultou das suas constantes rixas e conflitos envolvendo
membros da sua família.
Segundo o Professor Melo, “a cada arrancada era uma
trovoada”. (MARTINS, Francisco De Assis. Op. cit.,
p.119.) Algumas mães na época, como uma forma de repreender seus
filhos, dizia que iriam chamar a Baronesa, causando-lhes medo, pois era comum
temerem pessoas que para elas pareciam estranhas, no caso aquelas pessoas que
viviam em constante estado de embriaguez. Sua morte foi estranha, pois a
encontraram-na próxima ao bairro onde residia com marcas de violência. Foi, com
certeza, assassinada, caso que causou revolta e mistérios, e se tornou insolúvel
para a polícia na época.
“SEVERINA”
A Severina é uma dessas mulheres que não fazem nada
na vida há não ser perambular pelas ruas do centro de Ipu. Comumente, o Galpão
dos Feirantes é o lugar aonde se encontra, e faz o papel de pedinte, sempre com
um pretexto de que seu gás acabou e que precisa de R$1,00, pra comprar um quilo
de arroz que na minha visão não passa de um “blefe”, pois tenta filar de
alguém, algum dinheiro para satisfazer seu ego que é beber. Costuma também
frequentar o Mercado Público. Sua sina é viver sempre embriagada perturbando
especialmente nos dias de feira, as pessoas que frequentam os boxes para
almoçar ou outras que estão degustando algum tipo de bebida alcoólica.
Estas pessoas, apesar de seu modo de vive ficaram
marcadas na memória dos ipuenses. Muito se relata a respeito destes atores
sociais. Embora não sendo de relevância social, mas de certa forma eles
construíram um pouco da nossa história, com seus costumes, linguagens e
crenças.
Na minha concepção existe um dualismo dentro deste
contexto, um alcóolatra em potencial, aquele chamado de “pé de cana” ou “pé de
balcão” e os moderados que bebem de vez em quando ou apenas nos finais de
semana, após as “peladas” com os amigos do trabalho, como é corriqueiro algumas
pessoas realizar este hábito. Em algumas ocasiões acompanhado de familiares, no
entanto, existe uma moderação quanto à consumação de bebidas alcoólicas quando
há algo desta natureza.
2.2. DO TRABALHO PARA O BAR.
[...] As pessoas que eu detesto.
Diga sempre que eu não presto.
Que meu lar é o botequim. [...]
(ULTIMO DESEJO, Noel
Rosa, Gravador a RCA, 1º de julho de 1937, gravada na voz de Araci de Almeida.)
Creio que as pessoas que se dirigem para os bares
depois da “sina”, também fazem parte de um ritual semanal ou diário. Pois seria
uma forma de acalentar as fadigas de um dia duro ou uma semana estafante de
trabalho e se entregarem ao “delicioso” hábito de beber. Este ato é comum em
todas as classes sociais desde as mais simples até as mais complexas, por exemplo,
funcionários de instituições financeiras como o Banco do Brasil e Caixa
Econômica que em algumas ocasiões os via bebendo algum tipo de bebida sempre às
sextas-feiras. No entanto, isso pode acarretar numa espécie de dependência?
Neste ponto suponho que possa haver uma variação desses alcoolistas, porque é
fácil se tornar um ébrio quando o consumo de álcool se torna constante, fora os
agravos patológicos. Por isso, para evitar qualquer tipo de abuso é
recomendável se utilizar o álcool moderadamente, mesmo aquele que só degustam
bebidas tanto destiladas, quanto fermentadas, serem administradas em “suaves”
doses como afirma Lima.
“Dentro da visão mais conservadora, portanto, o
alcoolismo só ocorre quando o individuo (trabalhador) é alcoólatra, ou seja,
esta no fundo do “poço, no fim da linha”, com doenças mais graves
degenerativas, algumas vezes irreversíveis. Neste enfoque, os pacientes têm em
geral doenças já bastantes constituída, com lesões ou distúrbios em vários
órgãos, levando a quadro o tipo de falência múltipla dos órgãos secundários ao
alcoolismo.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op. Cit., p.
87.)
As dosagens diárias ou semanais podem ser perigosas
para o trabalhador, porque como uma espécie de droga o álcool nestas
circunstâncias vicia. Neste caso, uma libertação deste nocivo vício causaria no
indivíduo perdas e prejuízos como já foi citado. Na cidade do Ipu, como também
em qualquer complexo urbano, até mesmo nos rurais, estes atos são comuns, ou
seja, tomar umas depois do trabalho é um hábito para muitos
Algo que me chamava no final da década de 1970 e
boa parte da década de 1980, diz respeito ao fato de algumas pessoas
trabalharem durante a semana e frequentarem assiduamente os bares, levavam
consigo para estes lugares diversos discos embaixo do braço para ouvir suas
canções favoritas, como as de Waldick Soriano, Genival Santos, Altemar Dutra,
entre outros. Curtindo seus tragos, não se contentavam em apenas ouvir, também
cantavam juntos com o disco, desafinados que doía nos ouvidos. Quando já
estavam alterados, falavam palavrões, e afugentavam a clientela, pois, além
disso, gostavam de galantear as mulheres, sejam as solteiras ou casadas.
Verdadeiros perigos para estes indivíduos, porque a qualquer momento poderiam
gerar conflitos, principalmente quando os maridos ficavam a par destas
situações.
O que tornava hilário naqueles momentos era quando
seu organismo não aguentando mais os constantes “bombardeios” de cachaça, mal
conseguindo ficar de pé recolhiam seus discos e se dirigiam para seus lares, os
discos caiam da capa e saiam rolando pela calçada e cambaleando, inutilmente,
tentavam agarrá-los, arrancando risos de quem passava pela rua. Realmente um
fato engraçado. Algumas vezes tentávamos ajuda-los, mesmo que eles não
gostassem, pois pensavam que queríamos ficar com os seus discos. Desconfiados
até demais, pois quem iria querer uns discos de brega, principalmente na nossa
idade, crianças, sem o gosto para tal gênero musical. Conforme Izilda Matos.
“A produção musical se apresenta como um corpo
documental particularmente instigante, já que as canções por muito tempo
constituíram um dos únicos documentos sobre certos setores relegados ao
silencio; aqui em pauta: o ébrio. A música também é apontada como uma das
únicas estancias publicas em que o homem se permite falar com sinceridade sobre
seus sentimentos com relação à mulher, confessando suas angustias, medos,
fraquezas, dores e desejos.” (MATOS, Maria Izilda
Santos de Op. cit., p. 79.)
No cotidiano esses consumidores de bebidas
alcoólicas já se adequam as tecnologias que o mundo oferece, pois não há mais
aquele costume de sair para beber com uma pilha de discos de vinil, mas com
algo que os padrões tecnológicos oferecem, como o uso de um pen drive, dispositivo
que armazena centenas de músicas e sem o transtorno de outrora, usufruindo o
que as novas tendências tecnológicas oferecem. Acho que o único problema em se
tratando do pen drive é de perdem-no ou se “queimarem” com uma queda.
Não apenas o pen drive como também os aparelhos celulares, aperfeiçoados
frequentemente.
Realmente são várias as situações que envolvem
trabalhador, bar e bebida. Numa delas, no bar, o indivíduo permanece por muito
tempo, esquecendo-se do lar, da mulher e dos filhos. Há casos, ocorrido com
muitos deles, de dormir ao lado das coisas que seriam para o almoço. Quando a
mulher já cansada de esperar saia na busca do paradeiro do marido, era comum
observarmos suas tentativas despertá-lo do sono alcóolico. Como cita Maria
Izilda Santos de Matos: “A família era identificada como a célula da sociedade,
devendo ser regenerada, higienizada no processo de construção da sociedade
[...]” (Ibidem,
p. 41.) E quando não conseguiam, o carrinho de mão era a solução. Fato
hilariante e ao mesmo tempo constrangedor para um homem trabalhador e pai de
família, isso para os preconceituosos, pois sabemos que são fatos corriqueiros
da cidade pequena.
Outros não querendo expor sua integridade moral
bebiam nos bares próximos a sua residência para que não houvesse situações como
à citada anteriormente. Mesmo assim, acontecia algo semelhante quando na mesma
situação, não tendo forças para se deslocar para sua residência, era “rebocado”
para casa pelo dono do bar e amigos, o que não deixava de ser também
embaraçoso.
Estes episódios geram comentários e fofocas sobre a
negatividade desses casos de embriaguez. Contudo, o trabalhador também
reservava um tempo para acompanhar sua esposa nos passeios matinais e nas
missas de domingo, em seus momentos de folga, portanto, geralmente nos finais
de semanas, nos feriados nacionais ou nos dias santos. Devo acrescentar que
geralmente após o término da celebração dos Santos Ofícios nos domingos era
praxe uma passadinha no botequim mais próximo para tomar um trago com os
amigos, dizendo a esposa que iria ficar só uma fração de tempo. No entanto,
passava horas no bar, mesmo sabendo que no dia seguinte iria para a labuta.
Conforme Maria Izilda Santos de Matos: “Apontavam-se como os mais atingidos
pelo alcoolismo o operário, o lavrador, o pescador e o pequeno empregado, o que
já podia ser percebido por grande número de industriais que rejeitavam operários
frequentes de álcool”. (MATOS, Maria Izilda Santos
de. Op. cit., p. 40.)
Testemunhei estes casos, pois algumas vezes a Banda
de Música, da qual sou membro, animava os fiéis antes das missas e
permanecíamos juntos um bom período após o término da mesma. Fazíamos isso com
frequência no “Bar Matriz”. Esta era a rotina ou ainda é do homem trabalhador
que usava as bebedeiras tanto para satisfazer seu ego, quanto para uma forma de
complemento para preencher a monotonia que lhe rondava, por exemplo, do
trabalho para o confinamento do lar. É claro que nem todos tinham este hábito,
porque havia aqueles que mantinham certa temperança quanto ao uso do álcool
como uma espécie de lazer ou algo parecido e dando prioridade a reunião da
família no domingo e o descanso para o início da outra semana.
A embriaguez na cidade de Ipu tornou-se um problema
social, visto a cidade não ter ainda uma perspectiva de como sanar este
problema, pois historicamente as pessoas começam a ingerir o álcool, na maioria
das vezes, antes de completar a maioridade, pois é algo comum também na
atualidade. Não há políticas de saúde pública como mecanismo de esclarecimento
para a manutenção de uma temperança entre os usuários das bebidas alcóolicas.
Como já foi citada, a consumação é benéfica para a
economia, pois muitas pessoas na cidade de Ipu há décadas sobrevivem da
comercialização das bebidas alcóolicas, mas, em contrapartida, o consumo
exacerbado pode gerar o que chamamos de mazela social, um fato que já é uma
realidade.
CAPITULO III
O ÁLCOOL, DROGA LEGAL E NOCIVA
Como já foi relatado no início deste trabalho, o
álcool é tão antigo quanto a humanidade e seus efeitos nocivos para quem o usa
em demasia, pois sabemos os efeitos econômicos e psicossociais que esta
substância causa nos imprudentes que, embora saibam a negatividade do vicio
permanecem ingerindo constantemente o liquido, caso que relataremos no item
3.2. Segundo Nemésio F. “O alcoolismo é um problema muito mais serio do que a
maioria das pessoas supõe! Considerando as somatórias dos prejuízos que causam
às pessoas e a sociedade em todo mundo, é um dos piores males que afetam a
humanidade! Lamentavelmente ainda não lhe foi dada a atenção e o tratamento que
ela merece!”. (F, Nemésio. Alcoolismo, Sua Causa e
Sua Libertação, 1ª ed: Rio de Janeiro, Editora Livre Expressão, 2007, p.
88.)
O álcool, por ser considerado uma droga legal, tem
a sua adesão é mais fácil do que as outras ilícitas e que encontra em qualquer
esquina implicando que o individuo que ingere doses diárias pode se tornar
dependente químico, pois como qualquer substância entorpecente ela poderá levar
aqueles que a consomem para o “subterrâneo” do poço. A dependência não está,
digamos, centrada na família, ou seja, não pode ser considerado um fator
hereditário, porque se os pais forem viciados isto não implica que os filhos
poderão seguir o mesmo vicio. No entanto, pode ser que um dos filhos mais tarde
possa se tornar uma alcóolatra, não dentro do âmbito familiar, mas no meio ou
no grupo social que está inserido por curiosidade ou até mesmo mostrar como os
jovens dizem nos dias de hoje que são “descolados”.
Na cidade de Ipu, ocorreram casos de um indivíduo
que na família não tinha histórico de alcoolismo e de repente se tornou
alcóolatra. Da mesma forma, atribuo estes pressupostos ao tabagismo. Por exemplo,
na minha família meus pais são fumantes e os sete filhos não herdaram o vício
do fumo, porém nos dias de hoje como há uma antecipação dos jovens aos hábitos
dos adultos pode ser que haja uma exceção quanto à hereditariedade do vício,
seja do alcoolismo, tabagismo, ate às drogas mais pesadas como a maconha,
cocaína, além dos seus derivados como o crack que é mais letal.
Desde o século XIX, o alcoolismo já era considerado
uma patologia e medidas de prevenção ao uso irrestrito da droga se deu no inicio
do século XX, principalmente com a Lei Seca adotada pelo governo estadunidense
na década de 1920, em consequência do consumo exagerado do álcool. Mesmo assim,
muitos consumiam longe dos olhos do governo, além da fabricação caseira, onde
havia uma sonegação de imposto devido à clandestinidade do produto, conforme
Fishman: “Entre 1920 e 1930, o numero de alcóolatras decaiu vertiginosamente
nos Estados Unidos. Durante a Lei Seca era difícil conseguir bebidas fora das
grandes cidades. O fim da proibição coincidiu com o inicio da grande depressão
com os americanos retomando o vício de beber”. (FISHMAN,
Ross. Op. cit., p. 50.)
Na atualidade, a Lei Seca é adotada durante os
feriados prolongados para evitar os acidentes automobilísticos nas estradas e
em outra ocasião nos processos eletivos que é de 2 em 2 anos, porém, esta lei
não é rigorosamente obedecida, como testemunhei no ultimo pleito de 2010. Por
esta lei não funcionar durante este período, pode produzir um perigoso
conflito, pois contendas podem ser geradas a partir de uma embriaguez
exagerada, pois sempre haverá um descontrole emocional. Este fato foi um tanto
corriqueiro durante vários processos eleitorais até mesmo pelos adversários
para o pleito municipal que não respeitavam tanto quem era vencedor, quanto
derrotado. No pleito para prefeito no ano de 1982, (Francisco Eufrásio Mororó x
Dr. Rocha Aguiar) lembro com lucidez as extravagâncias que os vitoriosos
realizavam, por exemplo, na época usaram um caminhão de laranjas podres para
jogar nos adversários e pessoas amedrontadas com vandalismo proporcionado pelos
vitoriosos fecharam as portas ficando confinado em casa até que estes
desordeiros fossem embora.
Estas pessoas que causaram este tipo de desordem
estavam embriagadas, porque na época notei que um deles portava uma garrafa de
cachaça gritando constantemente “olha fumo”, expressão corriqueira dirigida
àqueles que foram derrotados nos pleitos eleitorais e também clamando o nome do
candidato vencedor Flávio Mororó (Eufrásio Mororo 1983-1988). Nem a residência
de seu oponente, Dr. Rocha Aguiar foi poupada pelo fato de algumas pessoas a
invadirem e quebrar tudo o que havia na casa.
3.1. AS MAZELAS PROVOCADAS PELO ABUSO DO
ALCOOL
Durante muito tempo, o alcoolismo vem sendo um dos
problemas mais agravantes entre a sociedade em geral e também um problema de
saúde publica. Na verdade o alcoolismo, como já foi citado, é uma patologia e
das mais graves, pois as reações físicas para aqueles consumidores mais
imprudentes são diversas como a degradação de órgãos importantes como a
laringe, pois uma consumação expressiva pode causar câncer da mesma, cirrose
pulmonar e problemas com o fígado que é forçado a remover o álcool da corrente
sanguínea e desintoxicar o organismo e os rins, além é claro dos problemas
externos como a pele ressecada, a perda de pelos nos braços e nas pernas e
claro o corpo deformado principalmente a face (inchaço), por isso o termo
pejorativo de “papudinho” e como consequência maior, o óbito. Michel Foucault
afima. “Vista da morte, a doença tem uma terra, uma pátria demarcável em lugar
subterrâneo mais sólido, em que se formam seus parentescos: os valores locais
definem suas formas”. (FOUCAULT, Michel. O
Nascimento das Clínicas,7ª ed. Rio de Janeiro, Editora Forense
Universitária, 2011,p.173)
Outro fator que podemos associar ao alcoolismo é o
tabagismo, pois na verdade algumas pessoas além de alcoólatras também são
fumantes. Assim como o tabagismo, não existem meios seguros para o consumo
desta substância, como afirma Lima. “Os malefícios e consequências nocivas do
abuso do álcool sempre existiram, porém sempre foram subestimados ou mesmo
negados como alias, de certa forma, ainda nos dias atuais”. (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p.13.)
O excesso pode se tornar um verdadeiro perigo para
o indivíduo, pois se é uma droga legal, também pode ser letal. Por isso,
acarreta em prejuízos tantos físicos, quanto sociais e morais, porque às vezes,
o individuo pode ser visto com repúdio e preconceito pela sociedade. A própria
medicina condena o alcoolismo, mas mesmo com essa condenação nem os
esclarecimentos sobre o perigo do álcool é suficiente, pois devem existir os
programas de assistência social e politicas públicas de saúde para sanar este
grave problema do alcoolismo nos indivíduos que consomem a substância em alta
escala.
Em 2010 a Igreja Católica da cidade de Ipu, na
pessoa do padre Raimundo Nonato Timbó se mobilizou para combater a ebriedade na
nossa cidade e prestar assistência àquelas pessoas que sofrem com este “mal”,
denunciando os infortúnios e as mazelas referentes ao seu consumo desordenado.
Lima faz uma conclusão sobre a necessidade da existência de assistências
públicas de saúde para as pessoas que tem problemas com o alcoolismo.
“Portanto, politicas públicas de saúde e de
educação que privilegiam as estratégicas e ações de prevenção, além do
tratamento efetivo, colocam-se como urgentes e necessárias para que se possa
enfrentar da melhor forma a questão de problemas relacionados ao abuso e a
dependência do álcool dentro de uma visão sistêmica, a qual permita abordar
questões transversais, como é o caso da questão do alcoolismo.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p. 62.)
É difícil para qualquer pessoa que se envolva com o
alcoolismo se libertar do vício, pois a vontade de beber é mais forte do que
colocar um “basta”. O alcoolismo como droga atinge uma parcela significativa da
sociedade e a própria mídia revela as pessoas que têm ou tiveram problemas com
o álcool como: políticos, atores, escritores, cantores, jogadores de futebol
etc. Um escândalo aqui e ali, um prato cheio para aqueles que vivem das
desgraças dos outros como os paparazzi e posteriormente as divulgam na mídia.
Durante este trabalho relatei sobre as pessoas
vitimas do alcoolismo onde geralmente perambulam pelas ruas, praças e avenidas,
tendo como ponto principal, o mercado público da cidade de Ipu. É notório o
estrago que o álcool proporciona a estas pessoas além do moral e psíquico. É
comum encontrarmos estes sujeitos às vezes perambulando e falando sozinhos,
proferindo palavras ou frases de difícil compreensão, rindo do nada.
Uma desses sujeitos, é conhecido como “Oitenta” que
possui estas características que citei, apresentando um estado deplorável e
creio que devido às constantes embriaguezes adquiriu uma deficiência cognitiva,
porque um dos fatores para tal conclusão é uma espécie de demência como
vasculhar as latas de lixo das lanchonetes e restaurante, catando algo para
comer, onde apenas os cães realizam este ato.
Também, colhi informações que um dos transtornos
adquiridos por causa do alcoolismo foi a epilepsia que de vez em quando se
manifesta. O CAPS é o órgão responsável pela recuperação desses indivíduos
“portadores” desta patologia (epilepsia) como já presenciei o trabalho do mesmo
na cidade de Ipu, prestando assistência aqueles com problemas cognitivo. O
psicólogo Luiz Felipe Castelo Branco da Silva enfatiza o trabalho do CAPS como
órgão responsável no auxílio para a recuperação e reintegração do “doente” a
sociedade.
“De acordo com dados da Organização Mundial de
Saúde (OMS), estima-se que o abuso de álcool revela-se como responsável por
aproximadamente 20-30%, dos casos dos de câncer de esôfago, câncer de fígado,
cirroses hepáticas, homicídios, epilepsia, e acidentes automobilísticos. Além
disso, em 2002, o consumo abusivo foi responsávelpor 2,3 milhões de mortes
prematuras (...).” (SILVA, Luiz Felipe Castelo Branco da.Alcoolismo:do cálice que cala e à escuta que
liberta. O pedido silencioso de dependentes e abusadores de bebidas
alcoólicas no acolhimento de um CAPS-AD,
1º ed. Curitiba: Editor Juruá, 2011, p. 54.)
A Instituição CAPS (Centro de Atenção
Psicossocial), na cidade de Ipu, desenvolve um trabalho de reabilitação para
pessoas com transtornos psíquicos, porém a assistência voltada para o
alcoólatra ainda não é uma realidade, mas que segundo as palavras da Drª
Francisca Gonçalina Martins Timbó, “tem um grupo com atividades direcionadas aos
alcoólatras com transtorno na cidade de Ipu, mas que não fazem prevenção quanto
ao problema do alcoolismo, mas apenas um acompanhamento com um grupo de
convivência, pois a reabilitação não esta inserida no CAPS, mas já foi
solicitado um CAPS-AD, Alcool e Drogas”. (Drª
Francisca Gonçalina Martins Timbó, 48 anos, casada, diretora do CAPS, Ipu/ce,
entrevista realizada no dia 3 de julho de 2014.)
Como já relatei, não existem politicas de saúde
publicas para o problema do alcoolismo na nossa cidade ou talvez nem em outras
interioranas, pois percebo que as verbas destinadas a saúde são precárias e
geralmente os alcoólatras ou pessoas com tais transtornos não são assistidas
pela saúde, mas que na minha ótica, deveriam existir programas que atendessem a
estes indivíduos que apresentam tais transtornos proporcionados pelas drogas
lícitas e ilícitas na nossa cidade e, claro, prevenções como palestras, em
especial no convívio escolar desde as séries iniciais, ou mesmo a distribuição
de cartilhas apontando o mal que as drogas e a ideia social negativa provocada
pelas mesmas.
Com tais programas de prevenções poderíamos pelo
menos amenizar problemas futuros com os jovens associados às drogas perigosas e
principalmente o trafico, porque nos grandes centros, centenas de jovens são
vítimas e feitos também como “buchas de canhão”
(Moroni Torgan, ex- Secretário de Segurança do Estado do Ceara.),
segundo Moroni Torgan para camuflar o traficante e sustentar o tráfico.
O excesso desses indivíduos ao vicio os levarão
para uma patologia crônica, uma recuperação irreversível e também a um provável
óbito, pois as características de certo modo desse transtorno são anormais e se
manifesta por vários males constituídos a partir do uso em demasia, alterando
seu comportamento e também fatores biológicos. Como citei, para se tornar
alcoólatra, um fator é estar relacionado ao meio ou grupo social e às vezes não
se caracteriza por um vício hereditário ou adquirido no âmbito familiar, pois a
adesão ao consumo em especial de jovens é real.
O perfil de um alcóolatra pode estar relacionado a
problemas arraigados mesmo antes de se entregarem a o vício como os
financeiros, as frustrações profissionais, as indiferenças, a solidão e traições
tanto do gênero masculino quanto do feminino, pois seria uma estratégia para
curar certas “dores”, abraçando o alcoolismo. Já conheci mulheres que por causa
das “puladas de cerca” e pelo abandono dos maridos se tornarem alcóolatras
perdendo totalmente a compostura de mãe de família e seu papel dentro da
sociedade. São realmente transtornos psicológicos que alteram o comportamento
de pessoas, conduzindo-as a um futuro obscuro, já que a porta de entrada para o
vicio do álcool é larga mais sua saída é estreita.
São fatos que afligem uma parcela da população,
evidenciando que nem sempre estas pessoas foram alcoólatras, mas por um fator
negativo nas suas vidas que as tornaram viciadas e a partir desses fatores, uma
fuga para o vicio desenfreado seria a mais eficaz das soluções, não percebendo
que consequentemente estariam adquirindo mais problemas para as suas vidas em
decorrência do uso indiscriminado do álcool. Ross Fishman, no seu trabalho Tudo
sobre drogas (1988), aborda o alcoolismo como patologia e os males
provocados pelo o mesmo, bem como os meios para combater o vício:
“Um dos efeitos imediatos do álcool é o de
tranquilizante ou de causador de euforia e bem-estar. Um indivíduo que esteja
enfrentando momentos de tensão, nervosismo, conflitos com a família ou com
amigos pode entregar-se ao álcool para suprimir temporariamente a depressão a
ansiedade e os sentimentos de medo. Na maioria dos casos em que pessoas começam
a beber por razões emocionais, seus problemas se agravam em vez de ser
resolvidos.” (FISHMAN, Ross. Op. cit., p. 49)
A citação de Fishman disserta muito bem no que
tange a ideia de que o álcool não minimiza nenhum problema, e sim os agrava,
provocando em quem consome em excesso, um sério perigo para a sua saúde e claro
para a sua convivência social. Tal processo que, na minha visão, seria uma
espécie de ostracismo, afastando o indivíduo do convivo e bem estar social para
uma vida desregrada e famigerada. Muitos associam o fator alcoolismo como um problema
da pobreza, da periferia, dos cortiços do início do século, mas como já foi
dito, o alcoolismo como patologia, não escolhe posição social, pois em todo
âmbito de socialização sempre ira existir os excessos.
É claro que o indivíduo deve sentir uma sensação
prazerosa no consumo do álcool, porém devemos acrescentar que é um prazer
passageiro e após os efeitos alucinógenos desta droga legal e a ressaca, os
problemas voltam a rondar seu cotidiano. Nesse caso, o indivíduo mergulha
novamente na embriaguez para servir como um consolo para seus dilemas. Isso
acontece com mais frequência na atualidade, porque a acessibilidade às bebidas
alcóolicas são mais frequentes do que a 100 ou 200 anos atrás, devido à
“melhoria” de vida de algumas pessoas, principalmente no Brasil através dos
programas sociais do governo como a Bolsa Família e a Bolsa Escola, onde alguns
pais separam uma parcela destes benefícios para tomar uns “tragos” em dias de
feria no Ipu (sexta e sábado).
Posso dizer isso com veracidade porque observei num
dia desses, um “pai de família”, em meio a outros trabalhadores diários,
peixeiros, marchantes, com um comprovante do beneficio e empunhando um copo de
cachaça no mercado publico, chamando a presidente de “mamãe Dilma” e “papai
Lula” em referencia a atual Presidente do Brasil e seu antecessor. Conversava
mais do que bebia é um daqueles que pejorativamente o chamam de “papudinho”, ou
diarista, embora o conheça como alguém que realiza algum tipo de trabalho
informal como ajudante de pedreiro e em outras ocasiões ajudando os marchantes
do mercado. Sidney Chalhoub, ao comentar sobre a imprensa do Rio de Janeiro,
destaca como era o cotidiano daquelas pessoas que trabalhavam e aqueles sem
algum tipo de oficio, sem nada para fazer no momento:
“(...) Ela revela claramente a tentativa de
estigmatização da principal opção de lazer dos pobres urbanos do sexo
masculino: a conversa informal que estes homens levam no botequim, ao redor de
uma mesa de balcão, sempre sorvendo goles e de café, cachaça, cerveja ou algum
vinho barato. Era ali, nos papos da hora de descanso, que se afogavam as mágoas
da luta pela vida e se entorpeciam os corpos doloridos pelas horas seguidas do
labor cotidiano.” (CHALHOUB, Sidney. Op. cit., p.
256 - 257.)
Estas pessoas permaneciam ou permanecem após a sina
do meio dia até o mercado fechar, bebendo e discutindo coisas do cotidiano,
como as picuinhas politicas e geralmente muitos não controlando o desejo de
satisfazerem seu ego, bebem até seu organismo não suportarem, principalmente aqueles
que degustam a “velha cana”. São bem visíveis as marcas de vômitos no dia
seguinte dentro e fora do mercado. Neste contexto, podemos ver como é
degenerativo o problema do alcoolismo, pois as náuseas provocadas pelos
exageros são um sinal de que o organismo não está mais suportando o constante
bombardeio dessa substância.
Comumente, após a ingestão do álcool em altas
doses, estas pessoas não se sustentam mais com as próprias pernas, ficam
encostados nas paredes e tentam disfarçar a voz inutilmente, pois o estado de
embriaguez é notório nestes indivíduos; a partir desses pressupostos, podemos
relacionar que o certo abuso crônico do álcoo é um verdadeiro perigo tanto para
os consumidores quanto para as pessoas, pois alguns são portadores de veículos
automotivos como motos e carros ou até mesmos as bicicletas, onde não há uma
condição motora, visual, psicológica e acidentes desta natureza como colisões
de veículos, atropelamentos são comuns nestas situações.
Outro problema que podemos associar as mazelas
provocadas pelo álcool é a ingestão praticada pelas gestantes, que por falta de
informação ou mesmo tomando conhecimento da periculosidade da droga, continuam
bebendo e esta substância ao entrar na corrente sanguínea é levada
posteriormente para o feto, causando efeitos catastróficos no mesmo, pois há
uma alta sensibilidade do feto à substâncias tóxicas como o álcool e outras
drogas como o próprio tabagismo, e a partir dai gera um desenvolvimento
insuficiente como malformações genéticas, deficiências sensoriais e psíquicas,
problemas congênitos. Portanto a consumação gera um perigo e a partir desse
pressuposto um grave problema social, como afirma Lima.
“A síndrome alcoólica fetal constitui complexo
quadro clínico de manifestação diversas, decorrentes da exposição da criança ao
álcool, durante o período de gravidez. Tais manifestações caracterizam-se por
um grupo de sinais e sintomas relacionados ao comportamento do SN (cérebro) e
de outros órgãos.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op.
cit., p. 63.)
3.2. “EU BEBO, PORQUE GOSTO DE BEBER”. PESSOAS
MESMO SABENDO DOS MALEFÍCIOS DO ÁLCOOL BEBEM DEMASIADAMENTE
Periodicamente é apresentado na mídia ou mesmo nas
campanhas de políticas públicas os malefícios provocados pelo consumo
exacerbado do álcool. Porém, estes alertas a respeito dos problemas do
alcoolismo não têm surtido muito efeito para aqueles que se entregam ao vício,
pois momentaneamente nos deparamos com situações nos diversos meios sociais.
Mas devo salientar que as pessoas que consomem
álcool, às vezes nem sempre poderão se tornar alcoólatras em potencial, ou
seja, existe certo controle no seu consumo. Outras não conseguem manter certo
controle e se tornam “diaristas”, como chamamos aqui na cidade de Ipu, bebendo
todos os dias da semana, mesmo sabendo o real prejuízo que este ato promove.
Substancialmente estes sujeitos que se entregam ao
vício desenfreado afirmam não esta nem ai para as consequências negativas
adquiridas nesta vida desregrada. A vontade de beber sempre é mais forte que o
controle ou até mesmo de uma abstinência e seria preciso realmente muita força
de vontade para que algo desta natureza viesse acontecer.
Estas pessoas não se preocupam com a sua reputação
dentro da sociedade e não possuem controle moral sobre si mesmo ou o respeito
mútuo sobre as outras pessoas, prevalecendo a negatividade do vício.
Mesmo a pessoa bebendo em demasia não gosta da
ideia de se considerar ou que os outros o rotule de alcoólatra, porque eles não
podem se ver como tal em seu estado de embriaguez.
As outras pessoas, sim, notam as situações
negativas que o consumo em demasia provoca nestes indivíduos. Segundo Silveira
na obra O drama do alcoolismo, causas consequências e solução, relata a
respeito daqueles que consomem o álcool sem moderação e não se consideram um
alcoólatra. “O individuo que usa e abusa das bebidas alcóolicas, não está em
plenas condições de avaliar o seu próprio estado e dizer se é ou não
alcoólatra. Ele não pode ser juiz em causa própria”. (SILVEIRA,
Ajax. C. Op. cit., p.84.)
Acredito que estes fatores negativos estejam
associados psicologicamente a falta de oportunidades e por não terem uma
expectativa quanto a sua própria promoção social, mas é algo que esteja
arraigado dentro dos padrões políticos e sociais onde apenas uma parcela da
sociedade tenha acesso a uma vida mais digna, mas devo me contradizer, porque
na verdade como já citei, o problema do alcoolismo se manifesta em todas as
camadas sociais. Como afirma Mansur.
“A retirada do caráter de voluntariedade da
ingestão de bebidas alcoólicas abole, ao menos oficialmente, o julgamento
moralista em relação aos alcoólatras, onde a responsabilidade da ingestão
exagerada de bebidas alcoólicas é atribuída à degradação moral ou à fraqueza de
caráter. Ao alcoólatra não deve ser mais atribuída uma falha moral, mas, antes,
ele deve ser considerado como vítima de uma doença, o alcoolismo, cujo sinal
característico é a Perda de Controle. O que é alcoolismo.” (MASUR, Jandira. Op. cit., p.31.)
Logo, os indivíduos alcoólatras encontram prazer em
beber repentinamente sem pensar nas possíveis consequências arrebatadoras no
seu organismo comprometendo seu metabolismo, pois os mesmos não dão chance de
suas células hepáticas se recuperarem e é claro o seu sistema nervoso
adquirindo distúrbios psíquicos e quem sabe sensoriais. Quando se recuperam das
constantes dosagens do álcool, voltam novamente a beber e tornam este ato como
um hábito diário num longo espaço de tempo, ou seja, o dia todo.
É claro que estas pessoas de certa forma já
adquiriram sérios problemas de saúde, no entanto, é compreensível que o vício
já se tornou crônico, segundo Lima. “Neste grupo se encontram os “problemas
relacionados” nas áreas da saúde do trabalhador, dos acidentes de trânsito, das
vítimas de violências (agressões, homicídios, suicídios etc.)” (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p. 54.) e
esta continuidade acarretara num provável óbito, porque o acúmulo de danos no
seu organismo já promoveu a fragilidade do corpo. Lembro-me do comportamento
dos indivíduos que consumiam álcool em altas dosagens na cidade de Ipu,
violentos, sem pudor e sempre “donos da razão”. Também na atualidade é comum
observamos estes tipos, isto é, não modificou o perfil dos consumidores de
álcool, estes que já se tornarão um estereótipo e geralmente perdem o controle
de suas emoções como citei no inicio do paragrafo. A pior das ressacas é a
ressaca moral, prometem para si nunca mais tomar uma gota de álcool na vida,
mas este desejo de parar de beber é apenas momentâneo, pois passados alguns
dias voltam a beber novamente e fazer as mesmas coisas de antes em seu estado ébrio.
Acontece com a maioria das pessoas que cometem algum deslize por causa da
ingestão em demasia do álcool.
É notória a adesão de várias pessoas na cidade do
Ipu ao uso indiscriminado do álcool: jovens de ambos os sexos, às vezes na sua
maioria, menores de idade, consumido bebidas alcoólicas, fato que irei destacar
mais adiante. Estas pessoas realmente têm consciência dos prejuízos do
alcoolismo e mesmo assim não bebem moderadamente, administrando pequenas doses.
As influencias nos dias de hoje são mais frequentes
do que a 20, 30 ou 50 anos atrás, pois apesar dos alertas, a sociedade atual
tem um comportamento antagônico das anteriores e liberal no sentido de aceitar
certos comportamentos desde o alcoolismo desenfreado, como outros fatores, por
exemplo, o homossexualismo no sentido geral. Em contrapartida, se limitam do
envolvimento social a respeito da problemática do alcoolismo. Muitas pessoas
consomem álcool diariamente como se esta substância lhe proporcionasse força e
coragem para labuta diária, especialmente aquelas pessoas que trabalham em
serviços pesados como no caso de uma profissão informal que chamamos de
carreteiros. Silveira expõe no seu trabalho esta enganosa sensação que o
individuo pensa adquirir no consumo do álcool. “Muito ao contrario o álcool
diminui a resistência física e a capacidade intelectual. [...] O álcool acaba
nivelando todos os valores ao nível da sarjeta. O álcool não dá ao trabalhador
resistência [...]”. (SILVEIRA, Ajax. C. Op. cit., p.
85.)
Um dos sintomas mais comuns decorrentes das pessoas
que bebem em demasia é o chamado“delirium tremens”. Este distúrbio pode
ocorrer com os alcoólatras quando bebem ou passam alguns dias sem beber, bem
como aqueles que já pararam de beber, conforme Lima. “As complicações clínicas
clássicas do alcoolismo são em geral vistas como quadros de natureza
degenerativa, tóxico-metabólica e crônica, isto é, processos que decorrem da
longa ação insidiosa de etanol sobre o organismo, com maior ou menor
predominância neste ou naquele órgão”. (LIMA, José
Mauro Braz de. Op. cit., p. 149.)
Durante os dias de feira na cidade de Ipu (sexta e
sábado) é notório no mercado público, observarmos alguns bares frequentados por
pessoas oriundas das camadas populares e foi em um desses lugares onde observei
o comportamento desses atores sociais (fruteiros, carregadores, pessoas
desocupadas, mulheres de má fama, enfim) e o ambiente do bar ia se inflamando
de pessoas, uns sóbrios trazendo consigo um espeto de carne de porco com
intenção de tomar a primeira tragada do dia e outros já embriagados empunhando
um copo de cachaça e virando em apenas um gole tremendo a mão e um prato com
gêneros de carne diferente como frango e linguiça.
Podemos observar na foto o comportamento das
pessoas e como é cotidiano diário dos frequentadores do Mercado Público
Municipal de Ipu, alguns comprando, vendendo ou mesmo conversando sobre algo
como futebol, politica até da vida alheia, pessoas de várias classes
pechinchando com os peixeiros ou marchantes, as vozes misturadas e confusa, típicas
dos lugares com grande aglomeração.
No interior do estabelecimento homens e mulheres já
embriagados, falando alto, cantando acompanhando a música da dupla sertaneja
Bruno e Marrone, “garçom, olhe pelo espelho, a dama de vermelho que vai se
levantar...” (A DAMA DE VERMELHO, Bruno e Marrone.
Gravadora Sony Music; Selo; RCA Records Label, 2003.), uma bela música
que realmente conta a vida de um boêmio apaixonado por uma mulher que outrora
era sua e que agora era de todos, ou seja, uma mulher da vida. Segundo Santos.
“Os espaços, com suas imagens e sons, trazem representações fragmentarias como
suporte de memórias diferentes, contratadas, múltiplas. As canções falam do
bar, do cabaré, da taberna, do botequim como espaços públicos, em contraposição
ao lar. [...]”. (MATOS, Maria Izilda Santos de. Op.
cit., p. 82.)
Por outro lado vejo semblantes sombrios,
“mutilados” pelo vício como se a própria bebida já estivesse consumindo-os.
Nota-se pelo os braços descascados ou pele “escamosa” como a de um camaleão,
aliás, isto me fez recordar quando em 1997, na Escola E. M. Murilo Rocha
Aguiar, quando o Dr. Célio Marrocos Aragão (falecido), um antigo promotor da
nossa cidade, foi convidado para dar uma palestra sobre o alcoolismo e citou
sobre o comportamento do ébrio, as perturbações existentes, a exclusão social e
as mazelas adquiridas, por exemplo, como a pele de camaleão (ressecamento).
Parece que esta sua declaração foi uma espécie de
injeção porque fez com que algumas pessoas que estavam assistindo a palestra,
dessem uma pequena olhada para o braço, pois naquela época, os jovens do ensino
médio já tinham um contato com as bebidas alcoólicas, pois diversas vezes ao
término das aulas alguns se dirigiam para o bar mais próximo. Como o Bar do
Pombo já havia fechado, nos dirigíamos para o Bar Matriz e permanecíamos por lá
ate a 01h:00 este episodio acontecia somente nas sextas-feiras. Graças, isto
foi apenas momentos da juventude, pois muitos atualmente são trabalhadores,
pais de família responsáveis, mas que em algumas ocasiões, não dispensam umas
doses nos finais de semana.
Sabemos que a as bebedeiras constantes trazem
prejuízos a aqueles que consomem como a degradação do corpo, problemas sociais,
profissionais e podem desestruturar as famílias, assim como afirma Matos. “o
alcoólatra perdia toda a energia, noção de honra e de conduta publica, do afeto
pela família e amigos, das obrigações para a sociedade, podendo caminhar para a
obsessão, para o impulso criminoso, além dos males que deixava para a prole degenerando
a raça” (MATOS, Maria Izilda Santos de. Op. cit., p.
61). No entanto, percebi aqui na cidade de Ipu que as pessoas que entram
no submundo do álcool não largam o vício e também não procuram assistências
para se livrarem deste, preferem perambularem todos os dias pelas praças, na
porta do mercado público e nos estabelecimentos comerciais ou bares do centro a
espera de quem lhes pague uma cachaça.
Diferentemente de tempos atrás, quando a polícia
prendia estas pessoas consideradas vadias ou por serem violentas em seu estado
ébrio, a repressão por parte da mesma é branda, só entrando em ação se acaso
houver uma desordem, mesmo assim são raras as aparições da policia quando há
exageros. Lembro-me num sábado a tarde, em dezembro de 1989, um senhor embriagado
saindo da porta do mercado com o rosto ensanguentado, após ser atingindo com um
tamborete por um parceiro de bebida, após uma discussão, de imediato acionaram
a polícia que se encontrava no centro, fazendo a abordagem e levando o agressor
para sob custódia. Segundo Silveira:
“Ao situar o alcoolismo dentro de um quadro
assustador de degeneração de todas as ordens, esses discursos foram
responsáveis não somente por reforçar preconceitos já existentes, mas,
sobretudo pela construção de um estigma muito forte, gerador da situação de
exclusão social e de auto exclusão dos alcoolistas, compreendidos como doentes,
criminosos em potencial que deveriam ser policiados, adestrados ou isolados do
convívio social conforme as alegações de um saber que buscou obstinadamente
vincular o consumo de álcool apenas como uma questão biológica, moralizante,
não reconhecendo os fatores socioculturais que envolvem á pratica.” (SILVEIRA, Ajax C. Op. cit., p. 28.)
3.4. O ALCOOLISMO NA JUVENTUDE, A MIDIA COMO
INFLUENCIADORA?
O uso indiscriminado das bebidas alcoólicas pelos
jovens nos dias atuais é incontestavelmente comum, pois quando são “iniciados”
nesse consumo, “caem de boca” no vício e que poderá se tornar um hábito
corriqueiro, principalmente durante os finais de semana. Diversas vezes
verifiquei o uso por jovens de faixa etária entre 15 e 18 anos, especialmente
no início da década anterior entre 2001 e 2010. Algo que não era comum nas
décadas de 1970, 80 e 90, ou seja, geralmente os jovens consumiam bebidas não
alcoólicas como os refrigerantes e um ponche, mas é claro, havia as exceções,
pois testemunhei jovens menores de idade na final da década de 1980 consumindo
álcool, principalmente durante o carnaval. Nessa perspectiva, Fishman afirma.
“Estudiosos do alcoolismo afirmam que existem cinco razões principais que levam
um adolescente a beber: modelo dos adultos, curiosidade e experimentação;
pressão dos colegas, prazer; problemas emocionais”. (FISHMAN,
Ross. Op. cit., p. 47.)
Creio que somente após a segunda metade da década
de 1990, este número de consumidores menores de 18 anos tenha aumentado
expressivamente. Percebi, durante as festas dançantes promovidas pela
Prefeitura Municipal de Ipu, alguns portarem bebidas compradas nos
estabelecimentos locais e sem nenhum controle dos proprietários ou do Conselho
Tutelar que não fiscaliza com frequência a venda, compra e consumo pelos jovens
menores de idade das bebidas alcoólicas. Tal consumo é realizado nas praças
durante os finais de semana e é notório nos bancos de alguma praça, observarmos
litros de bebidas alcoólicas e inutilmente tentam disfarçar.
Em outras ocasiões, nas minhas andanças noturnas,
também observei casos de confusões envolvendo tais jovens e com certeza,
incentivados pelo álcool, quanto a isso, Ross Fishman ressalta:
“É particularmente importante saber os motivos que
levam os adolescentes a abusar do álcool, pois a maior parte dos alcoólatras
começa a beber nesta idade. Também a maior parte dos acidentes ou casos de
violência ligados ao uso da bebida ocorre entre os jovens.” (FISHMAN, Ross. Op. cit., p. 46.)
Nesta perspectiva creio que o adolescente dos anos
1990 e o da primeira década do novo século, quando adquiria certa liberdade e
claro por uma socialização com pessoas às vezes mais madura, tenha absorvido o
hábito de beber, pois como citei, nem sempre o fator hereditário contribui para
um jovem se entregar ao vício.
Acho que a adesão de um jovem ao tabagismo seja,
digamos herança de vício do que o alcoolismo, pois a partir de quando um pai
pede para um filho acender o cigarro e de imediato dar uma tragada, tem-se,
logo, que a consequência é adoção do vício de fumar, porque amigos de infância
afirmaram que foi deste modo que se tornaram fumantes. Neste contexto percebo
que existe uma diferença entre o alcoólatra e o fumante, porque o alcoolismo
traz prejuízos pessoais, econômicos e sociais, enquanto o tabagismo traz
particularmente prejuízos a saúde, como afirma Silveira:
“[...] No caso do álcool, a dependência tem
consequências extremamente destrutivas em nível pessoal e social. Já fumar
excessivamente acarreta problemas de nível pessoal, mas não no relacionamento
interpessoal. Os que fumam muito sabem que têm a maior probabilidade de
desenvolver alguma doença como é o caso do câncer pulmonar.” (SILVEIRA, Ajax C. Op. cit., p.46.)
Particularmente, espera-se que um adolescente não
siga os hábitos viciantes de um adulto, mas que imite aqueles que não façam uso
de substâncias psicoativas e químicas como o álcool e o próprio cigarro, mas
devo acrescentar que vivemos numa sociedade onde impera os “encantos mundanos”
e de comportamentos que se modificam a cada geração, especialmente os atuais
que seduzem o individuo com o consumismo exacerbado, além dos prazeres que o
mesmo proporciona.
Esta dicotomia entre os hábitos passados e os
atuais revela que existe uma má formação dos jovens, pois não pensam na
construção de um futuro promissor, não obstante não compreendem que a juventude
passa e que as responsabilidades virão. Sinto esta aversão entre o passado e o
presente estampado nos hábitos joviais do cotidiano.
Os jovens geralmente quando tem o primeiro contato
com o álcool, o consomem apenas como curiosidade assim como a entrada para
outras substâncias psicoativas, afirmo isso, pois convivi com pessoas que trilharam
por este caminho. Outras, por apenas experimentar para impressionarem os
amigos, além da forte pressão que estes exercem sobre os iniciantes no hábito
de beber e em outras ocasiões, pelo êxtase e prazer que o álcool proporciona e
até mesmo por problemas emocionais. Já presenciei alguns casos de amigos
perderem a namorada e esta “perda” se tornar o estopim para uma embriaguez
acompanhada de prantos. Fishman faz uma ralação entre os problemas emocionais e
geralmente pessoas que recorrem ao consumo de bebidas alcoólicas numa forma de
acalentar os tais problemas, afirmando que não é a melhor solução: “uma das
principais demonstrações de autocontrole diante de problemas e de determinação
em resolvê-los é não recorrer a bebidas para fugir de momentos aparentemente
difíceis”. (FISHMAN, Ross. Op. cit., p. 49.)
Na minha convivência com jovens da mesma idade,
aproximadamente entre os 17 e 18 anos, na transição dos anos de 1980 para os
1990, percebi os jovens costumavam consumir bebidas alcoólicas no meio e finais
do ensino médio (2º e 3º ano). No inicio somente os rapazes, mas depois algumas
moças degustavam algum tipo de bebida alcoólica, embora timidamente o que era
raro para aquela época.
Voltando ao assunto a respeito do tabagismo,
recordo com lucidez no inicio dos anos 1980 que os comerciais envolvendo
cigarros como um dos mais consumidos, a marca “Hollywood” que tinha como
slogan, “Hollywood, o sucesso” e que apresentava jovens de boa aparência em
ambientes saudáveis fumando cigarros numa constante alegria, numa completa
satisfação.
Talvez estes comerciais tenham incentivado muitos
jovens a se tornarem fumantes. Atualmente estes comerciais tratando-se do
tabagismo traz um novo conceito sobre o vício, pois é comum visualizarmos nas
embalagens o impacto que o fumo causa no organismo e um slogan que diz o
seguinte: “não existe meios seguros para o consumo deste produto”. Será que a
indústria de bebidas alcoólicas também estamparão nos seus rótulos os
malefícios da ingestão do álcool? Isto pode ser possível futuramente, mas
talvez seja algo que não se passa pela cabeça dos consumidores, nem dos
produtores das bebidas alcoólicas. Conforme Silveira:
“Lembrem-se sempre de que o dinheiro gasto em
cigarros ou em bebidas alcoólicas, é um dinheiro mal gasto. Temos visto muitas
pessoas furiosas trazerem de volta aos comerciantes frutas ou alimentos que
adquiriram e depois notaram que estavam estragados ou imprestáveis. Reclamam
outro produto, ou o seu dinheiro de volta, e saem ainda fazendo alarde contra o
comerciante que esta envenenando o povo com produtos deteriorados. Não
obstante, este mesmo indivíduo ingere um cálice de pinga e compra um maço de
cigarros sem muitas vezes se aperceber de que adquiriu um veneno pior do que
uma fruta principalmente estragada [...].” (SILVEIRA,
Ajax C. da. O Drama do Tabagismo: causas, consequências e solução. 3ª
ed. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1982, p. 68.)
Se a mídia, naquela década, influenciou vários
jovens ao tabagismo, com certeza no final desta mesma década a própria tenha
influenciado vários jovens ao consumo das bebidas alcoólicas, principalmente a
cerveja, embora com um teor mais brando que as destiladas, não deixam de ser
uma substância psicoativa que vicie.
Como citei no inicio do parágrafo, foi no final dos
anos de 1980 e início dos anos de 1990 que estes comerciais intensificaram,
pois imagine um jovem ou qualquer pessoa que aprecie algum tipo de bebida
alcoólica na frente da televisão, num dia de calor visualizando aquele
comercial com muita gente bonita numa praia ou no bar degustando uma cerveja
gelada e se dirigir-se ao bar mais próximo de sua casa e não cometer o mesmo
ato daquelas pessoas do comercial? Eu já senti esta tentação como muitos
outros. Luci Mara Bertoni enfatiza no seu artigo esta “sedução” a respeito das
bebidas alcoólicas que a mídia expõe:
“As bebidas alcoólicas parecem fazer parte
indissociável de nossas relações sociais e a mídia vem desempenhando um
importante papel para que seu consumo seja cada vez mais difundido,
especialmente o de cerveja. De maneira particular, as propagandas estão sempre
relacionadas à juventude, à virilidade e ao prazer provocado pela ingestão de tais
bebidas. Sol, praia, lazer, prazer e “corpos perfeitos” são a atração para
isso.” (BERTONI, Luci Mara. Op. cit., p. 177.)
A curiosidade para experimentar outras bebidas
quando a mídia estampava os comerciais a respeito também das bebidas
destiladas. Uma vez durante as nossas saídas noturnas durante a primeira metade
dos anos 1990, tivemos curiosidades para experimentar o Campari, pois aquele
comercial era muito atraente, com uma linda mulher de vermelho saboreando a
bebida, e nos incitava a consumir a bebida e numa destas festas bebemos pelo
menos dois litros. Só que a experiência não foi muito agradável para alguns,
porque houve náuseas e vômitos devido à ingestão exagerada, e no dia seguinte,
uma terrível ressaca, algo já esperado, pois não estávamos acostumados com a
ingestão de bebidas alcoólicas e, a partir desta experiência, percebi o perigo
que o álcool provoca quando usado em demasia.
Por isso, as indústrias de bebidas investem muito
dinheiro para expor seus produtos na mídia e claro com suas estratégicas de
marketing, publicidade e em outras ocasiões usando pessoas influentes da mídia
como atores, modelos, apresentadores de programa de auditórios e até jogadores
de futebol para atrair as pessoas com o objetivo de consumirem seus produtos.
Segundo Fishman. “O álcool existe enaltecido pela publicidade e encontra-se à
venda em qualquer lugar das cidades. Isso facilita a adoção dessa droga nos
rituais sociais e cria grupos de pressão, principalmente entre os jovens”. (FISHMAN, Ross. Op. cit., p. 46.)
Recentemente a indústria das destiladas, a Ypióca,
marca genuinamente cearense e que em 2012 foi vendida para a o grupo de bebidas
inglês Diageo, que mantém também o monopólio do produto Smirnoff por R$900
milhões e contratou nada mais nada menos que o ator norte americano John
Travolta para um comercial na cidade do Rio de Janeiro com o slogan “vamos
brasilizar”, pura estratégia de marketing para atrair consumidores. Por
incrível que pareça, não é que está dando certo, pois numa dessas festas
promovidas pela Prefeitura Municipal de Ipu, na ocasião, no aniversario da
cidade (2013), alguns jovens portava dois litros do produto e clamavam em coro,
“vamos brasilizar”. Eis ai a influência da mídia na consumação das bebidas
alcoólicas.
Falando da fabricação das bebidas alcoólicas nas
cidades interioranas é comum à existência de alambiques ou aqueles fabricantes
artesanais especialmente da cachaça sejam na zona urbana quanto na rural em
especial, pois na região serrana da cidade de Ipu são comuns os alambiques onde
a maioria da produção alcoólica abastece os estabelecimentos comerciais da
cidade de Ipu, bem como cidades vizinhas e também Fortaleza onde há uma grande
aceitação deste produto ou em outras ocasiões até para regiões longínquas como
a Norte e Sudeste, pois muitos preferem a cachaça nordestina em lugar das
produzidas na sua região.
Conversei com um destes fabricantes de bebidas
artesanais, o Senhor Francisco Martins que me relatou o seguinte: “eu tinha
registrado uma fabrica de bebidas. No tempo das bebidas que tinha muita saída a
Ginebra era uma delas e trabalhei vários anos com este produto, sofri bastante,
saia daqui com uma grande carga para o Maranhão [...]”. (Francisco Gonçalves Martins, 90 anos, viúvo, comerciante.
Entrevista realizada em Ipu-Ce, aos 10 de outubro de 2010.)
Atualmente o Senhor Francisco Gonçalves Martins
trabalha apenas com a fabricação de licores, proprietário de uma venda deste
produto com o nome “Licor do Amor”, onde o mesmo relatou que muitas pessoas da
cidade compram seu produto e , é claro, turistas, pois a venda fica situada
estrategicamente na rua que dá acesso ao cartão postal da cidade de Ipu, a
queda d’água conhecida por “Bica do Ipu”.
A publicidade a respeito das bebidas alcoólicas se
tornou muito mais impactante no final dos anos de 1990 e início dos anos 2000,
pois no esporte abarcando varias modalidades com exceção é claro, do atletismo,
os comercias de cervejas, das bebidas destiladas estão estampadas nos estádios,
nos carros de competições automobilísticas e ate patrocinam eventos esportivos.
Um grande exemplo é a marca holandesa Heineken que é a empresa que patrocina a
“Champion’s League”, mais conhecida para nós brasileiros como a “Liga dos
Campeões da Europa”, mas não deixa de ser uma influência para os consumidores,
pois há quem entre os jovens a curiosidade de consumir tal produto que há
poucos meses já chegou aqui na cidade de Ipu, embora um pouco mais cara que as
outras marcas Antártica, Skol, Brahma, etc., conforme Lima:
“No Brasil, estima-se que tal faturamento esteja
por volta dos 20 bilhões de reais ou mais [...]”. Dentro deste contexto, a
indústria de cerveja emprega mais de 40.000 pessoas diretamente, e gera mais de
120.000 empregos indiretos. A contar com outros postos de trabalhos podemos
estimar a grande força geradora de recursos representadas por esta indústria.
Somando os postos de trabalhos da indústria do vinho e de destilados (cachaça),
constata-se o vigor das indústrias de bebidas alcoólicas no Brasil. Se
acrescentarmos toda rede comercial (mais de 10 milhões de pontos de venda), o
numero de pessoas engajadas é bem elevado.” (LIMA,
José Mauro Braz de. Op. cit., p. 23.)
Nos bares mais sofisticados já é possível
percebermos jovens degustando a cerveja holandesa. Neste caso, podemos afirmar
que uma cerveja tenta sobressair melhor que às outras concorrentes nas suas
campanhas de publicidade como “esta é a mais gostosa”, “paixão brasileira”, “a
número um”, “uma grande cerveja”, enfim como afirma Bertoni:
“A propaganda começa com uma paisagem de deserto,
há um senhor sentado numa cadeira em frente a um bar que possui, varanda duas
geladeiras com cervejas. Chega um grupo de “motoqueiros”, eles pegam uma
cerveja não identificada, e fazem gestos de que esta é a melhor. Em seguida
chega um jovem motociclista acompanhado de uma jovem e abre a outra geladeira
para pegar a cerveja para qual se está fazendo propaganda. Todos riem do casal.
Enquanto estão rindo, passa um caminhão, levanta poeira e suja todas as latas
de cerveja, porem, as cervejas do casal estão protegidas por um papel de
alumínio que é o diferencial da cerveja. Ambos se entreolham, riem e abrem a
sua cerveja. O senhor da cadeira ri da sujeira dos outros questão completamente
sem graça e a propaganda termina com todos bebendo a mesma marca da cerveja,
cujo slogan admite como a única de verdade.”(BERTONI, Luci Mara. Op. cit., p.
178 )
Geralmente, as propagandas de cervejas, vinhos, bem
como as destiladas vêm acompanhadas de slogans como: “Beba com moderação” e “Se
for dirigir não beba”, numa forma de conscientizar quem se utiliza das bebidas
alcoólicas de quem bebe demasiadamente e aqueles que misturaram bebida com o
volante, mas todos estes alertas não diminuem o número de alcoólatras muito
menos os acidentes de trânsito, tanto nos centro urbanos como nas estradas,
fato que iremos abordar no item “Violência e Desordem”, segundo Bertoni:
“No tocante às propagandas de bebidas alcoólicas, a
mídia vem fazendo uma mobilização no sentido de garantir a sua veiculação. Por
isso foi criado o Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitaria –CONAR-
que, em 1º de outubro de 2003, aprovou um código para regulamentá-la as
propagandas de bebidas alcoólicas, fazendo que as indústrias veiculassem em
suas propagandas, alertas tais como: “beba com moderação” ou “se for dirigir
não beba”. Entes ou outros alertas, definidos pelo CONAR (2006), aparecem
impresso nos rótulos das bebidas e/ou são transmitidos em propagandas nos mais
diversos meios de comunicação [...].” (BERTONI, Luci Mara. Op. cit., p.177
- 178.)
O consumo de álcool entre os jovens menores de 18
anos durante as ultimas décadas aumentou substancialmente, pois é possível
testemunharmos a adesão ao vicio, principalmente nas festas joviais na qual a
chamam de Rave, onde são consumidas cervejas, além das destiladas. No
meu modo de ver, tais festas seriam semelhantes à antiga tertúlia, porém naquele
tempo os jovens não tinha acesso ao álcool como é comum no cotidiano. Mas são
hábitos que se modificaram ao longo dos anos, não que eu ache normal um jovem
menor de 18 anos empunhar um copo de bebida seja de qual gênero for, mas como
não há fiscalização por parte das autoridades competentes é difícil solucionar
o problema do alcoolismo na juventude. Muitos que começaram a beber por volta
de 10 anos atrás hoje são alcoólatras e as perspectivas de vida são incertas e
se tornando um verdadeiro problema social.
Os efeitos negativos futuros para um jovem que se
entrega ao vício são catastróficos e avassaladores, pois o vício pode minar
suas esperanças de um futuro promissor, de suas responsabilidades como ser
social, pois a juventude é imatura e não tem preocupações com o que virá a
frente, talvez pense que é eterna e que nunca irá envelhecer, mas a juventude é
algo que passa num piscar de olhos e quando se percebe já são adultos e sem
nenhuma ocupação formal, porque ainda vivem debaixo das asas dos pais e como
não tem, digamos, um oficio que lhes deem a garantia de autonomia, sustentam-se
no perigoso vício do alcoolismo e assim enveredam por caminhos incertos,
segundo Lima:
“Outros problemas relacionados ao uso de que o
álcool entre jovens, são, também, de grande relevância, no tange de outros
aspectos da vida: os problemas relacionados com a saúde (biopsicossocial), o
desempenho escolar ou acadêmico, os relacionamentos sociais, o comprometimento
com a família, a atividade relativa ao trabalho etc., enfim, com todos os
cenários nos quais os jovens estão inseridos. Estas alias, não é uma questão só
do nosso pais, mas grande parte dos países do mundo, onde o consumo de bebidas
alcoólicas vem aumentando, de modo preocupante nas últimas décadas.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p. 128.)
Quando somos jovens vivemos numa certa pressão
social onde comportamentos e hábitos existem, sejam de boa ou de má índole,
pois a sociedade é munida desses paradoxos e a todo o momento, somos sujeito as
influências como o hábito de consumir álcool, por exemplo. A companhia de
amigos mais velhos ou vinculados a certo grupo é uma forma que se cria tal
hábito, pois como já relatei é fora do ambiente familiar que se adquire o tal
vício, já que existe certo receio do jovem de se expor ao vício, temeroso de
uma repreensão por parte da família e tende a esconder dos parentes que é
usuário do álcool.
Durante o final a segunda metade da década do novo
milênio, a indústria fonográfica, em conjunto com a grande mídia, lança varias
músicas, especialmente algumas que falam de bebida e mulher, esta em sentido
pejorativo denominando-a por vezes de “vagabunda”, “rapariga”, entre outros
sentidos que satirizam negativamente a mulher, onde os mais conservadores
tendem a ignorar e substancialmente criticar. Diferentemente das canções que
destacavam o boêmio e até uma aclamação a cachaça como na música de Oswaldo
Bezerra. “A cachaça amiga, não há quem me diga que não tem valor, por ela ser
tão boa, vivo assim a toa sem saber se impor. Ela dá coragem, ela dá vontade
pra inspiração[...]” (CACHAÇA AMIGA, Oswaldo Bezerra,
Copacabana, 1983.)
Gênero musical pela qual se atribui o nome de forró
eletrônico no Ceará e em outras regiões do Nordeste por se utilizar de vários
instrumentos eletrônicos em contrapartida ao forró autêntico onde se usava a
sanfona o zabumba e o triângulo. Devo citar uma dessas músicas que faz apologia
à velha cana da Banda de Forró
Garota Safada.
“Eu preciso de você, só você me faz sorrir.
E quando você esta do meu lado eu me sinto mais
feliz....
Olha cachaça.
Cachaça, cachaça eu te amo.
Cachaça, cachaça, cachaça eu te adoro.
Cachaça, cachaça você é o meu vício.
Preciso te dizer que sem você eu não vivo.”
Concluindo, estas músicas de certa forma
influenciaram na década passada e da mesma forma nesta um grande contingente de
jovens ao consumo das bebidas alcoólicas, pois é possível observamos estas
pessoas bebendo sem nenhuma moderação, às vezes, além da conta, chegando a um
estado deplorável como um provável coma alcoólico e até mesmo, tendo que ser
conduzidos até o hospital da cidade de Ipu, no intuito de tomarem glicose para
amenizar seu estado ébrio, algo comum nas festas, sejam promovidas pelo poder
público, sejam as particulares. Outra música do gênero que identifica o que
citei a respeito do consumo do álcool entre os jovens e é claro a sátira
negativa à mulher é a do grupo Aviões do Forró:
“Vou cair no pé.
Amanhecer cheio de mulher
Fazer aquele cabaré na calçada....
Quer ir mais eu vamo.
Quer ir mais eu vambora.
Beber, raparigar.
Fazer zueira.
Pra beber não tem hora.”
3.5. DESORDEM E VIOLÊNCIA PELA EMBRIAGUEZ
A desordem e a violência, seja ela de qual gênero
for, também são fatores que podem estar associados ao constante consumo do
álcool, pois são notórios estes casos e podemos observar tais fatos durante o
noticiário, sejam no jornal escrito ou falado radio e televisão, os acidentes
nas alto-estradas, bem como os de origem urbana e a violência doméstica
praticada por conjugues que quando não deixam sequelas, matam, segundo Lima:
“A violência, como formas de destrutividade humana,
sempre nos preocupou, mas foi no século XX e inicio deste que nos defrontamos
com níveis imagináveis e insuportáveis dela como fenômeno social. Hoje, boa
parte da violência urbana esta envolvida com o álcool outras drogas, de forma
marcante. Sobretudo nas grandes cidades, entre estas Rio e São Paulo, as taxas
de mortalidade retratam um cenário onde o traficante de drogas e o crime
organizado se destacam.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op.
cit., p.137.)
Tratando-se da violência a respeito do consumo sem
controle do álcool, devemos abordar que a tal violência não é apenas privilegio
dos grandes centros, pois os núcleos urbanos de médio e pequeno porte também se
deparam com situações envolvendo a violência por uma embriaguez exagerada e
crimes são elementos constantes. A respeito desta temática envolvendo o
alcoolismo e em paralelo aparecem as drogas mais comuns, estando também
associadas e outras como a maconha e o craque, porque muitos usuários destas
duas drogas ilícitas, de certa forma, também são usuários das bebidas
alcoólicas e uma vez associadas, o perigo para a sociedade é real como nos
explica Silveira:
“Afirmava-se que o álcool tornava os homens
embrutecidos, selvagens, feras, primitivos, trazendo à tona seus instintos
bárbaros e bestiais. Sua razão passava a ser obtusa, com falta de raciocínio e
perda da auto critica. Assim, apontava-se que o uso do álcool desintegrava o
caráter moral, alterando o raciocínio, ao mesmo tempo despertando “certos
instintos” brutais do homem, estimulando a ferocidade, as paixões, os ciúmes e
nessas condições facilitando o crime. Essas afirmações reforçam que o homem
devia ser equilibrado e educado para viver em sociedade, de cumprir seu papel e
primar pela razão.” (SILVEIRA, Ajax C. Op. cit., p.
69 - 70.)
São vários os casos de desordem envolvendo indivíduos
que não conseguem controlar seus ânimos quando estão à mercê da velha cana e
perdem a linha. Às vezes por motivos banais; outros, por uma desavença com
outros ébrios e até mesmo com pessoas em seu estado sóbrio. Como já citei,
existe uma “mutação” quanto ao humor das pessoas que fazem uso constante do
álcool como se entristecer, em algumas ocasiões, chorar, serem ranzinzas no seu
estado lúcido e se tornar verdadeiros “palhaços” num comportamento mais
infantil do que adulto. Quando embriagados, tímidos e depois descontraídos;
calmos e posteriormente violentos. São índoles transformadas pelo o estado de
êxtase provocado por varias dosagens de álcool no organismo, afetando seu
sistema nervoso, conforme Santos:
“O ébrio descrito fala muito mais do que deve, sem
preservar a intimidade, a reserva, os segredos, confortando as ordens sociais
(...). O “gaiato”, que fazia graças, em geral, eram inconvenientes, e alguns
autores destacavam uma grande variação de manifestação nesse primeiro momento,
que iriam do expansivo-alegre ao meditabundo-taciturno-tímido: tornavam-se
agitados, nervosos, irritáveis, discutindo com ênfase, ainda locomoviam-se com
facilidade em companhia de outros, causavam danos às propriedades, “agindo como
garotos”, atiravam pedras. Pode-se perceber que se questionava um comportamento
masculino mais extrovertido, aproximando ao ridículo, comparável ao macaco e as
crianças.” (MATOS, Maria Izilda Santos. Op. cit., p.59.)
Um dos fatos mais comuns tratando-se de violência e
desordem urbana por causa do alcoolismo é violência doméstica. Devo salientar
que ela não está restrita apenas ao sexo masculino, mas também o feminino, pois
no cotidiano o acesso das mulheres ao alcoolismo não é mais questão de tabu,
algo que já foi fragmentado há algumas décadas, pois antes só as profissionais
do sexo é quem faziam uso contínuo do álcool, porém este hábito tornou-se
frequente no lar, desestruturando a principal instituição da sociedade que é a
família. Seria um costume inato o consumo do álcool? Creio que este assunto
possa a vir ser contraditório, porque como já relatei no inicio deste capítulo,
as causas do alcoolismo na família nem sempre possa estar relacionado à
hereditariedade, mas por influência do meio.
Então, com as quebras de tabus e as mutações
sociais durante as últimas décadas é possível observarmos atualmente na cidade
de Ipu, o vínculo do sexo feminino com o consumo do álcool e uma possível perda
de identidade, porque outrora, a mulher era vista como ser dotado de recatos, o
“arcabouço da família” ou a “mola mestra”, a responsável por manter um ambiente
saudável dentro do lar, enfim, porém este paradigma foi quebrado e algumas
mulheres se desvinculam de seu verdadeiro propósito e seu papel dentro dos
parâmetros sociais.
Podemos associar o álcool à violência no que diz
respeito ao ciúme, pois é um sentimento que está arraigado à própria mulher ou
até mesmo a concubina, pois um cliente assíduo talvez pensasse ser proprietário
da mesma devido as constantes noites de prazer com a tal e como já relatei a
respeito das rixas, principalmente em ambientes onde predomina o vício, a
embriaguez, o prazer e a luxúria, no caso o cabaré.
Em outros casos, o ciúme gerado pela embriaguez
pode estar vinculado a uma espécie de paranoia psíquica e um suposto ciúme até
da própria companheira, pois esta, por sua vez, demonstra certo repúdio ao
dividir o leito com o marido alcoolizado, segundo Pedro Cardos Filho. “A
indiferença da companheira para o relacionamento sexual, durante o período de
bebedeiras com embriaguez frequente, aumenta no alcoólatra o ciúme e a suspeita
de infidelidade”. (FILHO, Pedro Cardoso. Op. cit.,
p. 89.)
Um caso envolvendo a embriaguez e que teve
repercussão até na mídia estadual foi o assassinato de mãe e filha durante o
mês de maio de 1993. Realmente, foi uma tarde macabra e que chocou toda a
sociedade ipuense. Um homem munido de uma “insanidade” provocado pelo
alcoolismo foi protagonista de um crime, concordando com o que diz Santos: “As
discussões em torno do alcoolismo como fator indutor ao crime estiveram
centradas nos estudos da medicina legal, já que nos tribunais, cotidianamente,
as discussões sobre o alcoolismo e violência apareciam”. (MATOS, Maria Izilda Santos de. Op. cit. p. 70.)
“De Assis” era o nome do assassino que naquela
tarde de quarta feira, 19 de maio de 1993, cometeu um crime bárbaro, quando na
ocasião em que cometera o delito tentou estuprar uma mulher quando a mesma
lavara roupa e não conseguindo o objetivo empunhou uma faca desferindo alguns
golpes na sua vitima ceifando-lhe a vida e consequentemente observada pela a
filha e como o assassino não queria testemunhas a “pobre menina” teve o mesmo
desfecho de sua genitora.
Não demorou nem 24 horas, a polícia conseguiu prender
o meliante numa residência nas proximidades da região serrana da cidade de Ipu
conhecida como Várzea do Jiló e conduzindo-o ao cárcere na Antiga Cadeia
Publica de Ipu, atual Casa de Cultura Walderez Soares, onde se iniciou um
interrogatório do suposto criminoso e segundo testemunhas tudo levou a crer que
se tratava realmente do assassino. Com relação a cadeia, segundo Foucault. “A
prisão um quartel um pouco estrito, uma escola sem indulgência, uma oficina
sombria, mas levando ao tudo, nada de qualitativamente diferente. [...]”. (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento das
prisões. 29ª Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2004)
Segundo o inquérito policia l (Inquérito Policial Nº. 11 do dia 20 de maio de 1993,
relatando o Duplo Homicídio do dia 19 de maio de 1993, localizado no arquivo do
Fórum de Ipu, Dr. Francisco Pereira Pontes), o duplo assassinato,
aconteceu um dia antes do linchamento, 19 de maio de 1993 por volta das 15h30,
no Bairro do Cafute, zona oeste da cidade de Ipu, onde Maria Paiva de Oliveira
(25) e Francisca Josilene Paiva de Oliveira (10) foram encontradas mortas com
varias perfurações à faca, mostrando como foi terrível este crime. Após a
prisão e já encarcerado, a polícia não teve como conter a população enfurecida,
inclusive pedindo reforço ao destacamento de Tianguá/Ce. Inutilmente, pois era
impossível conter os ânimos dos populares. Lembro bem quando meu tio que na
ocasião era “maestro” da Banda de Música e por consequência do acontecimento
suspendeu o ensaio e como a sede ficava próximo ao hospital, testemunhamos
alguns policiais, portando armas de grosso calibre com as cabeças feridas por
pedras supostamente atiradas pelo público.
Creio que este foi um erro da policia conduzi-lo
para a cidade, pois há algum tempo, quando a população soube da prisão do
assassino, se dirigiu para o local onde o “monstro” estava trancafiado. Eram
dezenas de pessoas enfurecidas de varias localidades da cidade e não paravam de
cessar, pedindo a cabeça do assassino. A quem diga que quem incitou a população
a se dirigir para o local foi o locutor da Rádio Iracema de Ipu, Bosco Farias,
mas tratando-se de um crime desta natureza, talvez nem precisasse incentivar a
população, pois a comoção associada à fúria estava estampada em cada rosto
daquele fatídico 20 de maio de 1993, segundo Jairo Alves Gomes, graduado em
história. “A multidão quebrou os cadeados dos portões que dava acesso ao
interior da cadeia e arrombando o portão da cela coletiva, conhecida como
“geraldão”, onde “De Assis” tremia de medo, desesperado pela morte que se
aproximava. Tentou desesperadamente esconder-se dentro do banheiro, como último
recurso para escapar do seu cruel destino. (...) Mas já era tarde! “De Assis”
foi arrancado com violência e trazido pra frente da Cadeia, onde sua vida foi ceifada
por pedradas na cabeça”. (104 GOMES, Jairo Alves. A
Cadeia Pública de Ipu: A cadeia Pública e a Violência Coletiva,
(1933-1999). Ipu-Ceara: Monografia de Graduação em História da Universidade
Estadual Vale do Acaraú –UVA. 2012, p. 49.)
Além da violência nos bairros periférico e daqueles
acontecidos no prostíbulo da cidade de Ipu durante o final da década de 1970
até a primeira metade dos anos 1980, destaco dois episódios que marcaram
negativamente o Pavilhão Bar, ponto de encontro da juventude local. O primeiro
foi à morte de uma pessoa bastante conhecida da sociedade ipuense em maio de
1994, envolvendo um funcionário dos Correios Edilson César Martins e dois
rapazes embriagados da cidade de Crateús que desde cedo procuravam encrenca e
nesta noite trágica de domingo, num confronto corpo a corpo com um dos rapazes
que portava uma arma de fogo, a mesma disparou, atingindo de cheio o peito
ceifando a vida do funcionário público e uma bala perdida que atingiu o pescoço
de um jovem comerciante, chamado Carlos Humberto, proprietário de uma locadora
de vídeo games e que dias depois veio a óbito devido à gravidade do ferimento.
Este crime, pelo o que levantei a respeito não teve
um desfecho, porque parece que alguns dos parentes e amigos da vitima prendeu um
dos rapazes e deu um fim na sua vida, após saberem que o Sr. Edilson não havia
resistido ao ferimento. Anos depois, os supostos autores foram julgados e por
não haver provas concretas contras os réus foram absolvidos do crime. Outros
casos a respeito de violência também ocorriam, mas eram apenas brigas de jovens
e que rapidamente cessavam com a turma do “deixa disso”:
“Pelo conselho de sentença, na sessão de julgamento
dos réus foi reconhecida a tese levantada pela defesa, de que os membros não
cometeram os crimes que lhes foram atribuídos pelo ministério publico, tendo o
mm. Juiz prolatado sentença absolvitória. Foi pelo mm. Juiz designado o dia
25/11/97, as 08:00 horas, parar sessão de julgamento dos réus.” (Processo nº: 800-95.2000.8.06.0095 art. 121§ 2º CPB. Sobre
o crime de esquartejamento e ocultação de cadáver na cidade de Ipu em maio de
1994.)
Outro foi durante o carnaval de 2004 quando num
tiroteio, uma bala perdida atingiu uma jovem matando-a. Estes episódios
repercutiram negativamente para este local, o calçadão do Pavilhão Bar, que aos
poucos os jovens foram se esvaindo e atualmente são poucas as pessoas que
frequentam este lugar. Só recebe um público mais expressivo durante os
novenários do Padroeiro São Sebastiao (janeiro) e de São Francisco
(setembro/outubro), no período carnavalesco, ou quando a Prefeitura Municipal
de Ipu promove algum evento festivo como a Festa do Município na Praça da
Estação Ferroviária que é bem próximo a este bar.
Coincidentemente, um ano apenas separam os dois crimes
na cidade de Ipu, as mortes da mãe e filha, seguidas do linchamento do
assassino e o crime do Pavilhão Bar e por incrível que pareça no mesmo mês
(maio). As pessoas ficavam apreensivas quando se aproximava o mesmo mês em
1995, mas foi apenas uma expectativa negativa e não houve nada de aparente
durante o mesmo período relativo aos anos de 1993 e 1994, mas são fatos que
ainda estão bem vivos na memória dos ipuenses e que também são motivos para se
levantar um debate aonde muitos atribuem tais tragédias, associadas ao
alcoolismo.
Um fator comum por mortes provocadas pela
embriaguez são os acidentes de trânsito, tanto na cidade como também nas
estradas estaduais ou federais, pois o cosumo do álcool é algo comum entre os
motoristas e gera o que chamamos de imprudência, colocando a sua vida em risco
bem como de outros motoristas e pedestres. Fato comum na cidade de Ipu,
especialmente nos finais de semana, estes imprudentes acabam por se tornar
assassinos em potencial, pois são responsáveis diretos pelos óbitos no trânsito
movidos pelo consumo das bebidas alcoólicas. Segundo Silveira: “Estima-se que
72% dos acidentes de transito no Brasil envolveram uma pessoa alcoolizada. Os
acidentes não são provocados somente por profissionais condutores de veículos
automotores. Também podem acontecer com motoristas amadores ou outras pessoas
que assumem a responsabilidade de dirigir em estado de embriaguez alcoólica”. (SILVEIRA, Ajax C. Op. cit., p. 95.), a
exemplo do inquérito policial sobre embriaguez ao volante num flagrante feito
pela policia de Ipu em uma via pública. “Consta incluso inquérito policial que,
na madrugada do dia 28 de maio de 2013, por volta das 00h30, na Rua Teles de
Sousa 406, Altos dos 14, nesta comarca de Ipu, Francisco Dias Ferreira,
qualificado fl. 10, conduzia veículo alto motor, na via pública sobredita sobre
influencia do álcool.” (Inquérito policial nº
059/2013 (proc. 5802-89.2013) sobre embriaguez ao volante em via pública.)
As ruas do Ipu se tornaram uma espécie de pista
para corrida ou rally, quando nos finais de semana pessoas movidas de
uma embriaguez excessiva conduzem seus veículos automotivos em alta velocidade
onde vias públicas permitem a velocidade mínima entre 40 e 60 km, presenciamos
seus veículos em velocidades entre 80 e 100 km, desrespeitando o que determina
as leis impostas no trânsito. Outros casos são os acidentes nas Rodovias
Estaduais ou também os acidentes como aponta o inquérito policial:
“Consta incluso no inquérito policial no dia
18/12/2013, por volta das 19h30, na Rodovia Estadual 187, localidade da Várzea
do Jiló, zona rural, nesta comarca de Ipu, Antônio Freire Duarte, qualificado a
fls. 12, conduzia veículo automotor com a capacidade motora em razão da
influencia do álcool. Segundo restou apurado, na data dos fatos, o denunciado
conduzia o veículo Polo, marca Volkswagen, Placas HXY 4099, pelo local descrito
acima quando envolveu em um acidente automobilístico com um veiculo D-20.
Policiais militares, em patrulhamento, após serem comunicados do fato,
abordaram o denunciado para a fiscalização momento em que se constatou que este
ostentava sintomas de embriaguez.”(Inquérito policial
nº 6576-22. 2013, sobre embriaguez ao volante em uma Rodovia Estadual na zona
rural de Ipu.)
Para tentar diminuir o número de acidentes
envolvendo o trânsito, são feitas constantemente campanhas antialcoólicas,
principalmente durante os feriados prolongados como o Carnaval, Semana Santa, e
os chamados “feriadões” como o feriado de Corpus Christi.
Mesmo com a conscientização são vários os números
de acidentes, especialmente nas autoestradas federais e umas das maiores
causas, quando não é a imprudência é a embriaguez misturada com o volante e os
telejornais neste período divulgam na mídia vários acidentes, levantando
números ocorridos durante o feriado em relação ao ano anterior do mesmo
período. Geralmente, a mídia estampa nos comerciais o slogan “se for dirigir
não beba”, como forma de alertar para o perigo do álcool ao volante. Mas, pelo
que percebi parece que não causa muito efeito nos motoristas, pois muitos não
respeitam a chamada “Lei Seca” e o resultado negativo são os vários feridos e
muitas mortes durante os feriados. Segundo Lima:
“Nos últimos anos, o Brasil vem assistindo, no seu
cotidiano, a milhares de mortes anunciadas, de certa forma evitáveis provocadas
pelos acidentes de transito em nossas estradas. Somos um dos primeiros países
no índice de mortalidade por causas externas, e os acidentes são a primeira
causa de morte na população jovem de 18 a 29 anos (a segunda entre todas as
causas). Conforme dados recentes morreram mais de 35.000 pessoas em 2006 [...].
Contudo, a estimativa de mortes por acidentes, segundo dados de outros autores,
passa de 40.000, atualmente. Concordamos que esta observação, pois os sistemas
de notificação e a própria cultura dos não-registros nos Boletins de Ocorrência
(B.O) dos hospitais, contribuem para um numero bem menor do que o estimado.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p. 105 e 106.)
3.6. ALCOÓLICOS ANÔNIMOS: “VENHA E TRAGA MAIS
UM”
Muitas pessoas imaginam que os Alcoólicos Anônimos
é uma espécie de facção religiosa e que cura dos males do vicio do álcool
aqueles que procuram por esta irmandade. A irmandade foi fundada em 1935 com
intuito de resgatar para a sociedade aqueles degenerados pelo vício desenfreado
do álcool. Muitos a procuram numa forma de minimizar os problemas causados pelo
álcool e reestruturar sua condição de ser social antes perdida neste submundo.
O caminho é árduo e tortuoso, mas o que vai garantir para o individuo é a sua
perseverança, abstenção da cachaça ou outra substancia a base do álcool. Creio
que quase todas as cidades brasileiras possuam o grupo A.A, pois existe um
grande contingente de dependentes químicos se tratando do álcool nestes núcleos
urbanos e as mazelas sócias produzidas pelo uso constantes das bebidas
alcoólicas, por isso estes grupos tentam atrair com o seu mútuo auxílio, um
número expressivo de “adeptos” para a irmandade, como afirma Silveira:
“ANONIMOS (A.A.): Constitui-se num movimento ou
irmandade fundada em 1935 por dois alcoólatras que em poucos anos se impuseram
com eficiente meio de conseguir a reabilitação de alcoólatras. Contam no
momento com mais de um milhão de membros em todo mundo, formando 25.000 grupos
em mais de 92 países. Possuem um bom número de livros e folhetos que distribuem
com zelo e muita dedicação. Eles mesmos fazem sua definição nos seguintes
termos: “Alcoólatras Anônimos” é uma irmandade de homens e mulheres que se
ajudam mutuamente a manter sua sobriedade e que se dispõem a compartilhar
livremente sua experiência de recuperação com qualquer um que possa ter
problema com a bebida.” (SILVEIRA, Ajax C. Op.
cit., p. 184.)
Durante as três visitas que fiz ao grupo A.A. da
cidade de Ipu, fundada em 26 de julho de 1986, constatei que o grupo havia
aumentado para um número superior a trinta, pois na sua antiga sede localizada
no prédio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipu, há alguns anos atrás
percebia que poucos frequentava esta irmandade, creio que não chegava a uma
dúzia de membros, mas em pouco mais de uma década o número de pessoas
triplicou.
Visualizei algumas pessoas que em outras épocas
eram alcoólatras em potencial e que ao entrar no seu estado inebriante
protagonizavam as mais absurdas cenas, arrancando risos de alguns e repúdio de
outros, principalmente durante os meses festivos de Janeiro e Fevereiro, pois
me recordo que enquanto a Banda de Música tocava os tradicionais dobrados um
desses frequentadores do A.A que hoje é regenerado, dançava no patamar da
Igreja Matriz aos olhos esbugalhados do Monsenhor Moraes, claro, este
desaprovando tal atitude e aquelas senhoras que faziam ou fazem parte do
Apostolado da Oração, balançando a cabeça ao passar pelo “dançarino”. Algo que
me intriga a respeitos desses sujeitos é que sempre quando estão embriagados,
frequentam as novenas e missas será que em seu estado sóbrio tomariam a mesma
atitude? Sempre acontecem fatos como este nos novenários na cidade de Ipu,
segundo Silveira:
“As práticas de autoajuda inspiradas direta ou
indiretamente no modelo A.A tornaram-se influentes em outras formas de
tratamento de comportamentos compulsivos, mas, apesar de sua origem mais laica,
o modelo do A.A tem se tornado parte de um movimento mais amplo de via
devocional no recrutamento religioso para o abandono ou a substituição de
dependências (entre as quais a própria devoção religiosa em suas formas
extremas também poderia ser incluída).” (SILVEIRA,
Ajax C. Op. cit., p. 193.)
Assim, o A.A como uma entidade de recuperação na
cidade de Ipu mantem relações estreitas com outras instituições como os
hospitais locais que objetiva a recuperação dos “doentes”, apesar de haver
certo confronto com a medicina que detém a ideologia da tal recuperação, em
contrapartida o A.A usa a sua filosofia dos Doze Passos como uma espécie de
terapia sem necessitar de procedimentos profilaxos vinculados à medicina.
Visto deste ponto de vista, percebo que o A.A possa
de certa forma, possuir tais forças no intuito de libertar o viciado e
devolvê-lo a sociedade, pois em algumas ocasiões pessoas que são internados em
clinicas de desintoxicação ou que tomam algum medicamento contra o alcoolismo
podem a vir ter uma recaída e uma vez acontecendo tal fato o paciente retorne
ao vício mais ferrenhamente do que antes da sua internação.
Não posso afirmar ou concordar com tal fato, mas
reconheço que de todas as pessoas que frequentaram ou frequentam o A.A da
cidade de Ipu, jamais voltaram a beber novamente, pois acreditam que a volta ao
vício os tornariam piores do que já eram, segundo afirmação de um dos
frequentadores da irmandade.
Durante a reunião ouvi falar dos “Doze Passos
Sugeridos” e as “Doze Tradições” para a regeneração da pessoa que tem problemas
com o alcoolismo, ou seja, para uma pessoa ingressar na irmandade basta ter a
boa vontade de parar de beber ou “evitar o 1º gole”, este é um dos lemas da
irmandade, além daquele que diz o seguinte: “Se o seu caso é beber, o problema
é seu. Se o seu caso é parar de beber, o problema é nosso”. Não é necessário
segundo o presidente do grupo ipuense, o Senhor Pedro Nicolau, pagar algo para
ingressar no A.A, mas há algumas contribuições dos próprios membros para pagar
taxas de luz e água, aluguel ou um lanche que é ofertado aos membros. Com
relação ao tratamento, afirma Silveira:
“A base do tratamento esta firmada nos doze passos
e o método utilizado é o fazer dos próprios membros “terapeutas”,
compartilhando entre si das experiências semelhantes no sofrimento e na recuperação
do alcoolismo. Não fazem uso de medicamentos, usam isto sim, os doze passos e
as doze tradições que Procuram estudar e pôr em pratica em suas vidas.” (SILVEIRA, Ajax C. Op. cit., p. 185)
O A.A não faz distinção de sexo, mas não vi nenhuma
mulher participando do grupo, apesar de algumas exagerarem no consumo das
bebidas alcoólicas como citei nos subitens anteriores, porém acredito que
talvez seja porque o número de mulheres vinculadas ao vício seja mínimo em
relação à população masculina. Mas devo dizer que tanto mulheres quanto os
homens não procuram a ajuda do A.A por não se considerarem alcoólatras ou
“doentes”, mesmo que bebam em demasia. Silveira trata este assunto com mais
relevância tratando-se da questão de uma possível cura para o alcoolismo. “O
programa de recuperação proposto pelos Alcoólicos Anônimos tem como ponto de
partida evitar o primeiro gole, a fim de conseguir abstinência absoluta através
da experiência, força e esperança, almejando-se a sobriedade e vivendo-se
apenas um dia de cada vez sem ingerir bebidas alcoólicas”. (Ibidem, p. 140 - 141.)
O grupo dos Alcoólicos Anônimos também não faz
distinção das pessoas que frequentam a irmandade, pois todos são iguais
tratando-se desta patologia (alcoolismo) e o dever da entidade é recuperar o
doente, não expondo quem é, porque se trata de um anonimato, mas o “doente” tem
que ter forças para superar o vício dentro do grupo, pois a partir do momento
em que anônimo se compromete em ser sincero num questionário de doze perguntas,
respondendo apenas sim ou não. Geralmente as reuniões do grupo A.A são fechadas
e o seu sistema terapêutico são os depoimentos dos membros e também uma troca
de experiência, procurando um novo norte para sua vida minimizando aquela vida
passada onde o vício os consumia tanto o corpo, quanto a alma e lógico como já
foi relatado à desestruturação da família, pois o álcool como outra droga não
afeta apenas o individuo que a consome, mas toda a família, principalmente
quando envolvem os pais, como afirma Silveira:
“Em Alcoólicos Anônimos, todos são iguais perante a
doença e sua intenção é tornar conhecido o seu programa de recuperação e nunca
as pessoas delem fazem parte. Por esta razão é que existe o anonimato, que não
deve ser entendida como uma norma disciplinar. O anonimato se caracteriza, em
sua essência, como uma demonstração de humildade e até mesmo como uma
demonstração de segurança da irmandade, evitando o aparecimento de seus membros
através da imprensa falada, escrita e televisiva.” (SILVEIRA,
Ajax C. Op. cit., p. 143.)
Durante a minha visita na sede do A.A, algumas
pessoas pensavam que eu estava participando da reunião como um novo membro, mas
o presidente do grupo esclareceu que se tratava de um convidado que gostaria de
conhecer o grupo. No decorrer dos depoimentos algumas pessoas relatavam sobre a
infeliz experiência que tiveram com o álcool e os fatos que marcaram esta parte
negra de suas vidas como as irresponsabilidades, os desgostos que provocava na
mulher e nos filhos, a perda do trabalho associado a sua identidade como
cidadão, até procuraram nos hospitais da cidade de Ipu ajuda para conter seu
dilema em relação ao álcool, porém no Ipu não temos clinicas especializadas em
desintoxicação, apenas na capital do Estado, o que geralmente os hospitais de
Ipu oferecem como de costume é glicose como uma espécie de cura de uma
“embriaguez violenta” do dia anterior, enfim.
Nestes depoimentos e relatos, vejo o quanto o
álcool é degenerativo e indissociável, pois existe uma exclusão social para
aqueles que se deixam levar pela embriaguez incontrolável de cada dia. Numa
entrevista, um dos membros do A.A relatou nos seguintes termos. “Se acaso não
tivesse parado de beber talvez nem estivesse aqui para lhe contar a história,
pois a cachaça estava acabando com a minha vida, meu emprego, minha condição
social, mas com muita força de vontade consegui largar o vicio e com a ajuda de
amigos procurei o A.A” (Claudio Roberto Clementino,
42 anos, músico. Entrevista realizada em Ipu-Ce, aos 15 de setembro de 2013.).
Masur afirma no seu trabalho “O que é alcoolismo” a associação entre
instituições hospitalares e a irmandade do A.A.
“[...] O pressuposto é que a quebra do habito
alcoólico permitiria ao alcoólatra rever sua relação com o álcool. Alguns
hospitais mais especializados fornecem durante a internação possibilidade de
assistir a grupos A.A (que vem ao hospital), realizam os chamados “grupos
terapêuticos” e prestam esclarecimentos, através das palestras, sobre os
malefícios causados pelo álcool” (MASUR, Jandira. Op.
cit., p. 49.)
Geralmente surge um preconceito social quanto ao
usuário em potencial das bebidas alcoólicas, pois própria sociedade não quer
absorver para si a responsabilidade de criar meios para combater o “mal do
alcoolismo” e é claro as cidades interioranas como o Ipu não possuir tais
mecanismos para diminuir o número de alcoólatras existentes, mesmo sabendo o
usuário que é real o perigo que as bebidas alcoólicas representam para o corpo
bem como para sua vida social.
Creio que seus comportamentos esdrúxulos possam ser
o “pivô” para o afastamento de algumas pessoas perante a situação, pois em seu
estado ébrio se tornam seres sem pudor, mentirosos, enraivecidos e vários
predicados que os tornem repulsivos. Por estes pressupostos, convivem com a solidão
e desespero e é intrigante neste contexto, não existir Politicas Publicas de
Saúde de para sanar o problema, apenas quando tais indivíduos assumem que são
alcoólatras e procuram grupos de cura e libertação no caso do A.A, pois
acredito que as drogas oferecidas pelas Clinicas de Recuperação não possa ter
um efeito desejado (ouvi relatos na própria na mídia de pessoas que
supostamente fugiram destas Casas de Recuperação, caindo novamente no vício).
Alguns indivíduos, não suportando as dosagens
clinicas, apelam para um analista ou um psiquiatra, coisa que também não surte
quase nenhum efeito. Alguns possam fazer a seguinte indagação: você já se
internou ou consultou este dois profissionais? Não, como afirmei, colhi estes
relatos da mídia. Por este motivo coloquei o subitem, “Venha e Traga Mais Um”,
que o grupo coloca como uma espécie de incentivo para que os membros da
irmandade se prontifiquem de conscientizar aquelas pessoas que convivem com o
alcoolismo, Em relação aos medicamentos e tratamento, afirma Lima:
“Com relação aos medicamentos, muitos já foram
propostos, porem não há qualquer “remédio” mais especifico, até porque seria
utópico esperar uma medicação para um problema multilateral, como é o
alcoolismo. Contudo, diversos produtos, sobretudo, os antidepressivos, têm sido
papel coadjuvante importante. Mais recentemente, a indústria farmacêutica
lançou medicamentos mais específicos, cujos resultados iniciais foram
animadores, sendo que os pacientes não deixaram de manter o acompanhamento
fisioterapêutico, socioeducativo ou de frequentar o A.A.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p. 176.)
Momentaneamente, sobre a adesão de pessoas ao grupo
A.A, percebo que existe certa recusa de alguns, pois os indivíduos que pratica
o alcoolismo não se consideram alcoólatras e diz não precisar de auxilio da
irmandade para tal “cura”, mas percebo que não precisa ser alcoólatra para
frequentar o grupo, porque observei que pessoas mesmo não tendo contato com o
álcool, frequentam a irmandade como forma de apoiar o trabalho, dando uma
contribuição social contra o vício, porque tiveram parentes com graves
problemas a respeito do consumo do álcool.
Estas pessoas têm a consciência de que o álcool é
uma patologia grave e intensifica ainda mais os problemas, principalmente da
classe menos abastarda, porque, embora no estado inebriante, estes problemas
são esquecidos, mas quando retornam a si, novamente caem na bebedeira e
torna-se como uma espécie de ciclo recorrente e supostamente o indivíduo já tem
se tornado um alcoólatra em potencial e, dificilmente, encontrará uma saída
para se livrar do vício, por isso há uma preocupação em pelo menos diminuir a
porcentagem de pessoas que se envolve com o alcoolismo avassalador, como afirma
Fishman:
“Outras razões profundas podem levar as pessoas ao
uso de drogas como o álcool para anestesiar o “desconforto de existir”. Esses
fatores são chamados existenciais por implicarem uma dimensão filosófica da
condição humana que envolve o sentido (ou o não sentido) da existência. Segundo
Sartre, a conscientização de que a existência não tem sentido gera sentimentos
de profunda angustia e ansiedade de (a “náusea” existencial) que só podem ser
superados se cada indivíduo eleger um sentindo da sua própria vida, consciente
de que a união de esforços com seus semelhantes torna a existência mais fácil
para todos” (FISHMAN, Ross. Op. cit., p. 53.)
Na realidade, a recuperação de um alcoólatra é uma
missão difícil mesmo para as “terapias” do A.A, bem como as internações
clinicas, pois há muito tempo, países economicamente ricos tem desenvolvido
fatores clínicos para a recuperação dos “doentes” patrocinadas pelos governos
desses países, Alemanha, França Estados Unidos, entre outros. No Brasil as
clínicas especializadas na recuperação dos alcoólatras como citei, são quase
que inexistentes tendo uma pequena parcela dessas clínicas nos grandes centros
urbanos como as capitais de cada Estado e cidades que tem uma economia mais
expressiva, porém a maioria delas é particular, enquanto as sustentadas pelo
governo brasileiro são mínimas. Apenas internações onde os casos são de extrema
gravidade, segundo Lima:
“Portanto, aqui no Brasil não se trata,
essencialmente e fundamentalmente, de capacidade, de capacitação dos
profissionais da área da saúde, uma vez que já possuem um nível elevado de
competência técnica, mas sim de estratégias em nível de politicas publicas de
saúde ao nosso contexto. Com custos relativamente mais baixos de por meio desta
nova concepção de alcoologia, pois der--se-ia evoluir para o nível mais amplo e
mais abrangente da saúde coletiva dentro do contexto de saúde pública. O
próprio Sistema de Saúde Publica (SUS) poderia ser mais bem utilizado para
fazer frente a este problema relevante e prevalente, que é o alcoolismo no
Brasil.” (LIMA, José Mauro Braz de. Op. cit., p.
179.)
Mesmo assim, o processo de reabilitação é gradual e
pode levar meses para que o ex- alcoólatra possa tomar a sua vida normal e
condições para o convívio social novamente ou mesmo para o trabalho e
minuciosos cuidados para que não haja reincidência a respeito do uso do álcool,
pois as recaídas são quase que frequente em recuperados e as tentações existem,
por isso a importância do grupo A.A, e nesse contexto, as palestras, as
experiências e convivência, podem funcionar como terapia e conscientização do
perigo de novamente se deparar com o “mal” do alcoolismo. O “delirium
tremuns” como citado anteriormente é um distúrbio caracterizado daquelas
pessoas que tiveram uma interrupção alcoólica e muitas delas são munidas de
intensa agitação, desorientação e alucinações.
Por isso, muitos que têm a recaída falam para si
mesmos, “só uma dose e nada mais”, não sabendo que sempre é conveniente e
eficaz evitar o primeiro gole como recomenda o próprio A.A, para evitar qualquer
recomeço no vício, como afirma Fishman. “Comprovou-se que a maioria dos
alcoólatras que voltam a beber depois de um período de abstinência recai no
vício. Geralmente começam a bebendo pequenas doses espaçadas ao longo da
semana, mas quase sempre acaba sentindo incontrolável necessidade de aumentar
as doses e a frequência da bebida.” (FISHMAN, Ross. Op.
cit., p. 66)
Esta temática a respeito da recuperação do
alcoólatra está centrada em diversos aspectos que envolvem a própria sociedade
no sentido de conscientização e prevenção desta patologia tão degradante física
e moral daqueles que convivem diariamente “dentro” do vício e instituições
importantes como a Igreja Católica, bem como as protestantes se prestarem neste
serviço social, pois é dever destas instituições religiosas denunciar o vício
exacerbado e promover campanhas antialcoólicas. Pelo que colhi a Igreja
Católica já deu a partida como já citei na pessoa do pároco Padre Raimundo
Nonato Timbó que criou a “Campanha da Sobriedade”, em conjunto com o grupo A.A,
abordando os males que o álcool causa ao ser humano e a destruição moral como a
sua imagem de cidadão e é claro a fragmentação da instituição familiar.
Reconheço que a entrega incondicional do individuo
ao álcool o torna escravo do mesmo e dilacera suas perspectivas futuras quanto
a sua própria promoção social, porque são notórias para todos os usuários as
consequências negativas do vício como a força física, cognitiva e sensorial e a
moral espiritual, algo que é debatido com frequência no A.A. Por Isso resolvi
escolher este tema para o meu TCC, no intuito de reafirmar que o alcoolismo é
um problema social e muito grave e claro as mazelas por ele produzidas como já
foi relatada no capitulo anterior. Naturalmente é difícil para alguém aceitar
que é alcoolista e claro a sua abstinência, doravante não serem incluídos no
rol dos que fazem uso continuo das bebidas, mas devemos crer que o
potencialismo do vício geralmente começa nas pequenas dosagens e lógico,
consequentemente, partindo para as dosagens mais expressivas.
Estas pessoas que se envolve com o alcoolismo usam
continuamente o jargão, “beber para matar o bicho”, historicamente se diz que é
sempre bom tomar dois tragos logo cedo para que o álcool matem os supostos
vermes que atacarão o homem durante o dia, mas segundo a medicina, o uso
contínuo do álcool nestas circunstâncias matará próprio homem antes dos vermes,
pois a mesma acusa que existem profilaxias mais positivas no tratamento dos
tais vermes, como afirma Silveira. “As bebidas alcoólicas são absorvidas antes
de atingirem os vermes o intestino grosso, e diluídas no sangue. São
prejudiciais ao homem que aos vermes. Quando se bebe para matar o bicho, é o
bicho homem que esta sendo morto. Para os vermes há outros venenos eficazes que
as bebidas alcoólicas”. (FISHMAN, Ross. Op. cit., p.
95.)
Concluindo, é preciso apresentar formas
educacionais para a prevenção do alcoolismo, apresentando-a como uma droga
letal e perigosa para quem a use inadequadamente e que comecemos isso na
escola, pois sabemos que hoje, a adesão de jovens antes mesmo da maioridade é
real. Outras alternativas são as campanhas efetivas dirigidas a sociedade pelo
grupo A.A que tem sua eficiência nestas empreitadas, porque é sabido que tais
campanhas são realizadas apenas durante o carnaval, feriados prolongados e
também uma ação e fiscalização dos nos diversos estabelecimentos comercias que
se abstêm de perguntar qual a idade do consumidor, sendo um facilitador para o
vício desses jovens e para que não se torne um hábito e consequentemente se
tornarem alcoólatras. Mas considerando os fatos recorrentes hoje na sociedade,
que estes esclarecimentos sejam feitos de maneira simples sem se utilizar de
diálogos de teor aterrorizador, mas um diálogo brando com especialista da área
de saúde munido de conhecimentos básicos sobre a periculosidade da embriaguez
associada ao alcoolismo.
Considerações finais
No desenvolvimento deste trabalho buscamos
informações a respeito da embriaguez desde a sua introdução na humanidade, devo
dizer que não foi bem complexo, mas um pouco da história, fazendo uma relação
com a consumação na atualidade. Recorri ao trabalho de Henrique Carneiro e
outros autores (as) como Maria Izilda de Matos Santos, Jandira Mansur, bem como
Margareth Rago no que diz respeito aos prostíbulos existentes na cidade do Rio
de Janeiro e asa entrevistas e informações prestadas por pessoas que tiveram
problemas ou que frequentavam ambientes como o cabaré do Ipu.
Na análise da pesquisa podemos chegar a conclusão
que o alcoolismo associada a embriaguez possa está vinculada a diversos aspectos
como os rituais religiosos, desde a antiguidade, quanto a costumes e tradições
arraigadas dentro de cada sociedade como celebrações por bodas, nascimento de
um filho e até nos rituais fúnebres. Os comportamentos de indivíduos quanto a
uma consumação exacerbada ou a busca de amenizar algum problema ou entrave que
os atormentava, porém na pesquisa relatamos que o alcoolismo não resolve
problemas, mas os agrava. O bar como reduto dos boêmios, seja estes
estabelecimentos situados nas áreas abastadas com seus requintes ou mesmo na
periferia, local onde se aglomerava a maior parte das pessoas que consumiam
álcool em especial a cachaça devido o preço acessível para aqueles que eram
desprovidos de uma renda mais expressiva. É claro que neste local surgiram pessoas
que são lembradas constantemente por suas embriaguezes ou algo que eram marcas
registradas destes atores sociais.
Os males que a embriaguez possa acarretar aos
alcoolistas em potencial, a degeneração do caráter ou a expectativa de dias
melhores, pois as políticas de saúde publica praticamente são inexistentes na
nossa cidade e o número de pessoas vinculadas ao vício vem crescendo a cada
década.
Emblematizamos também a consumação entre jovens
especialmente das ultimas duas décadas ou na transição do século XX para o XXI,
onde a adesão da juventude ao hábito de beber passou a ser comum dentro da
sociedade ipuense, não obstante perceberem o perigo que o vício pode
proporcionar. Por isso destacamos a mídia como uma espécie de influenciadora,
pois na prática é plausível que este recurso possa ser uma “mola mestra” para o
consumo, mas que estampa no final de cada propaganda vem o slogan “beba com
moderação”.
Para finalizar detalhemos o trabalho do A.A., a
irmandade responsável pela recuperação dos alcoólatras as atividades
desenvolvidas pelo grupo ou mesmo pessoas que não tendo problemas com o vício,
mas que de certa forma dão sua contribuição a irmandade.
FONTES ESCRITAS
Inquérito Policial
Nº. 11 do dia 20 de maio de 1993, relatando o Duplo Homicídio do dia 19 de maio
de 1993, localizado no arquivo do Fórum de Ipu, Dr. Francisco Pereira Pontes.
Processo nº:
800-95.2000.8.06.0095 art. 121§ 2º CPB. Sobre o crime de esquartejamento e
ocultação de cadáver na cidade de Ipu em maio de 1994.
Inquérito policial
nº 059/2013 (proc. 5802-89.2013) sobre embriaguez ao volante em via pública.
Inquérito policial
nº 6576-22. 2013, sobre embriaguez ao volante em uma Rodovia Estadual na zona
rural de Ipu.
FONTES ORAIS
Claudio Roberto
Clementino, 42 anos, solteiro, músico. Entrevista realizada em Ipu-Ce, aos 15
de setembro de 2013.
Drª Francisca
Gonçalina Martins Timbó, 48 anos, casada, diretora do CAPS, Ipu/ce, entrevista
realizada no dia 3 de julho de 2014.
Francisco
Gonçalves Martins, 90 anos, viúvo, comerciante. Entrevista realizada em Ipu-Ce,
aos 10 de outubro de 2010.
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