VIVIANE PRADO BEZERRA
(Texto adaptado a partir da monografia de graduação em História, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú –UVA, ano 2004)
INTRODUÇÃO
Com o intuito de complementar a
historiografia local, esta pesquisa apresenta um olhar sobre o período da
Ditadura Militar na cidade de Sobral.
A partir da Imprensa e da História
Oral, percebemos nossa cidade envolvida por acontecimentos e discursos dos
quais nos serviram de problematizações para o direcionamento de nossa pesquisa.
A memória política de Sobral passa, a partir deste trabalho, por um
processo de reinterpretação numa tentativa de se atribuir sentidos às
particularidades encontradas no universo político, social e religioso de nossa
cidade.
A vontade de falar sobre a Ditadura
Militar na cidade de Sobral surgiu pela sensação de “inexistência” de
discussões sobre esse período histórico em nossa cidade. Não se observa nas
produções historiográficas locais uma preocupação em resgatar a atmosfera da
cidade naquele momento. Sendo assim, a impressão que se tem é que Sobral se
preservou alheia aos discursos e sentidos que estavam sendo produzidos pela
direita ou pelas esquerdas daquele momento ditatorial no Brasil.
Com a Nova História (Sobre a
importância da Nova História para os novos caminhos trilhados pela história
política, principalmente a partir da década de 1970, ver: FALCON. F. História e
Poder In: Cardoso, C.F. e Vainfas, R. Domínios da História. Editora Campus. Rio
de Janeiro, 1997. Ainda nesse sentido, Falcon traz uma discussão sobre os
conceitos de política e poder, tentando relacioná-los quanto ao seu universo de
significações para as novas abordagens da história política. A microfísica do
poder, de Foucault, é apontada nesse sentido.) vimos, no meio acadêmico, a
inserção de novos objetos e novas abordagens que proporcionaram aos
historiadores uma pluralidade de temáticas a serem trabalhadas a partir dessa
perspectiva histórica. Nesse sentido, a história política, a partir dos anos
70, passou a ser redimensionada, no sentido de trazer para as discussões
historiográficas os sujeitos e os acontecimentos que estiveram à margem da
história oficial. Assim.
“... a nouvelle histoire possibilitou
a abertura para concepções novas e variadas a respeito de temas pouco
freqüentados pela historiografia: os poderes, os saberes enquanto poderes, as
instituições supostamente não-políticas, as práticas discursivas...” (Idem, p.
75.)
A micro história possibilitou o resgate
das cenas do cotidiano, das relações sociais, de gênero, ou políticas de apenas
uma parte do todo. Assim a micro história surge como redentora de uma história
local, atribuindo às suas particularidades atenção necessária para que se possa
entender e interpretar seus sentidos dentro de um todo. “Cada vez mais o global
deixará de ser pensado em termos de totalidade mas, sim, como espaço de
dispersão de múltiplas unidades. Tudo que se tem agora são unidades
parciais, locais, definidas por procedimentos específicos.” (Ibidem, p. 74.)
Desse modo, encontramos nos liames de
nossa estrutura de poder local, bem como nas especificidades encontradas no MEB
(Movimento de Educação de Base), no Dia do Senhor, e ainda, nos discursos
forjados a partir do Correio da Semana e da rádio
Educadora do Nordeste subsídios de análise para compreendermos tais
manifestações, em nossa cidade, como acontecimentos isolados mas que a partir
de sua historicidade, tentamos interpretá-las com o intuito de atribuir
significados às particularidades de nossa política local. Nessa perspectiva,
“Postular-se a diferença/especificidade
da nova história política será afirmar, também sua cientificidade e modernidade
- com direito a uma existência legítima lado a lado da história social, da
econômica, da demográfica etc.” (Ibidem, p. 77.)
De modo geral, percebemos o interior do
nosso estado prejudicado quando não encontramos nas discussões sobre a nossa
história local, essa temática. A ditadura Militar parece ter sido sentida
apenas na capital. As representações desse sistema ditatorial e as expressões
de resistência encontradas, a partir de nossa pesquisa, nas manifestações
locais parecem não significar variantes de nossas especificidades históricas.
Logo que pensamos em Ditadura Militar,
direcionamos nossos sentidos para aquela realidade de intensa repressão, torturas
e mortes presentes no cotidiano do brasileiro a partir de 1964, ou seja, logo
nos relacionamos com a realidade presente no universo das capitais do país.
Esse fato nos parece estar atrelado a uma produção historiográfica comprometida
com a reconstituição da história do Brasil vinculada, principalmente, aos
espaços urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro, ou quando se fala em Nordeste
sempre se toma como referencial a cidade de Recife, assim, parece que o
restante do Nordeste se preservou alheio quando se trata desse período.
Com aniversário de 40 anos do golpe, o
dia 31 de março de 2004 surgiu como data-símbolo daquilo que se quis lembrar
como sendo o período mais repressivo e antidemocrático da história do Brasil
recente. A partir de então, os olhares da academia passaram a se voltar para a
nossa temática.
Isto posto, esta pesquisa não se trata
simplesmente de enfatizar datas e fatos históricos. O que se deseja é construir
um universo favorável a discussões que, ao mesmo tempo, provoque um resgate
memorialístico do que se viveu, criando também possibilidades de
problematizações e reinterpretações de um dado momento histórico. Toda nossa
pesquisa estará engajada neste objetivo.
A partir de 31 de março de 1964, o
Brasil passa a viver sob Estado de Exceção. A ditadura militar aqui instalada
viria a liquidar toda liberdade democrática da população brasileira.
Movimento liderado pelos militares, o
golpe de 1964 traz consigo várias contradições. A própria denominação de
revolução suscita questionamentos. Teria ocorrido em 1964 um golpe, uma
revolução ou uma contra-revolução ?
No entender de Manoel de Andrade a
intervenção militar de 1964 significou para Jango, enquanto governo
constitucional, um golpe militar típico das repúblicas latino-americanas, já
para os militares que deflagraram o movimento, significou uma revolução que
iria impedir que o Brasil fosse levado a uma república sindicalista-comunista
e, para um terceiro grupo, teria sido uma contra-revolução da direita que
impediria que os interesses dos latifundiários, da classe média e da Igreja
fossem ameaçados com o avanço das idéias reformistas do governo de Jango.
(ANDRADE, M. C. 1964 e o Nordeste: golpe, revolução ou contra-revolução?
Contexto. São Paulo, 1989)
Outro fator curioso é o não planejamento
de uma ditadura tão longa. Para àquele momento o que se desejava era a queda de
Goulart e o impedimento de um pretenso avanço comunista no território
brasileiro. Otávio Costa, militar entrevistado em visões do golpe, afirma:
“Acho que essa vertente (castelista)
via aquela intervenção sob forma pretoriana, o que quer dizer: normalizada a
situação, os militares passariam o governo aos civis. Tanto assim que Castelo
queria que seu mandato fosse apenas a terminação do de Goulart.” (D‟ARAÙJO,
M. C. et. alli. Visões do Golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro.
Relume- Dumará, 1994. p.89 parênteses nosso. Ainda sob esse raciocínio ver:
DROSDOFF, D. Linha dura no Brasil: o governo Médici 1969-1974. Global. São
Paulo, 1986.) Em ANDRADE, op. cit. p.) encontra-se um
outro ponto de vista sobre a pretensão de governo dos militares: “Ficava claro
que o plano do regime militar era o de manter-se no poder por um tempo muito
longo, ao contrário do que esses políticos, que haviam apoiado o movimento militar,
esperavam.”
Com isso fica claro que o período
pré-64 foi extremamente descentralizado, ou seja, não se teve uma visão
uniforme de como deveria se dar o golpe, prova disso foi a existência de grupos
de conspiração. Um fator interessante sobre a existência desses grupos é que
costumáva-se dividí-los em grupo dos radicais e grupo dos legalistas, dos quais
se aglomeravam em torno das figuras de Costa e Silva e Castelo Branco,
respectivamente.
No entanto, a experiência de uma
república ditatorial militarista não se restringiu ao Brasil. Países como
Chile, Argentina, Uruguai e Bolívia também passaram por governos autoritários.
Salvo a experiência chilena, que durante o governo do general Pinochet, também
passou por seus “anos de chumbo”, os demais países que tentaram reproduzir o
modelo militarista brasileiro não obtiveram êxito. “A experiência Argentina
mostrou quão frágil pode ser a unidade militar e como é difícil obtê-la. O
modelo militar brasileiro mostrou-se bastante limitado quando oficiais de outros
países tentaram aplicá-lo.” (DROSDOFF, op. cit. p.
Para os militares entrevistados
em Visões do Golpe, o comício da Central do Brasil, o comício do
Automóvel Club e ainda a mobilização dos marinheiros, juntamente com o
efervescente imaginário anticomunista, significou o começo do fim para o
governo de João Goulart. Tais manifestações representavam uma tentativa de
ruptura da hierarquia dentro das forças armadas, fato inconcebível para a
ideologia de ordem e disciplina, pregada pela doutrina militarista.
Uma semana após esses acontecimentos,
estouram nas principais capitais do país, as chamadas Marchas da Família com
Deus e pela Liberdade. Era a reação imediata da Igreja e de uma classe média e
média alta, que viam numa república comunista total perda de seus bens, além de
uma transgressão moral dos conceitos de religião, propriedade e família.
Durante o período de 1964-1985
costuma-se dividir o regime militar em três etapas: (Quanto a divisão por
etapas dos governos militares no Brasil ver: MENDONÇA, S. R. et alli. História
do Brasil Recente: 1964-1992. Ática. São Paulo, 1996; WEIS, L. Et. Alli.
Carro-zero e pau-de-arara: O cotidiano da oposição de classe média ao regime
militar In: História da vida privada no Brasil 4. Org. Novais, F. A. Companhia
das Letras. São Paulo, 2000.) Primeiro, os governos de Castelo Branco e
Costa e Silva, que representaram a auto-afirmação de uma nova proposta de
governo, ou seja, significou a institucionalização desse novo governo, que
buscou justificar sua legitimidade através de subsídios legais (Leis de
Segurança Nacional) ou de dispositivos “inventados” (uma justificativa para a
extinção dos partidos políticos, sendo permitidos apenas ARENA e MDB, cassação
de mandatos políticos e a criação de atos institucionais).
A segunda fase compreende os anos de
1969-1973, período governado por Emílio Garrastazu Médici. Período também de
maior notoriedade das rupturas democráticas propostas pela ditadura. Com Médici
no poder, o Brasil chega ao ápice de seus contrastes. O “Brasil potência”
embalado por um discurso desenvolvimentista calcado no binômio
desenvolvimento/segurança, era também o Brasil da censura, das torturas, da
alta inflação, do exílio e do arrocho salarial.
Dessa forma, o fenômeno do milagre
brasileiro foi uma jogada de marketing que deu certo por um bom tempo. Ajudou a
ludibriar a população e, de certa forma, mascarar a dura realidade do processo
ditatorial no Brasil. “Os limites estreitos desse ensaio de mobilização
controlada fizeram com que o povo – convocado a deslumbrar-se com as conquistas
do “Brasil Grande Potência” – perdesse a sedução pelo debate político,
marginalizando-se dele.” (MENDONÇA, op. cit., p.)
Foi no governo Médici, que mais se
utilizou, do aparelho de Estado montado em cima da ideologia de segurança
nacional. Os atos institucionais de n.º 1, 2, 3 e 4 já vinham servindo como
suporte regulador da Ditadura instituída, mas o AI-5 serviu como justificativa
legal para todas as arbitrariedades cometidas pelos militares. Sem dúvida, essa
parcela “politizada” da classe média também sentiu muito os reflexos desse
Estado repressor.
Por outro lado, também durante esse
período se procurou uma preservação da unidade nacional. O projeto de
integração nacional veio, de certa forma, garantir o controle regional,
estadual e municipal do país. A construção da Transamazônica e o fortalecimento
das superintendências regionais (SUDENE e SUDAM), ou ainda o fortalecimento de
alianças políticas com chefes oligárquicos locais, permitia ao governo federal
uma maior atuação no interior do Brasil. No Ceará, a “política dos coronéis”,
como veremos mais adiante, só pôde existir devido esse universo político,
calcado no projeto de integração nacional.
Num primeiro momento, achamos
conveniente contextualizar a cidade de Sobral e sua relação com a política
estadual, numa tentativa de levantar as particularidades e especificidades
vivenciadas pela nossa “história local”. Nesse momento, o Ceará tinha no
governo uma equipe de militares que se revezaram no poder durante todo o
período ditatorial. Essa política foi o que, posteriormente, denominou-se de
“Política dos Coronéis”, uma espécie de oligarquia que apresentava como modelo
político todas as representações e práticas de clientelismo, nepotismo,
proselitismo, etc. como variações de uma política continuísta do sistema
oligárquico de outrora.
Finalmente, de 1974-1984, com os
generais Geisel e Figueiredo, daria-se início a chamada distensão “lenta,
gradual e segura”. No entanto, bem como os dois primeiros, o período da
abertura também mostrou suas contradições.
Já em meados da década de 1970, o
Brasil passou a sentir as conseqüências do “milagre”. A inflação chegava a
atingir índices exorbitantes e, cada vez mais se via denúncias de torturas,
mortes ou desaparecimentos de pessoas que haviam sido presas ou que se
prestaram a IPMs (Inquérito Policial Militar). Desse modo:
“A permanência do arbítrio e do
alijamento dos setores populares associou amplas camadas sociais, da imprensa à
igreja, do movimento estudantil às associações de moradores, contribuindo para
que as reivindicações que germinavam desde os primeiros anos da década viessem
à tona por volta de 1976-77, no quadro da crise de legitimidade porque passava
o então regime militar” (MENDONÇA, op. cit. p.)
A pressão da sociedade para a volta da
Democracia se tornava cada vez mais visível. Em 1979, a anistia, embora
beneficiando também os militares repressores e excluindo os participantes da
luta armada, para àquele momento, significou um avanço político.
A partir de então, tudo caminhava para
uma maior abertura. O movimento pelas eleições diretas (Diretas Já!) no início
da década de 1980 viria coroar a volta do regime democrático no Brasil.
Nessa perspectiva, dentro desse
universo de transformações político-sociais, pensamos em analisar, a partir de
nossa pesquisa, os sentidos que foram produzidos por essa ditadura em Sobral.
Buscamos, ao longo desse trabalho, interpretar os acontecimentos e os discursos
construídos em cima destes, com o intuito de trazer para nosso leitor caminhos
viáveis de entendimentos sobre o que essa realidade ditatorial significou para
nossa cidade.
A partir disso, a pesquisa estará
dividida em três capítulos. Assim, cada capítulo trará uma discussão que busque
um diálogo do nosso objeto com as interpretações forjadas a partir da
compreensão e análise de nossa problemática.
No primeiro capítulo, procuramos
contextualizar a política estadual e municipal a partir do quadro ditatorial
daquele momento. Trazemos uma discussão sobre oligarquia, enquanto forma de
governo, não mais como sistema e sim como representações culturais desse antigo
sistema, resistentes nas práticas percebidas em nossa estrutura do poder local.
A estrutura política do Brasil, desde o
início de sua história republicana tem se mostrado favorável à formação de
oligarquias, enquanto sistema político definidor de sua estrutura de poder.
Embora essa cultura oligárquica não
tenha nascido com o sistema republicano, sendo uma herança remanescente dos
fins do Império, foi durante a República Velha que conseguiu maior
representatividade no cenário político brasileiro. (Sobre a República Velha
e o papel da revolução de 1930, enquanto fator desestruturador das oligarquias
nacionais, ver: FAUSTO, B. A Revolução de 1930: historiografia e história.
Companhia das Letras. São Paulo, 1997.)
No entanto, a Revolução de 1930 viria
desarticular a Política do Café com Leite, liderada pelos estados de São Paulo
e Minas Gerais, e a Política dos Governadores, introduzida por Campos Sales.
Dessa forma, a revolução que levou Getúlio Vargas à presidência do Brasil em
1930, significou uma desestruturação dos pilares de sustentação das principais
oligarquias nacionais.
Entretanto, essa aparente ruptura dos
sistemas oligárquicos no Brasil se mostra resistente quando forças políticas
locais se apropriam de práticas clientelistas e mandonistas, de puro caráter
oligárquico. Assim, “...a maior centralização é facilitada pelas alterações
institucionais que põem fim ao sistema oligárquico, o que não se confunde com o
fim das oligarquias. Intocadas em suas fontes de poder, estas subsistem como
força local...” (12 Ibidem, p.142)
Dessa forma, trazemos uma discussão
sobre as variadas representações do sistema oligárquico, numa tentativa de
contextualizar nossa política local, para melhor entendermos as especificidades
encontradas no universo político de nossa cidade.
Para isso, foi necessário recorrermos
às atas de reuniões da Câmara municipal de Sobral, do ano de 1968, que,
enquanto objeto de análise, possibilitou-nos um olhar mais direcionado às
questões municipais, em que pudemos perceber as nuances dos discursos que se
construíram a partir dessa realidade ditatorial em Sobral.
Para dar ênfase à expressão que tal
Ditadura alcançou em todo o Brasil, recorremos a um Processo de Representação
do ano de 1975, no qual vemos como uso jurídico o artifício da Lei de Segurança
Nacional.
No segundo capítulo, tentamos produzir
uma discussão sobre a forma como a Ditadura Militar vinha sendo apresentada a
partir dos meios de comunicações em Sobral. Direcionamos nossa pesquisa,
principalmente, para a análise do discurso jornalístico, que, a nosso ver,
proporcionou um alargamento das interpretações que foram se fazendo ao longo de
nossa pesquisa.
Utilizamos como subsídio para esse
estudo o jornal Correio da Semana, único periódico a circular na
cidade no momento de nosso recorte temporal. Tal jornal, pertencente à Diocese,
de caráter católico-conservador, estava sendo dirigido pelo Cônego Egberto
Rodrigues de Andrade.
Considerando o jornal como um todo e
entendendo a sua complexidade, enquanto meio de comunicação social, o Correio
da Semana se apresenta para nós com inúmeras perspectivas de análise,
no entanto, centralizamos nossos olhares para àqueles artigos que traziam em
seu corpo, discussões políticas ou político-religiosas.
Desde 1966, a Igreja Católica vinha
comemorando o dia mundial das comunicações sociais. Tratava-se de uma
iniciativa destinada a dar seqüência as diretrizes aprovadas em 1962, pelo
Concílio Vaticano II (1962-1965). A nova proposta da Igreja em trazer para a
pauta de suas discussões a realidade social dos pobres da América Latina,
abrindo espaço para um trabalho social vivificado a partir da ação das
Comunidades Eclesiais de Base (CEB‟s), do Movimento de Educação de Base (MEB) e
de outros movimentos político-religiosos como o Movimento do Dia do Senhor, em
Sobral, redimensionou o comportamento desses meios de comunicação.
Assim, em para uma Leitura
Crítica da Comunicação, Melo discorre sobre a importância dessa nova
postura da Igreja para o fazer jornalístico comprometido com essa proposta.
“Ao fazer, nas duas últimas décadas,
uma „opção preferencial pelos pobres‟, a Igreja latino-americana,
particularmente a brasileira, tem se aproximado dos valore próprios das
populações camponesas e operárias, dos padrões típicos daqueles que se forjaram
como homens num ambiente que Paulo Freire denominou apropriadamente de „cultura
do silêncio.” (Melo, J. M. de. Para uma Leitura Crítica da Comunicação.
Edições Paulinas. São Paulo, 1985. p.176.)
Nesse sentido, concebemos o Correio
da Semana inserido nesse contexto, mas que dentro de uma ordem
ditatorial e reguladora dos sistemas de comunicação, oscilava entre a produção
de um discurso oficial forjado para legitimar, a partir da opinião pública, a
Ditadura Militar como forma de governo constitucional, e a produção de um
discurso social preocupado em despertar em seus leitores uma consciência
crítica diante das injustiças sociais vivenciadas, principalmente, por conta do
sistema capitalista, financiador de tal Ditadura.
Apresentaremos a Coluna do CETRESO e a
Coluna do MEB, como representantes de um contra-discurso percebido a partir das
entrelinhas desse jornal. Tais colunas refletiam o posicionamento da Diocese
diante desse universo de renovação eclesial, além de nos fornecer as
coordenadas necessárias para entendermos esse trabalho social como sendo uma
das variantes representações dos movimentos sociais resistentes à Ditadura
Militar em Sobral.
Longe de querermos produzir verdades,
estaremos aqui, apresentando possibilidades de entendimentos sobre os sentidos
que a Ditadura Militar possa ter produzido em Sobral, com o intuito de
contribuir para o enriquecimento de nossa historiografia local. Ciente da
imensidão de temáticas que podem vir a ser problematizadas, a partir de nosso
tema, pensamos nossa pesquisa como um dos caminhos que podem nos levar as
várias interpretações que possam vir a ser atribuídas por àqueles que
enveredarem por essa linha de pesquisa.
Por esse caminho, diante da riqueza de
nosso tema, estranha-nos a falta de discussões sobre o assunto em nossa cidade.
As lacunas sobre como se desenvolveu esse período ditatorial em Sobral, parecem
ter sido proporcionadas pelas diversas escolhas historiográficas até agora
apresentadas por nossa academia.
Percebendo esses silêncios ou “vazios”
em nossa historiografia local, fomos buscar na oralidade suporte para àquilo
que vínhamos sentindo falta, inclusive na produção dos discursos que estavam
sendo produzidos pelo Correio da Semana. Não encontramos uma
correspondência de tais discursos com os reflexos que àquela realidade
ditatorial estivera produzindo em nossa cidade.
Nesse sentido, nosso terceiro capítulo
se utiliza da memória de alguns sujeitos sociais, que contribuíram para a
construção de uma dada realidade histórica local, a fim de tentar entender, ao
mesmo tempo que interpretar, os porquês desses silêncios.
Apresentaremos algumas manifestações,
que passam a ser identificadas por nós, dentro de suas particularidades, como
importantes características de resistência a essa Ditadura.
A partir das lembranças de nossos
depoentes, tivemos conhecimento da existência de um movimento estudantil e de
uma repressão que chegou a modelar, não só o comportamento político, mas
principalmente, redimensionar o comportamento da Igreja, através da atuação de
padres engajados em trabalhos sociais, e dos meios de comunicação social, em
especial, o jornal Correio da Semana e a rádio Educadora
do Nordeste. Ambos pertencentes à Diocese de Sobral.
Assim, durante o processo de elaboração
dessa pesquisa, a cada passo avançado, nos aproximávamos e nos afastávamos
descontinuamente de nossa problemática inicial: descobrir os reflexos da
Ditadura Militar em Sobral. O contato com a Imprensa e com a História Oral,
enquanto fonte/objeto de análise, abriu-nos um leque de possibilidades
interpretativas, que nos fez perceber que àquilo que estávamos encontrando era
mais que simples reflexo. Naquele momento, em nossa cidade, estava se produzindo
resistências político-ideológicas que marcaram a memória e os discursos dos
sujeitos históricos que viveram esse momento.
1. “A Política dos Coronéis”: uma
extensão da Ditadura Militar no Ceará.
“Até quando, turbulenta Câmara,
abusarás de nossa paciência?(...)
Queixumes contrários ao pensamento ou
convicção de quem, na esquisita duplicidade legislativa, encontrasse
procedência ao expediente usado pela Câmara de sua predileção para expurgar a
outra, ilegítima, espúria, desenxabida, embora não soubesse qual a legal. E
ainda admitisse não haver insulto à cidade que está crescida e merece que se
lhe divulgue a importância, em manchetes, para ser alvo da atenção de todos,
mesmo dos que lhe tentam desdoirar, com piadas irônicas, desenvolvendo, lá fora,
a pecha de Sobral duas-avenidas, Sobral dois cemitérios, Sobral duas-câmaras.
(...)” (Correio da Semana, Sobral. 14 de maio de 1968. Ano 51. N.º 02. P.
07.)
Esse trecho extraído de um artigo do
jornal Correio da Semana reflete a situação política porque passava
a cidade de Sobral (Cidade situada ao Norte do estado aproximadamente 240 KM da
capital Fortaleza.) em 1968. A reportagem trouxe para a cena social, através
dos meios de comunicação, os conflitos vivenciados pela política local.
Em todo o artigo percebemos uma
insatisfação com a realidade política de Sobral daquele momento. A divisão da
Câmara dos vereadores denota quão arbitrária se mostrava nossa política
municipal. O autoritarismo e o individualismo dos líderes locais parecia
ultrapassar os limites dos direitos e deveres do poder público para com os
cidadãos fazendo da política, através de seus mandatos ou assegurados por seu
prestígio político, uma arena de disputas pessoais ou partidárias.
A citação acima se remete ao episódio
de fechamento da Câmara municipal, em 1968. Segundo Abdelmon Melo,
vice-presidente da Câmara, na época, o fato ocorreu quando em uma seção de
reunião houve um desentendimento entre os partidários de Cesário Barreto
(ARENA), que governara de 1963 a 1966, e o presidente da Câmara, José da Mata
(ARENA), que era partidário do então prefeito Jerônimo Prado.
Tal desentendimento resultou na
retirada de José da Mata e de toda sua bancada, como manifestação de apoio. A
partir disso, os vereadores coligados a Cesário Barreto, a mando deste,
fecharam a Câmara e passaram a impedir que seus adversários cumprissem o
expediente. A intenção de tal ato, seria a cassação de todos os vereadores
coligados a Jerônimo Prado. Assim, no prazo de cinco dias sem expediente, pela
lei, qualquer vereador perderia seus mandatos. Como lembra Seu Abdelmon:
“... não porque começaram a criticar o
Zé da Mata numa seção ordinária, e o Zé da Mata muito zangado e tudo,
retirou-se e pediu a bancada pra nos retirar, nós nos retiramos. Aí, eles
tomaram conta da Câmara, fecharam e ficaram fazendo seção secreta pra...
pensando nos cassar, né? Aí, quando foi no quinto dia, nós vimos que o negócio
tava sério e quebramo a Câmara. As portas muito largas do tempo do Império, nós
quebramos de marreta.” (Abdelmon Melo, Sobral. Entrevista gravada em 1.º de
outubro de 2003.)
Como podemos notar, a política do
interior se mostrava impregnada de particularidades que retratava, não só as
irregularidades da política municipal como também a própria estrutura de poder
na qual estava alicerçada tal política.
O estado do Ceará, nesse momento, vivia
sob a Política dos Coronéis. Os governadores Adauto Bezerra, Vigílio Távora e
César Cals, como veremos ao longo deste capítulo, proporcionaram, nesse
período, uma materialização das práticas culturais sobreviventes ao fim do
sistema oligárquico no Brasil. Tal cultura nortearia toda estrutura de poder
local abrindo margem para arbitrariedades que marcariam a política do interior.
O fato do fechamento da Câmara e sua
conseqüente divisão em duas, coincidem com o fato de se ter no universo
político de Sobral espaço para a existência de duas facções da ARENA, ARENA I e
ARENA II. Essa característica da política local vem a legitimar a atuação dos
vereadores e a fortalecer a idéia de mandonismo e autoritarismo como variantes
da prática de nossa política.
Tal divisão demonstra também a
expressão que o partido oficial da Ditadura militar alcançou em Sobral.
Pensamos esse cisma como resultado de intrigas políticas locais entre as
famílias Prado e Barreto, mas também como uma resistência ao bipartidarismo
ditatorial.
Com a Política dos Coronéis a
representação da ARENA, enquanto partido político, se tornou ainda mais
freqüente no interior do estado. No entanto, é a partir dessas variações
partidárias que percebemos a fragilidade da política quando se pensa em
homogeneizar ideologias e fidelidades partidárias. Nesse sentido;
“... a Política dos Coronéis tinha duas
táticas: a) união na cúpula e b) divisão nas bases, com isto não sobrava espaço
para o MDB ou o surgimento de novas lideranças.” (PARENTE, F. J. C. O Ceará dos
``coronéis`` (1945 a 1986) In: Uma nova história do Ceará. Org. SOUZA, Simone.
Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. Pp. 381-408. P.403.)
Por outro lado,“... a fragilidade desse
acordo (dos coronéis), portanto, era a falta de fidelidade nas bases.” (Idem,
p. 405.)
Desse modo, os conflitos políticos de
1968 tornaram-se visíveis para a população. O povo assistia perplexo às
irregularidades praticadas pelos líderes locais. Os meios de comunicação,
jornal Correio da Semana e as rádios Educadora e Tupinambá, se
encarregaram de repassar tais acontecimentos articulando-os em discursos que se
forjavam para justificar, defender ou criticar, um ou outro lado envolvido.
Em 21 de setembro de 1968, encontramos
na seção de política do Correio da Semana uma menção ao fato
das “duas Câmaras”, o vereador Francisco Cândido (ARENA) faz saber a população
local de sua insatisfação por conta de tal desrespeito com a política e com os
cidadãos de Sobral. Assim,
“O vereador Francisco Cândido
Nascimento vem afirmando diária e publicamente a sua firme disposição de
ingressar no M.D.B., em face das inúmeras irregularidades promovidas pela ARENA
sobralense, as quais já ultrapassaram as fronteiras do nosso Estado, e até
mesmo do País, para vergonha de todos nós, como o caso da instalação de (2)
Câmaras municipais, cujos responsáveis, naturalmente irão receber o repúdio do
povo nas próximas eleições, porquanto os sobralenses sabem
perfeitamente quem foi o principal responsável por esta idéia, bem como, sabe
quem fornece instruções para que permaneçam funcionando as duas Câmaras.” (5
Correio da Semana, Sobral. 21 de setembro de 1968. Ano 51. N.º22. p. 02, Grifos
meus)
A notícia é repassada pelo jornal com o
cuidado de não citar nomes. Fala-se de um responsável, no entanto, deixa
subentendido aos leitores o nome e os discursos políticos que estiveram por
trás dessa divisão. Tal comportamento faz-nos perceber o “Correio” como um
jornal moderado, no sentido de evitar um envolvimento direto com uma ou outra
facção política. Assim, esse jornal cumpria com sua função de meio de
comunicação social informando sobre os fatos que assolavam a cena urbana,
porém, não se comprometia politicamente com nenhuma liderança local.
Nesse sentido, os discursos políticos
precisam ser esmiuçados de modo que se possa perceber o jogo de interesses que
ronda as figuras políticas que se apropriam de tais discursos. No entanto,
esses discursos não se concebem desvinculados do campo ideológico, que, por sua
vez, forjam no social um imaginário simbólico capaz de intervir num dado
momento histórico. Tomando Castoriadis, “o discurso não é independente do
simbolismo [...] o discurso é tomado pelo simbolismo.” (CASTORIADIS, C. A
instituição imaginária da sociedade. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1995. P.
169.)
Partindo desses conflitos políticos,
numa tentativa de entendermos nossa estrutura de poder local, pensamos a
Política dos Coronéis como forma de contextualização das arbitrariedades e
práticas de caráter oligárquico observado no universo político de nossa cidade.
Desse modo, como discutiremos nesse capítulo, a existência de tal “Política”
serviu como apoio ao projeto de integração nacional desenvolvido a partir de
1964, legitimado pela Ditadura Militar no Brasil.
No Ceará, estado que se viu desenvolver
sob os lucros do charque e do algodão, salvo os avanços industriais e o
processo de urbanização intensificados, principalmente a partir de 1970, e
aqui, teria-se que levar em consideração toda a conjuntura nacional de regime
militar, de abertura ao capital estrangeiro, de mecanização do campo e,
consequentemente, o crescimento populacional das cidades. Esse estado, pode-se
dizer teve sua economia calcada na cultura agropecuária (Sobre a importância da
comercialização do Charque e da produção de algodão para o desenvolvimento do
Ceará ver: GIRÃO, V. C. As charqueadas. In: História do Ceará. Org. Souza,
Simone. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1995. Pp.65-85).
Levando em consideração a estrutura
fundiária (latifundiária), concentradora e excludente, que permeia a realidade
nordestina, arrisca-se em dizer que, dessa forma, constrói-se no Ceará, um
ambiente propício para o desenvolvimento de uma política baseada em práticas de
nivelamento social (nesse sentido destacamos o hábito de apadrinhamentos, que,
de certa forma, tende a trazer uma maior aproximação apresentada nas relações
de “amizade/intimidade” entre famílias ricas e pobres, principalmente em anos
eleitorais, quando se trata de famílias tradicionalmente políticas de diversas
regiões do Ceará) , clientelistas e de dominação pessoal.
“Malgrado às transformações
sócio-políticas, o Ceará mostra-se muito receptivo a sistema de mando que
guardam similitudes com a estrutura própria de um tempo em que o mandonismo
local se apoiava essencialmente no coronelismo...” (VASCONCELOS, G. A.A . Bela
Cruz é nossa! Os Silveira/Oliveira e seus caminhos: (1966-1996). Programa de
Pós-Graduação, UFPE. 2000. p109 ( Dissertação de Mestrado)
Em nível local, quase todos os
municípios cearenses, por um período de sua história, tiveram chefes políticos
descendentes de uma mesma família, ou quando não, os prefeitos eleitos eram
aqueles indicados ou apoiados por essas tradicionais famílias políticas. A exemplo
disso podemos destacar as “oligarquias” dos Silveira/Oliveira em Acaraú, dos
Aguiar/Coelho, em Camocim, dos Arruda, em Granja e, àquela que nos interessa
neste trabalho, a oligarquia Prado/Barreto em Sobral.
Por outro lado, para Josênio Parente,
(PARENTE . Op. Cit. Quanto a não formação de Oligarquias no Ceará, Parente
atribui ao fato da fragilidade política das elites cearenses, das quais não
conseguem eleger seus candidatos por mandatos sucessivos.) apesar de
se verificar na política cearense a predominância de famílias fortalecidas
politicamente pela fidelidade de seus eleitores, ou ainda admitir-se a
existência do clientelismo, não significa admitir o estado do ceará enquanto
produtor de oligarquias.
“O caso da chamada oligarquia accioly,
no começo do século, e dos coronéis (Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César
Cals), na década de 1970, surgem como conseqüências alheias à estrutura interna
da sociedade cearense, e por isso mesmo, não se sustentam como suporte para
confirmar a existência do coronelismo – oligarquias fortes internamente – no
Estado do Ceará.” (Ibidem, p.383)
Partindo desse ponto de vista, seria
ingenuidade não perceber na esfera social as representações simbólicas (Quanto
ao universo simbólico e a apropriação dos símbolos e suas representações na
sociedade ver CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Paz e
Terra, Rio de Janeiro, 1995.) que regem as relações sociais no estado do Ceará.
Fala-se em representações simbólicas
com o sentido de mostrar a importância que a tradição familiar, a parentela, o
compadrio, a troca de favores, ou até mesmo a apropriação de instituições que
atingem o âmbito do sagrado ou do ideológico, como é o caso do casamento e da
fidelidade partidária, representam para o universo simbólico da cultura
oligárquica enquanto sustentadoras da estrutura do poder vigente.
“Vinculações de sangue e casamento, bem
como laços imaginários ou rituais, influenciariam fortemente as associações
econômicas e políticas[...]durante a era das oligarquias[...]. O grupo familiar
selecionava pessoas de fora, particularmente através do casamento,
acomodando-os como membros do grupo, segundo categorias de recrutamento.”
(VASCOCELOS, Op. Cit, p. 55 apud LEWIN, L. Política e parentela na Paraíba: um
estudo de caso da oligarquia familiar. Rio de Janeiro. Record, 1993. P.115.)
A citação acima nos serve para
exemplificar uma prática presente na política nordestina. De forma geral, e
aqui, mesmo consciente das contradições acerca das generalizações,
arriscamo-nos em trazer para a nossa realidade cearense uma característica da
política paraibana, posto que num estudo de caso da política do Ceará também
observamos o casamento, assim como alianças partidárias uma forma de
fortalecimento político das famílias detentoras do poder local.
Em particular, na nossa pesquisa, não
encontramos a utilização do casamento como prática comum de aliança política
entre as famílias em questão, no entanto, achamos conveniente a citação do caso
paraibano no sentido de mostrar que as práticas de cunho oligárquico
ultrapassam fronteiras não só simbólicas como também territoriais.
Ainda sob essa linha de raciocínio,
“A oligarquia é o governo de uma ou
poucas famílias, gerindo autoritariamente os destinos políticos do povo, sob o
jugo de suas ambições [...].É o despotismo superposto a justiça e ao direito,
suplantando até as garantias de vida e propriedade! [...]. Os costumes- o
caráter, o merecimento- a honra e dignidade social, não existem para os
politiqueiros que fazem profissão de lisonja da intriga e da passividade,
pondo-se a serviço dos usurpadores.” (VASCOCELOS, Op. Cit. P.57 apud RODRIGUES,
I. C. A gangorra do poder (Paraíba 188-1930). Trecho extraído do Manifesto
publicado no Estado da Parahyba, Parayba, edição de 19 nov 1911.)
De acordo com essa definição de
oligarquia muitos autores divergem de Parente. Tanto Vasconcelos como Gondim
(GONDIM, L. M. P. Clientelismo e modernidade nas políticas públicas – Os
“governos das mudanças” no Ceará (1987-1994). Editora Unijuí. RS, 1998.)
reafirmam o estado do Ceará enquanto espaço propício para a formação dessas
oligarquias. Dessa forma, o ciclo dos coronéis (“Ciclo do Coronéis” : Virgílio
Távora 9192-1966); Plácido Castelo (1967-1970); César Cals (1971-1974); Adauto
Bezerra (1975-1978); Virgílio Távora (1979-1982) e Gonzaga mota (1983-1986) que
governaram o Ceará durante todo o regime militar, aparece no cenário político
cearense subsidiado por práticas clientelistas, ao mesmo tempo em que explora o
universo simbólico se apropriando da figura do coronel, que numa dada realidade
histórica representou um ícone do sistema oligárquico brasileiro.
No caso do ciclo dos coronéis, as
figuras de Adauto Bezerra , Virgílio Távora e César Cals emergem como chefes
políticos fortes. Assegurados pelo aparelho repressor do Estado ditatorial do
Brasil e mesclando o discurso desenvolvimentista daquele momento com práticas
clientelistas, esses “coronéis” fizeram do Ceará um reduto das características
do sistema oligárquico de outrora.
Conforme esse quadro político, revestido
por práticas clientelistas, populistas e dominadoras, no interior do estado
cearense observou-se a predominância de algumas famílias no controle do poder
municipal, que também utilizaram largamente esses mecanismos de governo.
Dessa forma, à sombra do “ciclo dos
coronéis”, no interior do estado consolidava-se a “oligarquia” Prado/Barreto em
Sobral. Não oligarquia enquanto sistema, mas enquanto conjunto de
signos/representações resistentes ou sobreviventes ao fim desse sistema.
Nessa perspectiva, acredita-se que o
ciclo dos coronéis tenha significado uma extensão da ditadura militar no Ceará.
Não no sentido de ampliação do sistema repressor ou dos mecanismos de censura
instalados no Brasil a partir de 1964, mas, principalmente, com relação ao
apoio que tais governos demonstraram aos generais-presidentes durante todo o
regime.
Tal apoio não se desenvolveu com
neutralidade. Há, nesse caso, uma troca de interesses que, favorecia o governo
federal, já que com o apoio do Ceará, dentro do projeto de integração nacional,
as metas propostas por esse governo não seriam desrespeitadas, considerando que
dentro do nordeste se destacaram Recife e Sergipe como pólos de resistência.
Não seria interessante para o poder central se confrontar com mais um estado nordestino,
do mesmo modo, o governo estadual também se favorecia, posto que o acordo dos
coronéis, para controle do Ceará, só pôde ter existido e resistido dentro da
nova organização político-eleitoral (eleições indiretas) instituída pela
ditadura.
Dessa forma, “...a política pós- 64
fortaleceu lideranças como Virgílio Távora, já em ascensão no período anterior,
Adauto Bezerra e César Cals. Esse fortalecimento, contudo, era devido à força
do governo central.” (PARENTE, Op. Cit., p. 408.)
No entanto, apenas a partir de 1963 é
que se pode observar a alternância das famílias Prado/Barreto no controle
municipal. Até então não se verifica uma sucessão uniforme das elites políticas
sobralense na prefeitura. Esse último fato vem significar, aos olhos de Parente,
a comprovação do Ceará enquanto estado não formador de oligarquias fortes,
posto que para esse autor a família não pode ser tomada como critério de
oligarquia. Em suas palavras:
“A família no Ceará não indica
oligarquia e nem é um critério de fidelidade partidária, sobretudo em se
tratando da zona norte do estado. A fidelidade circunstancial está na
capacidade de distribuir recuo em momentos específicos. O clientelismo, então,
não é sinônimo de coronelismo, de oligarquias fortes internamente, mas um mecanismo
tradicional de criar fidelidades quando a ideologia não consegue.” (Ibidem, p.
386)
Desse modo, a família, representando ou
não elemento formador de oligarquia, não empobrece o fato das famílias citadas
terem se revezado na prefeitura de Sobral de 1963 até 1994, ou seja, o que nos
interessa, por hora, é o fato de tais famílias terem se mantido no poder por
três décadas consecutivas.
Em 1963, elege-se prefeito Cesário
Barreto Lima. Logo após seu mandato, nas eleições de 1966, assume a prefeitura,
Jerônimo Medeiros Prado. Desse modo, estavam plantadas as sementes do domínio
Prado/Barreto que decidiriam a vida política de Sobral durante toda a sobrevida
do “ciclo dos coronéis”, portanto, durante todo o regime militar no Brasil.
A partir de então, a cada eleição,
Sobral se preparava para receber em seu governo, o representante de um ou outro
grupo hegemônico. Em 1971, a prefeitura volta às mãos dos Barretos, desta vez,
sob o comando de Joaquim Barreto Lima. Este se mantém na prefeitura apenas por
dois anos, devido o ato institucional n.º 11, de 14 de agosto de 1969, que
tinha o interesse de igualar os mandatos dos prefeitos e dos governadores.
Dessa forma, “O ato institucional n.º 11, de 14 de agosto de 1969, alterou a
data da posse dos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, bem como a duração de
seus mandatos, sob alegação de ser dispendioso realizarem-se eleições de dois
em dois anos.” (VASCOCELOS, Op. Cit., p. 49)
Em seguida, ao fim de seu mandato, nas
eleições de 1972, elege-se para prefeito José Parente Prado. Cristalizava-se,
assim, a “dobradinha” Prado/Barreto em Sobral. Esse fenômeno político se
repetiria até 1994, quando o então prefeito Ricardo Barreto Dias, teria seu
mandato cassado por praticar desfalque no orçamento municipal.
No entanto, cabe a este trabalho,
deter-se apenas nos mandatos de Cesário Barreto e Jerônimo Prado, ou seja, de
1963 a 1970.
Nessa perspectiva, esta pesquisa não
tem o intuito de mostrar Sobral, enquanto cidade oligárquica, mas de apresentar
esta cidade como mais uma representante da estrutura de poder local, inserida
em um contexto político, predominante em grande parte do estado do Ceará.
Desse modo, para melhor entendermos
esse universo da cultura oligárquica em Sobral, faz-se necessário recorrermos
às atas de reuniões da câmara municipal, de 1968. Enquanto fonte histórica, as
atas utilizadas em nossa pesquisa representam para nós o registro de discursos
que foram forjados por sujeitos também históricos, portanto, discursos
impregnados de significados e subjetivismos, porque foram construídos no “calor
da hora”, que merecem o destaque de análise que, por hora, dedicamos a elas.
“... facultada a palavra, usou a
palavra o vereador Antônio de Lisboa, comentando inicialmente, que sempre se
batia junto aos colegas no sentido de não serem respondidas certos massacres
encetados pela situação, que para satisfazer caprichos políticos,
desrespeitava até mesmo a justiça, terminando frisou o orador, que continuavam
de vigília, de fronte erguida com a mesma força destemida resguardando
seus direitos, dado pelo voto e pela justiça. Continuando facultada a
palavra fez uso o vereador Francisco Cândido, que em longa oração, descreveu os
acontecimentos políticos, que ora atravessa o município de Sobral., fazendo um
relato minucioso da conduta do ex- presidente desta casa, José da Mata e Silva,
desde o início da presente Legislatura até os últimos instantes da presidência,
que durante este período, o Sr. José da Mata, prevalecendo-se da posição, abusou
do poder por sua intempestividade e desrespeito a justiça, cassava e extinguia
mandatos, afora outras séries de arbitrariedades cometidas, satisfazendo desta
maneira, os desejos de politiqueiros, prosseguindo o orador, fez várias
críticas a administração municipal, inclusive, referentes a bolsas de estudo e
admissão de parentes no serviço público municipal...” (Ata da 16º
sessão ordinária da câmara municipal de Sobral realizada em 23 de abril de
1968. (grifos meus)
Observando a fala do vereador Francisco
Cândido (ARENA), vemos em seu discurso um protesto contra o autoritarismo
(abusou do poder por sua intempestividade e desrespeito a justiça, cassava e
extinguia mandatos), contra o proselitismo (satisfazendo desta maneira os
desejos de politiqueiros), contra o clientelismo (críticas a administração
municipal referentes a bolsas de estudo) e, por último, contra o nepotismo
(admissão de parentes no serviço público municipal).
Esse trecho da ata nos permite pensar
que a política local não esteve livre das práticas oligárquicas, anteriormente
tão explicitadas. Tampouco não nos escapa a incoerência do discurso do
vereador, quando recorre aos direitos políticos sancionados pela legitimidade
do voto, quando na realidade brasileira daquele momento o voto se transformara
num elemento secundário e sem caráter representativo nas eleições nacionais e
estaduais, posto que o que se tinha era um sistema antidemocrático embalado por
um processo de eleições indiretas.
Notamos também, que esses mecanismos
políticos não passaram despercebidos aos olhos do meio político sobralense.
Tampouco se fizeram invisíveis para uma parcela ''politizada'' da cidade.
Se tomarmos como exemplo outra ata de
1968, veremos que nesse ano, Sobral parecia ferver em meio a seus
acontecimentos. Por mais uma vez o vereador Francisco Cândido se fez presente:
“... facultada a palavra, o vereador
Francisco Cândido ocupou a tribuna, iniciando fez um requerimento a presidência
da casa, no sentido de fazer uma consulta ao nosso setor jurídico particular, de
acordo com a Lei de Segurança Nacional, sôbre os constantes ataques feitos
através da Rádio tupinambá de Sobral, com relação a problemas pessoais de
vereadores e até mesmo da câmara, o qual submetido a discussão e votação,
teve aprovação unânime.” (Ata da 18º sessão ordinária da câmara municipal de
Sobral realizada em 25 de abril de 1968. (grifos meus)
Portanto, nos parece cabível pensar que
os desentendimentos políticos, ou mesmo, o jogo de interesses, que envolviam
alguns políticos locais extravasaram a própria esfera política, ou seja,
externaram-se dos muros da câmara e prefeitura municipais. Através de programas
de rádio, a população civil passava a ter conhecimento de tais acontecimentos,
passava então a se envolver no universo político da cidade e, dessa forma, a
absorver os discursos construídos por um ou outro lado envolvido.
Nesse momento, a cidade passava por
conflitos políticos que mostravam para a população a força da cultura
oligárquica como variante das práticas políticas observadas no interior do
estado. A divisão da ARENA e a divisão da Câmara municipal representaram, a
nosso ver, a expressão máxima do poder que as famílias Prado e Barreto,
enquanto representantes dessa cultura, exerceram sobre o universo político de
Sobral.
Percebemos que o cenário social se
mostra impregnado de discursos e representações simbólicas que invadem o
coletivo de maneira quase imperceptível. “Uma das estratégias mais universais
do poder simbólico consiste assim em pôr o senso comum do seu próprio lado
apropriando-se das palavras que estão investidas de valor por todo o grupo,
porque são depositários da crença deles.” (BOURDIEU, P. O Poder Simbólico.
Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 2001.) Nessa perspectiva o campo
político, bem como o campo social, também está repleto de significados que precisam
ser interpretados e discutidos.
Na mesma ata não nos possa
despercebido, por parte do orador, a apropriação de um artifício jurídico,
típico do estado ditatorial brasileiro, a Lei de Segurança Nacional.
A apelação à Lei de Segurança Nacional
nos remete àquilo que analisamos no começo, ou seja, a ditadura militar no
Brasil se estendeu em todos os estados e municípios do país. Através desse
artifício, tentava-se justificar todas as arbitrariedades cometidas pelos
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Como disse Drosdoff:
“As leis de segurança nacional eram tão
abrangentes que podiam ser aplicadas a quase qualquer faceta da vida do país.
Os tribunais militares se defrontavam com casos que chegavam às raias do
absurdo, mas muitas autoridades viam as leis de segurança como mecanismos
convenientes para contrapor a seus adversários, quaisquer que fossem.”
(DROSDOFF, D. Linha dura no Brasil. Global. São Paulo, 2000. p.84)
Nesse sentido, vemos quão impregnada
estava a ideologia de um Estado concentrador e regulador do meio social no
Brasil. O significado da palavra segurança passava a obter novos sentidos, por
muitas vezes, até perdendo seu caráter jurídico, não passando de desculpa para
justificar desentendimentos políticos ou particulares como o que vimos na ata
citada.
Em 1975, encontramos um novo apelo a
essa Lei. Trata-se de uma Ação de Representação contra o soldado da Polícia
Militar, José Aldemir Lima Rodrigues e outros, por difamar moralmente a pessoa
de Maria Odele de Paula Pessoa Costa e Silva, juíza de Direito do Massapé, que
auxiliava nos trabalhos jurídicos da comarca de Sobral.
“...3. Ocorre, porém, que em data de 27
de março, do ano em curso, por volta das 11:00 (onze) horas, os aludidos
policiais, procurando efetivar a prisão do cidadão Edmilson Roncy, em sua
própria residência, encontraram cabal resistência por parte do mesmo e de seus
familiares.
4. Naquele ensejo, fizeram ver da
injustiça da prisão e que o caso seria levado ao conhecimento da juíza
representante. Isso foi o suficiente para que os citados policiais passassem a
ofender moralmente a requerente, perante os moradores do bairro Sinhá Sabóia,
visando, assim, desacredita-la junto à opinião pública e enfraquecer a
confiança que todos depositam na honesta e igual distribuição da justiça, por
parte da autoridade judiciária.
5. Assim é que declararam, em alto e
bom som, que „ a Dr. Odele se compra até com banana podre e só quem tem
dinheiro ganha questão com ela, pois tem dinheiro para compra-la e assim não
vai fazer conta de um aleijado e liso como você’.
6.Tal atitude importa por si só, em
flagrante desrespeito à Justiça. O juiz – nas sábias palavras de Mário
Guimarães – é a autoridade a quem compete, no Estado, o encargo de administrar
a justiça.
7. Os agentes da polícia desempenham
atividades diferentes que objetivam a manutenção da ordem, o maior confôrto ou
o progresso da comunidade. No juiz, o fazer justiça é o alvo, a tarefa, a
missão, o sacerdócio. O juiz existe para isso.
8. A revolução de 31 de
março, regular e sem complexidade, inaugurou a grande estrada que estamos a
percorrer, eliminando o período agudo em que a tirania comunista, desbragada e
insólita, procurava firmar-se por sôbre os poderes constituídos, impondo uma
mentalidade não condizente com nossa formação cristã.
9. Essa mesma revolução,
surgida sob o aspecto ruidoso e trágico de uma explosão, procura eliminar uma
nova camada social, inexperiente e desorientada, que por motivos de facciosismo
e inconformismo político-social, vive a ofender a Justiça e aos próprios
magistrados.
10. A conduta dos
representados está a merecer as penalidades do art. 29, comb. com o art. 38,
inciso VI, do Decreto – Lei 314 – de 13 de março de 1967 – que define os crimes
contra a Segurança Nacional, a ordem política e social.” (Ação de
representação, 1975.fls. 5-6. Arquivo NEDHIR (Núcleo de Estudos e Documentação
de História Regional) Coord. de História. Centro de Ciências Humanas – UVA
(grifos meus)
Observando esta ação, além de um
corrente apelo à Lei de Segurança Nacional, vemos todo um discurso preparado
com o intuito de enaltecer a Revolução de 31 de março de 1964, apesar de, o
mesmo discurso, apontar um “certo agravante” trazido por esta mesma Revolução.
A menção que é feita ao golpe militar de 1964, mostra Sobral inserida no
contexto ditatorial, em que uma determinada classe da sociedade posicionava-se
a favor do novo sistema de governo, mostrando-se completamente envolvida pelo
imaginário anti-comunista reinante no mundo pós – guerra.
Outro ponto interessante do discurso seria
a sutil referência feita à religião: “... impondo uma mentalidade não
condizente com a nossa formação cristã...”, que num primeiro momento
representou um pilar para o sucesso do Golpe, devido o apoio dado pelos
religiosos aos militares. No entanto, como discutiremos melhor no próximo
capítulo, com o decorrer dos fatos, assistiremos a uma reviravolta com relação
ao posicionamento da Igreja durante a Ditadura Militar no Brasil.
Quanto ao “certo agravante”, o que se
percebe no discurso é uma queixa feita à revolução de 31 de março, por esta
proporcionar à classe militar um determinado status, que faz com
que o baixo oficialato tome para si uma autonomia e um autoritarismo incoerente
com suas reais funções (Os agentes de polícia desempenhavam atividades diferentes
que objetivavam a manutenção da ordem, o maior confôrto ou o progresso da
comunidade...).
Seguindo este raciocínio, mais adiante
encontramos um novo discurso elaborado para condenar a falta de respeito para
com a juíza e a atitude ilícita dos representados:
“... Em data de 27 de março, do ano em
curso, por volta das 11(onze) horas, participava o referido militar, ora
querelado, de uma diligência policial na residência do cidadão Edmilson Roncy,
sita no bairro Sinhá Sabóia, nesta cidade, em cuja ocasião num gesto
agressivo e que exorbitava de suas funções, ameaçou prender o cidadão em apreço
e, ainda de mutila-lo, cortando-lhe a outra mão para que ele ficasse ‘cotó’,
atitude incompreensível da parte de um militar que é notificada nos autos do inquérito
policial inconcluso....”.( Ação de representação, 1975. Arquivo NEDHIR
(Núcleo de Estudos e Documentação de História Regional) Coord. de História.
Centro de Ciências Humanas – UVA (grifos meus)
Nessa perspectiva, podemos nos remeter
a uma questão que foi colocada anteriormente, como sendo um importante fator
para o desenlace do golpe militar em 1964: o medo, por parte dos militares, de
uma quebra da hierarquia dentro das Forças Armadas.
Embora as Forças Armadas fossem
desvinculadas do poder judiciário, é inegável sua importante participação para
o efetivo cumprimento da lei. Nessa perspectiva, acredita-
se que, mesmo não havendo uma quebra da
hierarquia dentro de um sistema único (militares / judiciário), pode-se notar
um flagrante desrespeito para com a juíza Odele, que não deixa de representar
uma autoridade da justiça.
Partindo desse pressuposto, acredita-se
que o golpe militar, se constituiu na classe militar influenciando fortemente
comportamentos e mentalidades.
Enfatizando uma parte do primeiro
discurso, vemos uma tentativa, por parte da juíza, em enquadrar os demais
representados no perfil daqueles policiais que já vinham sendo afastados de
suas funções desde o início da Ditadura.
“Essa mesma revolução, surgida sob o
aspecto ruidoso e trágico de uma explosão, procura eliminar uma nova camada
social, inexperiente e desorientada, que por motivos de facciosismo e
inconformismo político-social, vive a ofender a Justiça e aos próprios
magistrados” (Ação de representação, 1975. fl. 6.)
O que se pretende ressaltar com esta
ação de representação é o fato de Sobral não ter sido alheio à realidade
ditatorial brasileira. Embora este período da história recente do Brasil sofra
uma tentativa de esquecimento, é através de artigos de jornais da época e de
documentos como este que podemos buscar os vestígios de um passado incômodo
para uma determinada classe social do Brasil.
Voltando para a questão oligárquica,
encontramos em trechos da entrevista de Abdelmon Melo, aquilo que vínhamos
questionando desde o início deste capítulo: a política dos coronéis enquanto
extensão da ditadura militar no Ceará.
Quando perguntado sobre a relação dos
governos estadual e municipal, o então vereador em 1964 responde:
“...a relação era boa, era sempre muito
boa porque o governo sempre queria voto em Sobral para os deputados dele e
sempre dava muita atenção... o Cesário Barreto teve muito prestígio com o
governador Virgílio Távora...” (Abdelmon Melo. Entrevistado em 01/10/03. Sobral
– CE)
Isso denota uma situação singular do
Estado ditatorial do Brasil, ou seja, essa política dos coronéis, ou ainda,
todas aquelas práticas de caráter oligárquico, que já foram por nós
apresentadas, só ganharam espaço devido à nova forma de organização
político-eleitoral (eleições indiretas), assegurada pela força do governo
federal.
Durante a Ditadura, o estado do Ceará
proporcionou a já decadente cultura oligárquica uma forma de se mostrar
presente através de seus signos e representações amplamente explorados pelos
líderes da política local. Como definiu Abdelmon Melo:
“...a Revolução aqui, é...quer dizer,
essa intriga era mais local, era mais do município. Tudo quanto vinha lá de
cima, o povo aceitava. Aqui era uma briga mais municipal, porque as facções não
se intindiam e tinha os grupos políticos, aqui era mais uma briga entre
grupos.” (Idem.)
Esse depoimento nos permite identificar
um certo “absolutismo” dos políticos da época. A política do interior era alvo
das vontades autoritárias de quem se encontrava no governo municipal.
Aquela política clientelista,
proselitista, nepotista e autoritária que havia se formado mesmo antes do Golpe
de 1964, no estado do Ceará, permaneceu fiel aos seus caracteres durante todo o
regime militar no Brasil.
Comparando dois trechos citados pelo
nosso entrevistado, percebemos a cidade de Sobral inserida na política acima
caracterizada.
“... O Chico Monte nunca perdoou ser
derrotado pelo Palhano, Chico Monte toda vida mandou em Sobral, toda
vida elegeu seus prefeitos. Não perdoava nunca...” (Idem.)
Esse trecho nos remete a um período
anterior ao golpe militar, período de visível mandonismo político em Sobral. Em
seguida veremos o comportamento político do então prefeito Cesário Barreto
(1963-1966), um período posterior à Ditadura.
“... mas o Cesário nos perseguiu, foi
muita gente preso e essas perseguições..., Palhano cassado, nós passávamos na
rua humilhado... porque era adversário do Cesário Barreto, nós éramos
Jeromistas.” (Idem.)
Nessa parte da entrevista, além de
ficar claro os continuísmos políticos retirados do sistema oligárquico de
outrora, também denota uma representação do contexto político no qual o
restante do país se encontrava imerso.
Remexer no passado implica descobrir um
universo de possibilidades de entendimentos e interpretações capazes de
construir, destruir ou simplesmente modificar noções e conceitos históricos que
nos são apresentados de forma objetiva, acabada, fechada para possíveis
discussões e problematizações. O contato com as fontes de pesquisa, seja de que
caráter for, nos proporciona uma maior liberdade de interpretação dos fatos,
possibilitando uma maior proximidade do pesquisador com seu objeto de pesquisa.
Nesse sentido, nosso próximo capítulo
se utilizará largamente da análise do discurso de artigos jornalísticos e da
história oral numa tentativa de forjar uma interpretação para as manifestações
político-religiosas, tais como CEB‟s, MEB e Movimento do Dia do Senhor, além de
discutir sobre a forma como a Ditadura estava sendo colocada nos jornais da
época.
2. Ditadura Militar em Sobral: Um olhar
sobre os periódicos.
“O jornal é o transmissor das idéias do
momento, e essas idéias refletem o pensamento vivo de um der racional e livre.”
(Hamilton Nogueira. A Ordem. Rio, 1926)
A partir de agora estaremos
inteiramente voltados para uma análise do discurso jornalístico. Escolhemos,
principalmente, o jornal Correio da Semana por ser um jornal
de circulação local e por termos uma maior facilidade de acesso ao mesmo.
O principal objetivo deste capítulo é o
de mostrar a forma como o Regime Militar vinha sendo colocado para o público
leitor do Correio da Semana e, partir disso, tentar
interpretar os porquês dos discursos que foram construídos ao longo desse
período. Fazemos isso numa tentativa de expor o jornal analisado como um espaço
dúbio, a nosso ver, aberto a contradições que marcam a sua própria escrita.
Ciente da importância
do jornal como fonte histórica, tentaremos produzir aqui, uma discussão que
busca um diálogo entre os fatos e os discursos que foram produzidos em cima
destes. Dessa forma, “... a A . D. (análise do discurso) preocupa-se com a
história dos processos de significação buscando a compreensão dos discursos
pela via das suas condições de produção.” (Mello, M. T. N. Mobilização popular:
um discurso. In: História no plural. Tânia Navarro Swain (org.). Depto. De
História da UnB. P.147.)
Nesse momento,
atentamos para a existência de uma dinâmica repressiva aos meios de comunicação
que, durante esse período, veiculava a produção de um discurso oficial, com o
intuito de produzir uma memória moldada sob os conceitos de ordem,
desenvolvimento e progresso. Assim, muitos dos artigos encontrados e discutidos
no Correio da Semana, trazem consigo esta marca.
No entanto, esse fato não anula a
possibilidade de encontrarmos, nas entrelinhas desse jornal, um espaço para
abordagens de cunho social, que fazem com que percebamos em tal periódico um
posicionamento moderado, devido às próprias suas condições de produção.
Através disso, tentamos mostrar esse
jornal enquanto importante meio de comunicação social local. No momento de
nossa pesquisa, o jornal Correio da Semana, registrado sob o n. 17.
506, de acordo com o art. 8 do decreto-lei n. 1343, tinha como diretor o Cônego
Egberto Rodrigues de Andrade e contava como colaboradores no processo de
construção do jornal os jornalistas : Júlio Coêlho, Aurélio Martins, Humberto
R. de Andrade , Ribeiro Ramos ,entre outros.
Fundado em 1918, por Dom José Tupinambá
da Frota, o Correio da Semana é um jornal que mantém sua
produção circulando até os dias de hoje. Órgão dos interesses religiosos, esse
jornal de caráter, tipicamente conservador, passará, como veremos mais
detalhadamente no decorrer do capítulo, por um processo de transformação
editorial. A partir do Concílio Vaticano II em 1962 e, posteriormente, das
Conferências Episcopais Latino-Americanas de Medellín em 1968 e de Puebla em
1979, esse jornal passará por um processo de releitura de sua atuação enquanto
meio de difusão coletiva.
Essa adaptação, contudo, está inserida
em um contexto do qual se trata de uma iniciativa dos meios de comunicação
religiosos em dar seqüência às diretrizes aprovadas em 1962 pelo Concílio
Vaticano II. Desse modo:
“Questionar o papel desempenhado pela
Igreja na cultura Brasileira e vislumbrar criticamente a ação cultural
desenvolvida pelos seus próprios meios de comunicação social constituem pontos
de referência necessários para eliminar uma certa defasagem ( ou contradição? )
entre a teoria e a prática pastoral, ou entre a ação particular em segmentos da
sociedade e o comportamento público que assume através de seus grandes meios de
difusão coletiva.” (Melo , J. M. de. Para uma leitura crítica da comunicação.
Edições Paulinas. São Paulo, 1985. p. 173.)
Vemos o discurso jornalístico com
resultado de uma produção contínua forjada a partir de uma percepção que
sujeitos ou categorias de sujeitos adquirem da realidade político-social na
qual estão inseridos. Desse modo:
“... sendo o jornalismo a „história
escripta dia a dia‟, é impossível que não entre, nessa primeira redação dos
factos nacionaes, muito boato, muita balela, muita invencionice, que depois
devem ser depurados pelo trabalho paciente e meticuloso dos historiadores de
gabinete.” (O primeiro Centenário do Jornalismo Cearense. Correio do Ceará, de
Fortaleza. Edição de 1 de abril de 1924. In: Revista do Instituto do Ceará –
1924 (Tomo especial). p.29.
Como vemos, a análise histórica do
jornal passa a ser um trabalho de interpretação dos discursos que foram
construídos num dado momento, levando-se em conta as intenções de quem os
escreve e os significados que foram atribuídos a seus discursos. Assim, “...
pelo seu trabalho de análise, pelo dispositivo que constrói, considerando os
processos discursivos, ele (o analista) pode explicitar o modo de constituição
dos sujeitos e de produção dos sentidos.” (Orlandi, E. P. Análise de discurso:
princípios e procedimentos. Pontes. São Paulo, 2001. p. 68.)
No Ceará, desde muito cedo, a imprensa
vem se mostrando como meio de comunicação relevante no processo de construção
política, social e cultural de determinadas classes sociais de nosso estado.
Apesar de grande parte dos jornais cearenses, do início do século até os dias
de hoje, ter tido uma vida curta, a própria insistência em se produzir esse
tipo de meio de comunicação, denota a consciência de uma fração da classe
intelectualizada cearense, sobre a importância da Imprensa para o processo de
transformação cultural e de costumes do nosso estado em finais do século XIX e
início do século XX. Período no qual encontra-se uma grande efervescência da
produção jornalística cearense influenciando o próprio surgimento do Correio da
Semana, em Sobral. (Sobre a idéia do Jornal enquanto produto de uma sociedade
letrada inserida no contexto de crescimento e urbanização das cidades em fins
do séc. XIX e início do séc. XX, ver: Cruz, E. F. São Paulo em papel e tinta.
Periodismo e vida urbana – 1889-1915. EDUC-FAPESP. São Paulo, 2000.)
Nesse sentido, em 1924, nas
comemorações do primeiro centenário do jornalismo cearense, o Correio
do Ceará publicava:
“A imprensa é, entre nós, uma força
social de primeira ordem, um fator poderoso da vida política, um dos
propulsores do nosso progresso. Só nos resta que com olhos fitos no esforço de
nossos antecessores, continuemos a trilhar o mesmo caminho, com a vontade forte
de nos compenetrar cada vez mais dos deveres e dos direitos do jornalismo, das
pesadas responsabilidades, que decorrem do emprego dessa arma incomparável do
espírito, tão fecunda para o bem como para o mal.” (O primeiro Centenário do
Jornalismo Cearense. Correio do Ceará, de Fortaleza. Edição de 1 de abril de
1924. In: Revista do Instituto do Ceará – 1924 (Tomo especial). p. 30.)
A idéia de progresso e desenvolvimento
cultural, a partir da Imprensa, está intimamente ligada a seu principal
objetivo, nos seus primeiros ensaios: a política. Os primeiros jornais
cearenses foram gerados a partir das discussões políticas que eram fomentadas
em nosso estado. “... foi a política que gerou o jornalismo... As Gazetas do
Ceará eram meros instrumentos do ferrenho partidarismos reinante.” (Araripe, J.
C. A . Pioneirismo do Ceará na Imprensa. P.p. 114-115. In: Revista do Instituto
do Ceará – Tomo XCVII (1983). P. 113.
Da mesma forma, o Correio da
Semana, serviu como mostruário das disputas políticas locais. Segundo
Abdelmon Melo, conceituado vereador de Sobral, define-se esse jornal como de
extrema atuação política, até meados do século XX. Nesse tempo, a política
local estava ainda mais impregnada das práticas oligárquicas, das quais foram
comentadas em nosso primeiro capítulo. Para ele:
“... O Correio da Semana era um jornal
de luta, aqui teve briga muito grande entre os partidos, aqui tinha o padre
Leopoldo que escrevia contra o José Sabóia, escrevia muito... A política aqui
era quente nessa época, né? ... o jornal Correio da Semana... Monsenhor Sabino
foi diretor muitos anos do Correio da Semana, nesse tempo o jornal era
valente.” (Seu Abdelmon Melo, entrevista real em 1 de outubro de 2003. Sobral –
Ce.)
De acordo com o Correio do
Ceará, a consciência da importância de tal instrumento é revelada quando
diz “... das pesadas responsabilidades, que decorrem do emprego dessa arma
incompatível do espírito, tão fecunda para o bem como para o mal.” Nesse
sentido, concebemos o jornal como um meio de comunicação social que informa,
forma ou deforma a opinião pública.
Assim, informa quando exerce sua função
informativa, através do mero repasse de notícias. Forma ou deforma quando
exerce sua função social, repassando ao leitor sua própria interpretação de uma
realidade específica. Durante o Regime Militar, percebemos o jornal Correio
da Semana comprometido com um discurso jornalístico que oscilava entre
os discursos políticos de direita e aqueles que se forjaram a partir das resistências
da determinados grupos sociais, como os participantes dos movimentos populares:
MEB e Dia do Senhor. Veremos isso mais detalhadamente no decorrer deste
capítulo.
Enquanto meio formador de opinião, o
jornal traz consigo ideologias políticas e filosóficas que são,
inevitavelmente, incorporados à sua escrita. Para Foucault,
“... em toda sociedade a produção do
discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída
por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e
perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade.” (Foucault, M. A ordem do discurso. Edições Loyola. São Paulo,
1996. p p. 8-9.)
Nessa perspectiva, tentamos mostrar o Correio
da Semana como um jornal católico-conservador, resistente a todas as
dificuldades enfrentadas pela Imprensa cearense, que ao longo de sua produção
jornalística, serviu como importante veículo de comunicação em Sobral.
Destacamos no decorrer de nossa
análise, tanto seu caráter informativo como, principalmente, sua função social,
o que nos mostra a sua inserção no contexto evolutivo do nosso processo
histórico.
2.1. “CORREIO DA SEMANA”: Um discurso
Como vimos, o jornal se apresenta para
nós com inúmeras possibilidades de análise. Com uma produção diversificada
visando atingir públicos direcionados, a sua circulação alcança mais que o
simples repasse de informações ou puro veículo de entretenimento. Dessa forma,
o jornal está impregnado de história, que passa a ser contada a partir de um
determinado ponto de vista, que por sua vez, está inserido em um sistema
repleto de poderes políticos e simbólicos que não passam despercebidos às
intenções de quem escreve. Desse modo,
“Analisar o discurso jornalístico é
considerá-lo do ponto de vista do funcionamento imaginário de uma época: o
discurso jornalístico tanto se comporta como uma prática social produtora de
sentidos como também direta ou indiretamente, veicula as várias vozes
constituídas daquele imaginário. (...) o discurso jornalístico (...) integra
uma sociedade, sua história. Mas ele também é história, ou melhor, ele está
entranhado de historicidade.” (Mariani, B.S.C. Os primórdios da Imprensa no
Brasil (ou: de como o discurso jornalístico constrói memória) In: Orlandi, Eni
Puccinelli (Org.) Discurso fundador – a formação do país e a construção da
identidade nacional. Pontes. São Paulo, 2001. P. 33)
Nesse sentido, destacamos a função
social do jornal que, além de atuar como formador de opinião pública, atua
também como produtor de uma memória repleta de significados produzidos em cima
de fatos imediatos dos quais nos são repassados enquanto verdade.
“Indo mais adiante, não diremos que são
predicados usualmente atribuídos à atividade jornalística – ou seja,
objetividade, imparcialidade – que sustentam a noção de informação. Ao
contrário, eles só existem como tal porque o ato de informar por meio de
jornais é previamente controlado, produzindo um efeito de transparência.”
(Idem, p.35)
Nessa perspectiva, quando lemos o
jornal Correio da Semana, nos deparamos com a construção de uma
escrita mediada por um discurso oficial, do qual tendia para uma tentativa de
legitimar o Regime Militar através da opinião pública. Dessa forma, os
jornalistas sobralenses escreviam aqui, aquilo que era aceito e repassado em
nível nacional.
Como veremos, em 1.º de maio de 1965, o
artigo de Aurélio Martins repassava o discurso que fora criado pelos militares
“revolucionários” para justificar o 31 de março de 1964.
“Na lembrança de cada brasileiro ainda vivem
as cenas tristes promanadas de um govêrno colocado ao serviço do Comunismo
Internacional, que não atingiu os objetivos colimados em virtude da ação
preventiva das Forças Armadas, que num esfôrço conjunto debelaram o perigo
iminente que rondava a nacionalidade...” (Correio da Semana, Sobral.1.º de maio
de 1965. Ano 48. N.º 03. p.05)
Nessa perspectiva, os trechos do artigo
denotam aquilo que durante muito tempo fora absorvido pela Imprensa, de modo
geral; pelos livros didáticos; pela memória dos brasileiros: o discurso
salvacionista, atribuído às Forças Armadas do Brasil, que servira como
justificativa para legitimar a ação golpista dos militares.
Como podemos notar, o medo do avanço
comunista dentro da política brasileira é passado para os leitores como um
forte motivo para a intervenção militar, intervenção da qual viria “salvar” o
povo brasileiro do “perigo vermelho” disseminado pelos países socialistas.
De acordo com o trecho abaixo, com essa
dádiva dos militares concedida à nação, construiu-se a idéia de que vinha se
instalar um governo revolucionário no Brasil, do qual colocaria o país
novamente no seu eixo, a partir de uma revolução pacífica, sem derramamento de
sangue.
“(...)Foi instalado no Brasil um
Govêrno Revolucionário de uma sensatez e de equilíbrio notáveis, que não se
deixou levar pelos justos clamores de vingança que ecoavam de um extremo a
outro da Nação, clamores que não poderiam ser atendidos porque lançariam ao
solo pátrio sangue brasileiro, ainda que, de maus irmãos. A Revolução que foi
feita sem efusão de sangue, continua a ser consolidada sem sangue.” (Idem,
p.05)
Dessa forma, vemos o Correio da
Semana como um jornal favorável ao golpe, atuante no processo de
formação de uma opinião pública local. No entanto, é válido ressaltar que a
atenção do jornal dispensada à “Revolução” de 1964 ateve-se somente às questões
de âmbito nacional. Não se procurou especular sobre as transformações que tal
“Revolução” traria para Sobral. Nem sobre as transformações políticas, tampouco
sobre as transformações de mentalidade ou sociais.
Mais adiante o mesmo artigo traz uma
comparação entre a Independência do Brasil e o Golpe de 1964. Na visão do
autor, ainda de acordo com o discurso salvacionista, o golpe militar viria
independizar o Brasil de um sistema político não condizente com a vontade da
nação. Em seu artigo, o imperialismo soviético fora associado ao imperialismo
da Metrópole Portuguesa, quando da Independência, no sentido da dominação e
imposição de padrões políticos, econômicos e sociais. Para ele:
“Os 31 dias do mês de março de 1964
ressaltam no calendário da história nacional uma data que, em importância, se
iguala e quase transcende 7 de setembro de 1822, considerando-se para se chegar
a tal conclusão a benignidade do colonialismo português cujas restrições
ocorriam no plano econômico e, raras vezes, no terreno religioso. Tal sistema
político jamais poderá ser comparado ao imperialismo soviético, que tolhe por
completo qualquer possibilidade de manifestação de liberdade e, portanto, de
iniciativa, seja de que caráter for, onde quer que vigore um regime cuja base
filosófica origina-se no marxismo-leninismo ; Cuba aí está para convencimento
dos menos avisados.” (Idem, p.05)
Nesse caso, vemos uma certa contradição
quando se acusa a falta de liberdade do sistema socialista, quando ,na
realidade, sabemos que todo Regime Militar brasileiro esteve alicerçado por
intenso esquema repressivo. No entanto, por ser o jornal um portador da
história imediata, o artigo que fora escrito em 22 de maio de 1965 trazia, em
todo seu corpo, as discussões que estavam sendo fomentadas pelos aparelhos
ideológicos do Regime e pela Imprensa oficial do país naquele momento.
Nessa perspectiva, em 12 de junho de
1965, encontramos num outro exemplar, uma reflexão sobre os rumos da
“Revolução”. Vemos agora o mesmo discurso salvacionista que citamos logo acima.
No entanto, o que nos chama à atenção enquanto diferencial, é a forma
exacerbada de enaltecer o golpe militar. O autor do texto, Ribeiro Ramos,
importante farmacêutico da cidade, na época portador de uma coluna no jornal
denominada Homens, Coisas e Fatos, além de atribuir o processo de “salvação” da
nação aos militares, atribui esse fato à vontade de Deus. Dessa forma:
“...veio- mercê de Deus- a Revolução de
31 de março, Revolução salvadora que enxotou para longe os vendilhões da
Pátria, que expulsou os nefandos comunistas traidores, que nos iam entregar de
pés e mãos atados aos seus comparsas russos e cubanos. Ora muito bem! Todo
mundo bateu palmas aos revolucionários e deu graças aos céus pela nossa
libertação. Houve cânticos. Houve te-deus. Houve passeatas. Discursos
louvaminheiros , em penca, às Forças Armadas libertadoras. Correram rios de
tintas bendizendo a Revolução e exaltando seus obreiros “heróicos e dignos”...”
(Correio da Semana, Sobral. 12 de junho de 1965. Ano 48. N.º 09. P. 02)
Desse modo, o artigo trata de uma
queixa do autor para com os brasileiros. Aqueles brasileiros que apoiaram a
ação militar, estavam agora a criticar os rumos do Regime:
“(...)Bastou, no entanto que a
Revolução começasse a punir – e punir à moda brasileira: sem paredón, sem
fuzilamento e sem açoites – os culpados, os vendilhões da pátria, para que os
ventos mudassem. E assim, agora aqueles mesmos que batiam palmas à Revolução e
aos revolucionários procuram aponta-los , a todos, à execração pública. A
começar pelo próprio, digno, incorruptível, magnânimo, honesto e honrado
Presidente da República, Marechal Castelo Branco. No pensar e dizer dessa
gente, o Brasil de agora é o inferno, e o nosso presidente é o belzebu-mor, e
todos os seus grandes auxiliadores são outros tantos diabos. Enquanto isso, os
Jangos, os Arraes, os Juscelinos, os brizzolas e quejandos voltam a ser anjos,
com azas, auréolas e tudo. (...) (Idem, p. 02)
A existência desse artigo nos leva a
duas linhas de raciocínio. Primeiro: atesta que logo em 1965, com apenas um ano
de governo militar, já se notava uma certa insatisfação, por parte dos
brasileiros, com as medidas governistas. Segundo: mesmo diante desse fato, o
autor do texto se abstrai dessa realidade e denuncia essa insatisfação como uma
injustiça dos brasileiros para com os seus “salvadores”. Nesse caso, o esforço
conjunto das Forças Armadas em salvar a nação do perigo de ser governada por
comunistas passava a ser irrelevante. Nesse momento, atentamos para mais uma
faceta da história oficial que nos é passada através do jornal Correio
da Semana, produzindo em seu público leitor um certo remorso por se ter
pensado em criticar a Revolução.
Nessa perspectiva, destacamos a
importância do jornal como fonte histórica, mais que isso, como objeto de
análise, por este ter sua produção construída diariamente, ou quando não,
semanalmente, o que nos proporciona um intenso acompanhamento do processo
histórico. Por outro lado, como vimos, o jornal, enquanto portador de uma
história imediata, se apresenta para nós cheio de complexidades e
subjetivismos. Assim,
“Pensar neste sentido e nesta lógica do
discurso significa, também, entende-lo como instância verbal não isolável do
quadro histórico do qual emana, levando-se em conta elementos como „ o quadro
institucional, aparelho ideológico no qual se inscreve, representações que a
ele subjazem, conjuntura política, relação de forças, efeitos estratégicos
procurados, etc.‟Deste conjunto, que configura as condições de produção,
dependem os discursos e a sua articulação enquanto pratica” (Mello, M.T.N.
Mobilização popular: um discurso. In: Swain, Tânia Navarro(Org.) História no
plural.Depto. de história da UnB. P.138)
Dessa forma, através das reportagens do
“Correio” percebemos também a função informativa do jornalismo local antenado
com as notícias e decisões governamentais. Em “Uma aurora que desponta”, de
Júlio Coelho, o autor vai buscar suporte nas reformas político-administrativas
do novo governo, através do Estatuto do Novo Código Eleitoral, para trazer a
seu público uma expectativa acerca das eleições municipais em 1966.
“...A linha dura da Revolução unida
numa só fôrça , num só poder com o Presidente da República faz a Reforma
Político-Administrativa às Reformas de Base inclusive o <<
Estatuto do Novo Código Eleitoral >>
Esta segundo, notícias de jornais,
proíbe que elementos intelectualmente incapazes sejam votados nas convenções
dos partidos, por falta de predicados necessários a cada área de governo...”
(Correio da Semana, Sobral. 21 de agosto de 1965. Ano 48. n.º 19. p. 04)
Nesse sentido, além do repasse de
informação, vemos no decorrer da reportagem, o autor se posicionar abertamente
a favor do Regime Militar, não só concordando com as novas decisões como também
apresentando-as para o seu público como sendo uma alternativa que viria
solucionar os problemas políticos de Sobral. Assim, não existiriam riscos de,
no próximo governo, a cidade, receber na prefeitura, um candidato
anti-revolucionário. “...Assim uma nova aurora desponta no horisonte político
do nosso município e nos livra do pesadelo de sermos governados por elementos
fora dos postulados da Revolução...” (Idem, p.04)
Nesse período, como vimos no capítulo
anterior, Sobral estava embalado por uma política de fortes traços
oligárquicos, preso a um sistema de mão-dupla, onde atrelava-se Política dos
Coronéis/ Regime Militar. Nesse sentido, não nos passa despercebido a atenção
do Correio da Semana para com a política local. Lança-se no
decorrer da reportagem o nome de um possível candidato às eleições de 1966,
candidato este merecedor da máquina municipal por atender todos os requisitos
propostos pela “Revolução”. Assim,
“ ...o que devemos fazer, no momento,
em que se aproximam as eleições de outubro para prefeito em Sobral ? Consultar
o êlan- político do nosso partido, a UDN, investigar consultar e ver por uma só
ordem, um só desejo, um só patriotismo, o homem da nossa política capaz de conduzir
o município de Sobral aos seus novos rumos de engrandecimento e progresso.
(...)
Esse homem ahi está e é o Dr. José
Euclides da Cunha Ferreira Gomes Júnior; um sobralense dotado de invejável
cultura é o homem que a UDN deve indicar.” (Idem, p.04)
Desse modo, a informação que chega ao
leitor já vem formada por uma opinião que é própria de quem a escreveu. O que
foi dito é aquilo que se queria que fosse absorvido. No entanto, quando lemos,
o não dito também se pronuncia. Os discursos que se forjam através da produção
jornalística ultrapassam a vontade do seu emissor, apesar de estarem presos a
uma lógica de poderes político-simbólico-editoriais e de terem, sem dúvida, uma
forte presença no processo formador de opinião pública, não podemos esquecer
que leitura é interpretação e que esta, por sua vez, não se fecha numa
perspectiva única. Para Orlandi, “o dizer tem história, os sentidos não se
esgotam no imediato. Tanto é assim que fazem diferentes efeitos para diferentes
interlocutores.” (Orlandi, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios e
procedimentos.Pontes.São Paulo, 2001. p.50)
No caso em questão, dizer que o
Estatuto do Novo Código Eleitoral “...nos livra do pesadelo de sermos
governados por elementos fora dos postulados da Revolução...” é não dizer que o
país estava, naquele momento, consolidando seu esquema de repressão política,
extirpando assim a liberdade e o direito que diversos políticos filiados a
inúmeros partidos tinham o de concorrer às eleições em nível municipal,
estadual ou federal. Desse modo, a informação trazida pelo “Correio” deixa
claro que, a partir de então, só faria política no Brasil aqueles que fossem
concordantes com o Regime. Ou seja, a política brasileira estaria restrita aos
simpatizantes da Arena e do MDB. Por outro lado, o que não fica claro na
reportagem são as intenções e os efeitos que tal decisão viria a ocasionar no
meio político brasileiro.
Sobral, naquele momento estava sob
administração de Cesário Barreto Lima. Tal prefeito se manifestara muito
favorável ao Regime, não só porque estava inserido no jogo político Oligarquia
/ Ditadura, mas também porque contava com o prestígio de ter dois irmãos a
serviço da Revolução: General Flamarion Barreto e Coronel Luciano Barreto.
Esse fato levou seu Abdelmon Melo, a acreditar
que tal prestígio da família Barreto junto aos militares influenciaria
diretamente na sua forma de governo em Sobral. Tanto é assim, que
desentendimentos políticos locais entre facções opostas, chegaram a ganhar
estatuto de grandeza nacional. Desse modo, seu Abdelmon defende a idéia de que
tal prestígio, influenciaria até no processo de cassação do Padre Palhano,
importante figura de nossa política municipal, então deputado federal. Para
nosso entrevistado:
“... em virtude de ter um irmão general
e outro coronel do Exército, o Cesário tinha muito prestígio na Revolução,
graças aos irmãos militares... Foi, realmente o que influenciou muito na
política dele aqui, tanto a perseguição do Palhano e a cassação do Palhano,
dizem que se deve a isso, ao prestígio dos irmãos dele. Foi o último deputado
cassado (Palhano). O presidente Castelo Branco não queria cassar porque ele não
perseguia os padres, mas disse que as denúncias e a perseguição foi muito
grande dos irmãos Barreto e ele foi cassado.” ( Abdelmon Melo, 01 /10 03).
Tal fato nos remete a uma questão
política de importância local, da qual extravasou os limites territoriais e
interferiu na esfera política nacional.
O discurso, enquanto interpretação,
está sempre se fazendo. Nessa perspectiva, o próprio discurso abre espaço para
a construção de um “contra-discurso”. Nesse sentido, quando escolhemos algo
para falar imediatamente, em nossa fala, excluímos, diversas outras
perspectivas de discussão. È nesse momento que se abrem lacunas para a produção
de novos discursos, ou “contra-discursos”. Como disse Orlandi:
“O discurso, por princípio não se
fecha. É um processo em curso. Ele não é um conjunto de textos mas uma prática.
É nesse sentido que consideramos o discurso no conjunto no conjunto das
práticas que constituem a sociedade na história, com a diferença de que a
prática discursiva se especifica por ser uma prática simbólica.” (Idem, p. 71)
Nesse sentido, dizer que Dr. José
Euclides da Cunha Ferreira Gomes Júnior seria o candidato ideal não implicou no
fato de sua candidatura para prefeito de Sobral. A idéia que fora lançada pelo
jornal Correio da Semana, parece não ter sido aceita pelos
eleitores sobralenses. Em vez do Dr. José Euclides, após as eleições de 1966, a
prefeitura municipal se preparou para receber Jerônimo Medeiros Prado, um
anticandidato, no sentido de sua eleição vir significar uma quebra da
continuidade da família Barreto no poder municipal.
Assim, os sentidos produzidos pelo
jornal nem sempre são absorvidos de forma positiva e coletiva. Para nós, esse
dado é o que nos fornece a riqueza da análise jornalística. Desse modo,
por mais uma vez, destacamos a função social e informativa do jornal Correio
da Semana, enquanto veículo de circulação local, como transmissor de
informações e produtor de sentidos e memória, repletos de historicidade. No
caso em questão, observamos um direcionamento da discussão sobre o Estatuto do
Novo Código Eleitoral para a questão política local. Desse modo, os vazios de
discussões que separavam os fatos nacionais e suas implicações na política
local, por hora, parecem ter sido preenchidos por esse jornal.
Ainda sobre o caráter informativo do
jornal em questão, mencionamos uma reportagem de 16 de outubro de 1965 (Correio
da Semana. Sobral. 16 de outubro de 1965. Ano 48. n.º 27). Sob o título
“Cassados com Estatutos”, a reportagem é toda dedicada à transcrição do projeto
de lei, do presidente Castelo Branco, que visava à suspensão dos direitos
políticos. Isso demonstra a preocupação do jornal em informar ao seu leitor das
transformações porque o Brasil vinha passando. Por outro lado, a ausência de
opinião sobre aquilo que estava sendo exposto, parece-nos uma opção de
neutralidade do jornal.
Nem sobre o parágrafo referente à
punição de crime de Imprensa (Sobre o parágrafo referente ao crime de Imprensa
vale ressaltar: “ Parágrafo 1.º - Se o crime for praticado por meio da
imprensa, rádio e televisão, o responsável pelo órgão de divulgação será também
processado e julgado pelo juiz singular e a pena será acrescida da multa de cem
a um milhão de cruzeiros.” Sobre essa decisão, o Correio da Semana parece
indiferente à nova medida governista, tanto que não dedica uma linha sequer de
discussão sobre o assunto.) o jornal se pronuncia. Nesse caso específico,
entendemos o “Correio” como mero instrumento a favor do Regime, esquivando-se,
por hora, de sua própria função social.
Nessa perspectiva, nossa intenção,
nesse primeiro momento, é de mostrar o Correio da Semana, através
de seus artigos e reportagens, como um espaço aberto a produção de informações
e opiniões que estiveram atreladas ao discurso oficial, produzido pela “intelligentsia”
militar, que fora emitido em nível nacional, com intenção de justificar a
própria existência do Regime Militar. Para tanto, mais uma vez ressaltamos o
Correio da Semana como meio de circulação local, reprodutor de um
discurso verticalizante.
Nesse momento, para dar maior ênfase ao
que analisamos anteriormente, achamos importante ressaltar um artigo de 29 de
julho de 1967, que traz uma reflexão por conta da morte do ex-presidente
Castelo Branco. Em todo o artigo, seu autor, Ribeiro Ramos, enaltece a figura
do ex-presidente vestindo-o de um heroicismo que está vinculado ao já
mencionado discurso salvacionista. Para Ribeiro Ramos, Castelo Branco esteve
imbuído de forças divinas na tomada de decisão em que se deflagrara o golpe de
1964.
“Sou daqueles que acreditam que não
cai um fio de cabelo de nossa cabeça sem a permissão de Deus, e assim, acredito
sinceramente que foi por determinação divina que, naquela nebulosa noite de 31
de março de 1964, o então general Humberto de Alencar Castelo Branco, tomou
entre as suas mãos fortes os destinos da Nação Brasileira, numa hora de
incertezas e apreensões. Sempre se disse que o Brasil vive à beira de um
abismo. Se esse abismo existe, meus queridos amigos, nunca estivemos tão perto
de rolar por ele abaixo como nas 24 horas daqueles terríveis <<idos de
março>> do ano da graça de 1964... Deus, entanto, velava por nós,
pelo destino de oitenta milhões de almas, de filhos seus, já que por sua divina
mercê nascemos e formamos a nossa civilização à sombra da Cruz do Cristo.
Aqui mesmo, nesta coluna já escrevi,
por mais de uma vez, que foi o punho forte de um verdadeiro e sincero patriota
que nos salvou do caos e da desordem naquela hora difícil da nacionalidade:
Humberto de Alencar Castelo Branco...” (Correio da Semana, Sobral. 29 de julho
de 1967. Ano 50. n.º 18 p.03, grifos meus)
Mais adiante, veremos que o autor do
texto reproduz em sua fala, algumas das características que se fizeram
presentes na personalidade de Castelo Branco. A “sua coragem, a personalidade
forte, inteligência, calma e equilíbrio mental” são alguns dos adjetivos que
compõe o discurso moderado/legalista que é atribuído à figura de Castelo, e que
segundo a lógica do autor, foi fator decisivo para o sucesso da “Revolução”.
“A sua coragem foi o nosso escudo, a
sua personalidade forte manteve a coêsão das fôrças armadas, a sua inteligência
foi um fanal a guiar o país na escuridão daquela hora crepuscular, a sua calma
contendo o ímpeto daqueles que tudo queriam levar a ferro e a fogo, sem pensar
nas contas que um dia a História lhes haveria de pedir, assim como foi o seu
admirável equilíbrio mental que manteve o país unido, o povo confiante, o mundo
igualmente confiante, mantendo sólidas e firmes as instituições vigentes...”
(Idem, p.03)
Finalizando o artigo, como já dissemos,
observamos uma tentativa de forjar um herói nacional. Para o autor, o bem que
Castelo fez a nação com a “Revolução” de 31 de março, seu patriotismo e até
mesmo sua morte trágica, devido a um acidente de avião, trazem para si uma
alusão daquilo que se quer projetar como herói. Dessa forma:
“...Para enfrentar essa gentalha (os
comunistas) somente a coragem, a moral, o patriotismo, a firmeza e a
honestidade de Humberto de Alencar Castelo Branco, Presidente da República dos
Estados Unidos do Brasil. E foi com essa imensa bagagem que êsse cearense
ilustre entrou para a História. Como homem êle errou muitas vêzes. Como patriota,
não! Até na morte Castelo Branco foi grande – entre o céu e a terra bem-amados
do Ceará. Uma vida tôda dedicada à Pátria, que soube respeitar e engrandecer. É
um herói a mais no Pateon Nacional.” (Idem, p.03, grifos meus)
Nesse sentido, mais
uma vez, vemos no “Correio” um discurso tendencioso produzido a partir dos
fatos que, pouco a pouco, foram constituindo a história dos governos militares
no Brasil. “É de ver, portanto, que o próprio sentido dos discursos assenta-se
em conjunturas específicas; tem sentido inerente ao momento vivenciado pela
formação social onde se constitui e se aloja e guarda coerência com as
condições de produção dos seus suportes.” (Mello, Op. Cit. P.138)
Apesar de vimos até aqui trazendo uma
discussão sobre o caráter político-direitista do Correio da Semana,
empenhando-nos em mostrar uma reprodução dos discursos oficiais absorvidos e
repassados por esse jornal, nesse momento faz-se necessário ressaltar as
resistências dessa oficialidade discursiva dentro do próprio jornal. Como
dissemos, o próprio discurso abre margem para a construção de outros discursos.
Nessa perspectiva, notamos no decorrer da pesquisa, que com o desenrolar do
processo histórico, devido aos descaminhos da Ditadura Militar no Brasil, o
jornal Correio da Semana passa, principalmente no final da
década de 1960, a abrir espaço para questionamentos acerca da nova política de
caráter ditatorial. Nos próximos tópicos discutiremos isso mais detalhadamente.
Por hora, sentimos necessidade desse
parêntese para contextualizar os próximos artigos selecionados para análise.Não
se trata ainda de ataques aos governos militares, o que veremos são “críticas
construtivas” à política do governo, com o intuito de ajudar os militares na
difícil tarefa de conduzir a nação.
Em “Líder da Revolução”, de Humberto de
Andrade, notamos uma queixa à política econômica adotada pelo novo governo.
Vemos nesse artigo uma reclamação explícita a onda inflacionária e ao aumento
do custo de vida, logo no primeiro ano da “Revolução”. Diz-se que:
“...já se vai um ano da Revolução,
constata-se a contínua agravação do custo de vida, como conseqüência imediata
do aumento dos preços de utilidades e serviços. Produtos agrícolas,
manufaturas, transportes, nada, absolutamente nada escapa à onda aumentista.”
(Correio da Semana, Sobral.08 de maio de 1965. Ano 48. n.º 04 p. 04)
No entanto, embora, admita-se essa
falha no setor econômico, para o autor, a esfera política apresentava-se
condizente com as expectativas da população, apesar de que no início de sua
vigência tenha-se tomado medidas severas, mas que necessárias para a total
instalação do Regime. Para ele:
“No que tange à política
propriamente dita, a coisa é diferente. Não há decepções. Segue o govêrno uma
conduta firme, de segura orientação.
Inicialmente, na vigência do ato
institucional, a Revolução munida de poderes excepcionais, praticou atos de
expurgo, mais ou menos severos. Terminada a fase transitória, entrosou-se o
Govêrno na normalidade constitucional.” (Idem, p.04, grifos meus)
Dito isto, posteriormente justifica-se
que o que fora escrito serviria de “reparos à política do governo
revolucionário”. O intuito era de formular críticas construtivas ao Regime. Em
nenhum momento do artigo, seu autor esconde sua fidelidade aos militares.Dessa
forma, escreve-se:
“Temos feito desta coluna, reparos à
política econômica do Govêrno revolucionário.
Aliás, críticas formuladas no sentido
construtivo, pois somos dos que aplaudiram, sem reservas o movimento armado que
derribou o desgovêrno passado.” (Idem, p.04, grifos meus)
Num próximo artigo, de 15 de maio de
1965, notamos no discurso de Humberto de Andrade um pouco mais de ousadia ao
criticar novamente a política econômica governista. Nesse caso, observamos em
sua escrita, um tom de indignação com a realidade inflacionária vivida pelos
brasileiros. Em um dos trechos do artigo, veremos que tal realidade é atribuída
à incompetência política de alguns governantes, que não souberam controlar os
gastos do orçamento. Desse modo:
“Admita-se que se restrinjam gastos,
não suprimi-los. E nessa parcimônia de despesas, cabe ao Govêrno dar
exemplo primeiro, poupando o dinheiro arrecadado de impostos pagos pela
população, que suporta a angústia da vida cara, caríssima, por causa da
inflação de que ela não é culpada. Mas, sim, os maus govêrnos, govêrnos
perdulários, que gastam mais do que comportam os orçamentos, e recorrem à
emissão de papel-moeda”. (Correio da Semana, Sobral.15 de maio de 1965.Ano
48. n.º 05 p.05 (grifos meus)
No entanto, essa queixa feita em nível
nacional, não podia deixar de ser notada em nossa política local. Como já
dissemos Sobral estava cheia de “vícios” oligárquicos, dos quais, nesse
período, determinavam uma certa “divisão de classes”. Nesse sentido, essa
necessidade criada pelo próprio modelo político excludente, servira como
mecanismo muito utilizado pelos políticos locais para se obter o apoio
político-partidário da população. A carência da classe pobre era necessária
para o processo de manipulação dos eleitores, através de promessas políticas e
trocas de favores, durante os anos eleitorais.
Fechando nosso parêntese, no final do
artigo, como era de praxe vemos explicitado o posicionamento de seu autor. Por
mais uma vez, deixa claro que suas críticas são direcionadas apenas à política
econômica que estava sendo adotada e que vinha sacrificando grande parte da
população brasileira. No mais, a “Revolução” era de louvável aprovação. Em suas
palavras:
“A Revolução faça-se justiça, está
cumprindo o expurgo bolchevista atuante no País, imprime moralidade no trato da
coisa pública, mas está fracassando em proporcionar à família brasileira
condições de existência tolerável. E já estamos nos aproximando de um ano da
vigência revolucionária....” (Idem.p.05)
Nesse sentido, o Correio da
Semana passa a ser pensado por nós, como um jornal consciente das
contradições sócio-econômicas advindas da nova política nacional. Contudo,
percebemos que de certa forma, a intenção desse jornal, por se posicionar
abertamente favorável ao Regime Militar, era de simplificar as arbitrariedades
políticas do Regime em si, direcionando-as, assim, ao plano econômico. A nosso
ver, analisar o discurso jornalístico é pôr em xeque os sentidos e as
interpretações que se desejam forjar, no meio social, com tal discurso. Em
outras palavras:
“A análise do discurso jornalístico se
faz importante e necessária já que este, enquanto prática social, funciona em
várias dimensões temporais simultaneamente: Capta, transforma e divulga
acontecimentos, opiniões e idéias da atualidade – ou seja, lê o presente – ao
mesmo tempo em que organiza um futuro – as possíveis conseqüências desses fatos
no presente – e assim legitima, enquanto passado – memória – a leitura desses
mesmos fatos no presente, no futuro.” (Mariani, Op. Cit. P.33)
Nessa perspectiva, notamos que com o
decorrer da década de 1960, o jornal se mostra com mais criticidade em relação
aos seus “reparos” à política do governo. Veremos num segundo momento, que o
espaço conferido à Igreja pelo Correio da Semana, através de colunas
dedicadas ao Movimento de Educação de Base (MEB), ou ao Centro de Treinamento
de Sobral (CETRESO) será de fundamental importância para identificarmos nesse
jornal, o que no próximo tópico chamaremos de contra-discurso, por este
apresentar uma lógica discursiva que, se não vai de encontro a tudo que
apresentamos até aqui, pelo menos abre margem para outra possibilidade de
escrita que leve ao seu leitor uma discussão de temas como sindicalismo,
cooperativismo, reforma agrária, engajamento de base político-religiosa, etc.
Em 1º de abril de 1967, encontramos uma
reportagem que noticiava o veto do aumento sobre a taxa de gasolina, tal
medida, tomada pelo então presidente, Costa e Silva,é noticiada pelo “Correio”
ironizando a “coincidência” entre a data que a decisão fora tomada e o 1º de
abril, ano de terceiro aniversário do golpe. Esse fato se faz presente na
reportagem e é passado ao leitor com um misto de humor e crítica.
“Havia de fato, uma irônica
coincidência entre o nôvo surto altista, resultante sobretudo da elevação do
preço da gasolina, e a data de 1º de abril. O Govêrno foi bem assessorado ao
evitar mais êsse detalhe desagradável na „rica herança‟ que lhe deixou o
Marechal Castelo...” (Correio da Semana, Sobral. 1° de abril de 1967. Ano 50. N°
01. p. 06)
Notamos no trecho acima, que para o
autor, o veto servira como medida preventiva numa tentativa de se evitar uma
onda de impopularidade sobre o governo. Dessa forma, Costa e Silva fora “bem
assessorado” em sua medida.
Seguindo a reportagem vemos que se
deposita em Costa e Silva, a partir de seu decreto-lei, uma esperança de que
seu governo abra possibilidades de melhorias sociais para a população pobre. Em
sua escrita, o autor não reconhece outra maneira de se “pensar o social” que
não seja seguindo pelo caminho econômico, controlando-se o aumento dos preços e
freando-se o processo inflacionário do país. Para ele:
“Se o Marechal Costa e Silva pretende
mesmo, como afirmou em seu discurso de posse, tirar dos ombros dos pobres uma
parte da carga de sacrifícios que sôbre êles pesa, fazendo-a recair sobre
„compleições mais aptas a suportá-la‟ então o que tem a fazer é perseverar por
êsse caminho. Do contrário é a pobreza que continuará sacrificada e a miséria
que continuará crescendo.” (Idem, p. 06)
No último parágrafo da reportagem
lança-se uma cobrança ao governo costa e Silva: o desafio de controlar a
inflação e oferecer uma vida mais digna à população do Brasil, fazendo-se
cumprir, dessa forma, seu prometido. Como disse:
“A permitir que continuem
os aumentos, impunemente, o atual Governo irá tornar-se impopular, como foi o
do Marechal Castelo Branco, com o agravamento de deixar de cumprir a sua
promessa de atender ao povo e minorar os sofrimentos.” (Idem, p. 06)
Nesse momento, a relação jornalismo/história
aparece para nós como uma dinâmica de significados que só podem ser apreendidos
dentro de um quadro de acontecimentos, no qual a partir deste se constitua todo
o desenrolar do processo histórico.
Sem nos abstrairmos da carga discursiva
do jornal, o que tentamos mostrar são as contradições que permeiam o que se
escreve, no momento em que se escreve, e a não dependência deste escrito com os
rumos dos acontecimentos. Não pretendemos, aqui, retirar a historicidade
presente no jornal, enquanto objeto de análise, contudo queremos ressaltar o
imediatismo histórico no qual são produzidos discursos, sentidos, memória.
Nessa perspectiva, lembramos o
Jornalista Alberto Dines (1986) quando este “sublinha o parentesco entre o
fazer jornalístico e o fazer histórico, „lembrando que quando se pratica um
deles com proficiência, chega-se inevitavelmente ao outro.‟” (Mello, Op. Cit.
P. 134) Dessa forma, retornando ao último trecho da reportagem, vimos que há
uma longa distância daquilo que se esperava de Costa e Silva em 1967 e o que de
fato acontecera. Como vimos em apenas dois anos de mandato seu governo fora
alvo de uma grande insatisfação popular, o que colaborou para um fechamento do
Regime, a partir do ato institucional nº 5 (AI-5), projetando, assim, a legitimação
da linha dura no Poder. (Quanto ao intenso processo repressivo do Brasil, ver:
DROSDOFF, D. Linha Dura No Brasil , Op. Cit.)
Desse modo, destacamos ao longo de
nossa discussão, a importância do jornal Correio da Semana como
veículo de informação local, ora assumindo sua função social, ora vestindo-se
de puro caráter informativo. O repasse de um discurso oficial faz com que
denominemos tal participação de integrante e integrada. Nesse sentido, dizemos
integrante por se observar, no Correio da Semana, um espaço aberto
a informações e discussões sobre o período militar em que se vivia.
Apesar destas discussões não apresentar
um diálogo direto entre os acontecimentos nacionais e a elaboração dos sentidos
que foram produzidos em sobral, a partir de tais acontecimentos, o simples fato
do jornal trazer essas reportagens já oferecia suporte para as variadas
interpretações que o leitor poderia fazer daquilo que estava escrito. Por outro
lado, dizemos integrada, por se apresentar em tal jornal uma reprodução dos
discursos que se queria que fossem absorvidos pela opinião pública.
Nesse primeiro momento, mostramos o Correio
da Semana como mais um instrumento formador de opinião local, que fora
envolvido pela lógica de um discurso oficial, ajudando, assim, a forjar uma
realidade condizente com a linha político- ideológica nacional daquele momento
histórico. Desse modo,
“...diremos que (o discurso) não se
trata de transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem,
que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história,
temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de
sentidos e não meramente transmissão de informação. São processos de
identificação do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de construção da
realidade, etc.” (Orlandi, Op. Cit. P.21)
2.2. “Correio da semana”: Um espaço
para contradição dos discursos
Como dissemos, no início desse
capítulo, o jornal Correio da Semana se apresenta para a
cidade de Sobral como um importante representante dos meios de comunicação
social local. Sua contínua produção jornalística vem oferecendo para nós,
pesquisadores, uma infinidade de temáticas e perspectivas discursivas que
passam, freqüentemente, a ser tratadas como objetos de estudo.
Diante de tantas perspectivas
incrustadas nesse jornal, arriscamo-nos nesta pesquisa, em contrapor alguns dos
discursos que se fizeram visíveis para nós durante a busca do nosso
entendimento sobre a atuação desse jornal no processo de construção de uma memória
política local.
No primeiro item mostramos um Correio
da Semana, comprometido com uma produção jornalística inserida num contexto
discursivo, que vinha sendo moldado por todo o sistema editorial responsável
pela divulgação de um discurso oficial, legitimador do Regime Militar pós-1964.
De agora em diante, nosso interesse é mostrar um Correio da Semana comprometido
com sua função social religiosa.
Após o Concílio Vaticano II em 1962,
todas as políticas e posicionamentos religiosos foram repensados pela Igreja
Católica. Dessa forma, o jornal Correio da Semana, por ser um
organismo controlado pela Diocese de Sobral, passa a abordar em seus editoriais
as discussões sobre a nova forma de ser Igreja.
“A opção preferencial pelos pobres”,
bandeira levantada pela Teologia da Libertação, proporcionadas a partir das
discussões fomentadas pelo Vaticano II e reforçados pelas Conferências
Episcopais Latino-Americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979) trouxe para a
cena social uma preocupação com os trabalhos que buscavam a promoção humana.
(Sobre a importância do Vaticano II, Medellín e Puebla para o processo de
transformação de uma Igreja de rito em uma Igreja-Povo, absorvido por toda
América Latina, a partir da década de 1960 ver: Gutiérrez, G. A força histórica
dos pobres. Vozes, Petrópolis, 1984.)
Nessa perspectiva, Sobral absorveu
todas essas transformações porque vinha passando a Igreja católica e introduziu
em sua comunidade diocesana essa nova proposta de Igreja. Tal trabalho se
desenvolveu sob orientação direta do bispo Dom Walfrido Teixeira Vieira, cuja
atuação não deixou a desejar. De acordo com o padre Luís Ximenes, “com a saída
de Dom Mota, a Igreja com Dom Walfrido não ficou estacionária. Caminhou,
continuou encarnada na vida de cada um...” (Ximenes, Padre Luís. Sobral
hoje.Fundação Universidade do Acaraú. Centro de Pesquisas Históricas e
Geográficas. Sobral – 1971. p. 40.)
Assim, encontramos no Correio
da Semana, espaço aberto para a promoção de uma conscientização que levasse
ao homem do campo sua formação enquanto sujeito histórico, atuante no processo
de construção social. Para tanto destacamos dois elementos fundamentais para a
compreensão daquilo que queremos mostrar, em tal jornal, como elementos
formadores de um contra-discurso, ou pelo menos elementos que garantiram, nesse
jornal, a existência de um espaço para contradição dos discursos: a coluna do
CETRESO (Centro de Treinamento de Sobral) ( Órgão administrativo da diocese de
Sobral, sob a responsabilidade do padre Luís melo, tinha a proposta de levar ao
homem do campo uma conscientização do ser humano enquanto cidadão politizado.
Não sabemos precisar seu período de atuação, contudo alguns dos artigos
selecionados para essa pesquisa datam de 1965. Vale ressaltar que nos
exemplares de 1967, a coluna já havia sido extinta.) e a coluna do MEB
(Movimento de Educação de Base) se destacaram nesse sentido.
Outro elemento importante para a
conscientização dos trabalhadores rurais, mas que desvinculado do Correio
da Semana, embora também de caráter político-religioso, foi o Movimento do
Dia do Senhor, liderado pela pessoa de padre Albani Linhares. Esse movimento se
desenvolveu e atuou em conjunto com o trabalho realizado pelo MEB e pelo
CETRESO, em toda zona norte do estado.
Na realidade, tais movimentos só
puderam existir devido às transformações no contexto da Igreja católica
pós-conciliar. As propostas apresentadas no Vaticano II e celadas em Medellín e
Puebla abriram margem para uma constante proliferação de movimentos populares.
Todos atrelados à práxis comunitária, propostas a partir da efetivação das
metas de uma nova Igreja: uma Igreja-Povo, uma Igreja que viria dar voz e vez
aos pobres, oprimidos e marginalizados pelo imperialismo capitalista. Assim,
“ Se a Igreja vive no povo, se ela nasce
do povo, esse povo atuará no mundo com conhecimento de causa. Não terá tanta
necessidade de diretrizes e determinações oriundas da Autoridade.A ação dos
cristãos na base muda a ótica do posicionamento da Igreja frente ao mundo.”
(Guimarães, O. F. M., Almir Ribeiro. Comunidades de Base no Brasil. Vozes, Rio
de Janeiro, 1978. p. 245)
Dessa forma o aparecimento do MEB, até
mesmo antes de 1964, bem como o surgimento das CEB‟s (Comunidades Eclesiais de
Base), como o JOC ( Juventude Operária Católica) ou JUC (Juventude
Universitária Católica) ou mesmo, em nível mais restrito, o Movimento do Dia do
Senhor e tantos outros movimentos populares religiosos que se fizeram notórios
durante todo o Regime militar no Brasil, tinham como prioridade, de início, não
o embate direto à política militarista aqui instalada pós-1964, mas sim uma
crítica ao sistema capitalista que, de forma concentradora e excludente,
proporcionou uma intensificação dos conflitos sociais e um acirramento das
classes desprivilegiadas.
“Da mesma forma que critica e ataca o
imperialismo religioso da Igreja-instituição, impugna também toda classe de
política de domínio e sistema de poder. Nelas há diferenças ideológicas,
divergências teológicas, formas distintas de celebração, porém todas estão de acordo
num ponto: a luta pela justiça levada a termo com todos os demais homens.”
(Caldentey, “ Significado das Comunidades Cristãs de Base para a Igreja”
Concilium 104 (1975) p.87-88.Idem, p.71.)
Contudo, tal embate se desenvolveria
indiretamente, ao passo que todos os Regimes autoritários dessa época se
mostraram como sendo a materialização institucionalizada das políticas
imperialistas do capitalismo. Desse modo,
“Os Regimes de Segurança Nacional são
apenas uma expressão daquilo que o imperialismo capitalista e as classes
dominantes consideraram necessário para imporem suas novas condições às classes
populares e conterem as tentativas de mudança por elas iniciadas na década de
60.” (Gutiérrez, Op.Cit. p.122)
Nessa perspectiva, tanto Medellín como Puebla
foram iniciativas da Igreja católica que tinha como objetivo pensar a condição
do pobre e oprimido a partir de uma conscientização crítica e politizada de sua
condição de explorado. Tal iniciativa vai de frente aos Regimes autoritários
que dominaram a América Latina depois de 1960.
Em Sobral, veremos que tais movimentos
político-religiosos, apesar de não terem sido criados com o intuito de
confrontar a ordem instituída, passaram por um processo de apropriação dos
discursos de esquerda e se fizeram importantes meios de questionamentos,
principalmente ao levar uma consciência crítica ao homem do campo visando sua
formação de ser humano enquanto cidadão politizado.
Desse contexto retiramos a
matéria-prima para o desenvolvimento de nossa pesquisa. Através do jornal Correio
da Semana, pensamos a coluna do CETRESO e a coluna do MEB, como objetos de
nossa análise.
Ao que parece o CETRESO fora um
mecanismo governista, criado para controlar a expansão dos movimentos sociais
agrários, numa tentativa de desarticular principalmente, a força com que as
Ligas Camponesas vinham ganhando espaço no meio rural do Nordeste.
Tudo indica que, assim como o MEB, o
CETRESO seja anterior a 1964 e tenha se estendido por toda região nordestina.
Sempre com a preocupação de forjar, dentre o meio rural, uma necessidade de
sindicalização do homem do campo. Dessa forma, o controle dos trabalhadores
rurais, a partir de sindicatos, evitaria uma maior influência marxista entre
eles e impediria o avanço dos movimentos que viessem se contrapor ao governo,
como o caso das Ligas Camponesas.
Em entrevista, o padre Albani Linhares
conceitua o CETRESO como um sistema macro-econômico, do qual serviria como
instrumento mediador para a institucionalização dos movimentos sociais
emergentes, oferecendo ao Estado um maior controle desses movimentos. Para ele:
“...o trabalho do CETRESO foi assim...
bastante macro-econômico, macro. Os Estados Unidos perceberam que o Nordeste
era uma... um ponto muito perigoso, inclusive por causa das ligas camponesas do
Recife, aí então, a tática do Rockfeller, do pessoal de lá era... esvaziar...
as Ligas Camponesas, e pra esvaziar as Ligas camponesas soltaram muito dinheiro
pra fazer sindicato dos trabalhadores rurais...que o Virgílio Távora foi quem
contratou o CETRESO... tal...tal... quer dizer, pelas histórias eu sei... que
ele foi financiado, esse movimento no Nordeste todinho... no Piauí,agora só que
quando chegou aqui, o pessoal que assumiu deu mais cor... mais séria... do que
o que os Estados Unidos queriam, quer dizer, não cumpriu, não cumpriu...
totalmente os objetivos da Aliança do Progresso, porque o pessoal que
trabalhou, sabotou. Tanto no recife, o menino do Recife como... Ah, e aqui era
o Luís Melo é que era o encarregado disso aí, e o padre Luís Melo era
socialistíssimo, entendeu? Mas... Agora, os sindicatos todinhos da região foram
fundado... sindicato dos trabalhadores rurais foram fundados a base, com a
ajuda do CETRESO, né. Na Ibiapaba, aqui na região, tudo, tudo, tudo foi o
CETRESO que encaminhou.” (Padre Albani Linhares. Entrevista realizada em 20
/09/ 03. Sobral – CE Correio da Semana, Sobral. 1° de abril de 1967. Ano 50. N°
01. p. 06)
No entanto vimos que, apesar do CETRESO
ter servido como meio facilitador para a criação dos sindicatos rurais de nossa
região, percebemos, através das palavras de padre Albani, que esse trabalho,
aqui em Sobral, recebeu a partir de seus representantes, uma nova conotação, da
qual juntamente com o MEB e o Movimento do Dia do Senhor trabalharam para
oferecer aos agricultores uma consciência política de sua condição de oprimido.
Em 24 de abril de 1965, encontramos um artigo do qual vemos explicitamente o
envolvimento do clero sobralense com os discursos de esquerda que foram
apropriados pela nova proposta de uma Igreja engajada. Desse modo:
“A Igreja vem batalhando para que os
operários se unam em sindicatos, para que os agricultores se sintam solidários
e colaborem na fundação de cooperativa e associações profissionais,
absolutamente necessária para assegurarem a defesa dos preços dos seus produtos
e dos seus trabalhos. (...) .Vendo isto, é preciso que o trabalhador rural tome
consciência dos seus direitos. Este paciente trabalho deve ser obra do próprio
trabalhador rural, pois o sindicato é um órgão de auto-promoção para o operário
do campo; não só os seus direitos profissionais serão defendidos, como seus
próprios direitos de cidadão.” (Correio da Semana, Sobral. 24 de abril de 1965.
Ano 48. n.º 02 p. 03.)
Nesse sentido, nosso entrevistado abre
margem para uma concepção da coluna do CETRESO como um meio de conscientização
política, promovido pelo jornal Correio da Semana. Assim, o
discurso oficial sobre a “Revolução” apresentado no item anterior dividiu as
atenções do leitor sobralense com as discussões de caráter socialista
apresentados pelo CETRESO.
Desse modo, como veremos no trecho
abaixo, as discussões sobre o direito de sindicalizar-se, questionando, até
mesmo o posicionamento do Regime Militar frente a essa prática, se mostra para
nós como uma comprovação daquilo que padre Albani denomina por “sabotagem” no
trabalho do CETRESO. Assim, aqui em Sobral, a coluna do CETRESO, em seu
exercício, desviou-se da idéia original pensada por seus patrocinadores,
assumindo um caráter de comprometimento político-social com o despertar de uma
consciência crítica dos trabalhadores rurais. Escreve-se o artigo:
“Hoje, iremos falar sobre o direito de
sindicalizar-se porque, principalmente depois da Revolução, devido às
intervenções sindicais, muitos são levados, por ignorância a pensar que é
proibido sindicalizar-se. O direito sindical é negado por grande parte da
classe patronal e da classe burguesa, que aceita o sindicato operário
teoricamente, mas que – por seu comportamento prático - chega a negá-lo.
O próprio operário levado pela
ignorância – que muitas vezes gera medo – se constitui em forte empecilho ao
uso desse direito.
Os Estados Totalitários em geral,
quando não fazem do sindicato um instrumento de sua política, proíbem o
funcionamento do mesmo ou limita-lhe a ação.
É dever do Estado, principalmente
daqueles que se dizem democráticos reconhecer e respeitar o direito de
associação.” (Idem, p. 03., Grifos meus)
Como vemos, o CETRESO traz para seu
foco de atuação, não só a preocupação com o trabalhador rural, mas também os
problemas enfrentados pelo trabalhador urbano. A oposição dos interesses entre
burguesia / classe operária é colocada para nós como um fator significativo
para o acanhamento desses operários quanto ao processo de sindicalização.
Assim, por medo, devido a todo o discurso pejorativo construído em cima da
idéia de sindicalismo associando-o, a uma leitura mal interpretada de
comunismo, os operários, muitas vezes, deixavam de se sindicalizar.
Vemos destacado no artigo, uma crítica
à política intervencionista sustentada pelos Estados Totalitários quando,
durante o Regime Militar estes, fizeram dos sindicatos um aparato para seus
interesses políticos. O que nos chama atenção é simplesmente o fato de a coluna
do CETRESO ter sido pensada e patrocinada justamente para atuar como um
mecanismo de controle estatal. O fato dessa coluna está criticando sua primeira
função nos remete mais uma vez ao que padre Albani coloca como uma nova
conotação para o trabalho do CETRESO, aqui em Sobral. Um trabalho de
questionamentos sobre as propostas dos governos ditatoriais.
Nessa perspectiva,
“O diálogo direto burguesia –Igreja nem
sempre foi fácil. As classes fundamentais, burguesia e classe operária, tinham
a princípio suas próprias expressões ideológicas dominantes – liberalismo de
uma parte, anarquismo e depois marxismo na outra – mas é através das classes
médias, num primeiro momento – e no mundo rural através das classes populares –
que a Igreja exercerá sua função orientadora.” (Souza, L. A. G. A JUC: Os
estudantes católicos e a política. Vozes. Rio de Janeiro, 1984. p.62.)
A coluna do CETRESO foi expressão
singular do trabalho que vinha sendo desenvolvido pela pastoral sobralense,
inserida no contexto de renovação conciliar. A participação da classe média
fora decisiva para a realização desse trabalho. A presença dos leigos junto aos
setores progressistas da Igreja serviu como uma atuação direta no processo de
inserção dos trabalhadores rurais no trabalho que a Igreja de base denominava
por libertação do oprimido. Nessa perspectiva,
“O Centro de Treinamento de Sobral
(CETRESO), foi criado e vive em função de uma causa nobre: a redenção do homem
do campo. Integrante de Nosso Secretariado Diocesano – Setor de Justiça Social
- nos esforçamos para leva a tôda diocese a Doutrina Social da Igreja, os
ensinamentos nas encíclicas do papa e nas Sagradas Escrituras.” (Correio da
Semana, Sobral. 18 de setembro de 1965. Ano 48. n.º 13.)
Nesse caso específico, o jornal Correio
da Semana atuou, em Sobral, como um veículo produtor de um discurso de
esquerda que se contrapunha a linha “revolucionária” inicialmente adotada por
esse jornal. A presença de tais discursos no “Correio”, traz para a cena
urbana, questões que margeiam o próprio limite entre o rural e o urbano, assim
os leitores eram incitados a pensar os problemas do campo, sobre a problemática
do sindicalismo, cooperativismo, reforma agrária, etc., da perspectiva que lhes
estava sendo colocada pela coluna do CETRESO e pelo trabalho realizado pelo MEB
e Dia do Senhor.
Em 05 de junho de 1965, encontramos
nessa coluna um artigo sobre Reforma Agrária. Observamos, através desse artigo,
uma espécie de formação conscientizadora sobre a importância de uma Reforma
Agrária para os interesses dos trabalhadores rurais. Nesse sentido, a orientação
proposta pelo CETRESO era sempre a partir de uma luta consciente e conjunta à
ação organizadora dos sindicatos e seus filiados. Dessa forma, lê-se:
“... cada um de nós temos o dever de
trabalhar para que o governo apresse a reforma agrária. Para isto é necessário
que os trabalhadores rurais se unam, findando sindicatos, cooperativas, etc...
Assim organizados, poderá exigir-se do governo o que temos direito.
Unimo-nos e venceremos!” (Correio da
Semana, Sobral. 05 de junho de 1965. Ano 48 n.º 08 p. 05)
Do mesmo modo, o cooperativismo também
fora bastante estimulado como forma de organização trabalhista. Em 14 de agosto
de 1965, encontramos um artigo que trazia claramente, sob perspectiva
cooperativista, a proposta de conscientização político-social, defendida pelo
CETRESO, por meio do jornal Correio da Semana. Desse modo,
“... a cooperativa como acabamos de
ver, deseja manter os trabalhadores unidos para faze-los mais fortes na luta
contra a pobreza e a miséria. Também o homem do campo só poderá melhorar de
vida pelo seu próprio esfôrço num só sentimento de união, através de fôrças
extraordinárias como a cooperativa. Não poderá o camponês esperar por promessas
baratas de políticos manhosos e interesseiros. O lavrador não deve poupar esforços,
não deve enxergar barreiras nem sacrifícios, avançando sempre, pois não há
obstáculos nem dificuldades que a fôrça de vontade não consiga remover.”
(Correio da Semana, Sobral. 14 de agosto de 1965. Ano 48. n.º 18 p.05)
Tal artigo coloca em pauta as antigas
práticas políticas remanescentes da nossa cultura oligárquica, tão comentadas
num outro momento. Desse modo, percebemos no artigo, um alerta às políticas
assistencialistas sustentadas pela classe política local com o intuito de fazer
crer a reforma agrária ou sindicalismo, um interesse comum, a agricultores e
latifundiários. Esse alerta desperta em nossa análise, a função social do
jornal inserida em um contexto de re-significação dos valores políticos locais.
Partindo de uma nova análise, o comprometimento
social não mais representava uma exclusividade dos políticos sobralenses agora
tal compromisso surgia, não só através da atuação de padres e bispo, como
também a partir do trabalho de uma classe média engajada. Tanto o MEB, como o
CETRESO, em Sobral, se projetaram a partir dessa característica.
Desse modo, a coluna MEB Sobral, em 18
de abril de 1965, comunicava aos leitores do Correio da Semana sobre
o andamento de seu trabalho, suas expectativas e intenções:
“... Atualmente a equipe do MEB Sobral,
está participando de um treinamento do CETRESO, para maior aprofundamento nas
matérias utilizadas nas aulas de Educação de Base.
Para que o Movimento de Educação de
Base tenha maior divulgação e que êste órgão seja mais conhecido, iremos
distribuir aos vigários das paróquias de nossa diocese, uma circular, levando
tôdas as mensagens necessárias aos mesmos.
Todos os nossos trabalhos têm valioso
apoio do Sr. Bispo Dom Walfrido Teixeira Vieira, em quem o MEB deposita as
melhores esperanças na consecução dos seus objetivos.” (Correio da Semana,
Sobral. 18 de abril de 1965. Ano 48. N.º 01)
O trabalho conjunto do MEB e Dia do
Senhor, apoiados pela diocese de Sobral, fez com que tais movimentos
alcançassem uma proporção que chegou a promover uma maior aproximação da Igreja
com as classes populares. Seja pela promoção de palestras dirigidas a esse
público, seja pela atuação das CEB‟s junto a periferias ou zona rural, seja
pela divulgação de tais trabalhos pela rádio Educadora do Nordeste,
que a partir de 1.º de julho de 1964, também passara para o controle da Diocese
de Sobral. Nesse sentido, Padre Luís Ximenes acredita que a Igreja sobralense
veio desenvolvendo um processo evolutivo, em que:
“...Desde 1967 que êsse barro e essa
cal vêm sendo amassados. È o estudo da realidade do meio feito com os padres e
os leigos na ocasião dos zonais. È o respeito mútuo quanto às buscas e
iniciativas pessoais... È a implantação de equipes, de sacerdotes e leigos,
para tarefas pastorais específicas... È a intercomunicação de estudos dos
zonais, é a infra-estrutura diaconal nas celebrações cultuais do Dia do Senhor,
são as Comunidades Eclesiais de Base e os sindicatos. È a rádio Educadora do
Nordeste apresentando semanalmente, variados programas como A Palavra do Senhor,
Justiça Social em Marcha , O Encontro das Comunidades e o Programa do MEB.”
(Ximenes, OP. Cit. P. 44)
Tamanha proporção fez com que esses
movimentos viessem a incomodar, tanto alguns setores mais conservadores da
Igreja como, principalmente, o governo. Com tanta notoriedade, o MEB e o Dia do
Senhor passaram a ser alvo de algumas perseguições, no exercício de suas
atividades. Os programas da rádio Educadora passaram a receber
constantes censuras. As palavras, que por si sós já são carregadas de
simbolismo, tiveram que ser substituídas por sinônimos ou simplesmente ser
retiradas de contexto. Ao se referir às fiscalizações porque passara a rádio,
nesse período, padre Albani lembra o processo de adaptação por qual sofreu o
vocabulário utilizado pelos radialistas comprometidos com os movimentos de
base. Assim, lembra:
“...tínhamos as fiscalizações, aí
tinha... tinha, tinha o ... o ... a censura dos programas da rádio... da
rádio... todos tinham que sair, sabe? Então a gente não podia usar a palavra
luta, não se usava luta. Usava, como é que era? Usava peleja, peleja ou... a
gente tinha, a gente tinha que mudar um pouco o vocabulário pra ter a
comunicação... Porque durante o tempo da Ditadura foi um tempo que coincidiu
porque vinha vindo um processo muito grande de conscientização anterior as
Reformas de Base, não sei o quê... não sei o quê... quer dizer, que o Exército
bateu, né.” (Padre albani Linhares - 20/09/03).
Tal afirmação faz com que acreditemos
que, em Sobral, não se desenvolveu uma repressão a la DOI – CODI, com todo o
aparato e requinte dos aparelhos repressivos ensaiados durante a Ditadura
Militar no Brasil. Aqui, percebemos uma repressão do medo, em que na realidade,
mais se insinuava a repressão do que se repreendia. O caso dos silêncios que foram
impostos à rádio Educadora, ou ao MEB ou ao Dia do Senhor, enquanto
movimento propriamente dito, parece-nos uma expressão significativa do modelo
de censura que se manifestou em nossa cidade.
Quanto aos setores mais conservadores
da Igreja, o incômodo vinha por parte da freqüente participação de leigos em
trabalhos sociais e religiosos. Nesse sentido, O MEB e o Dia do Senhor,
trabalharam juntos, leigos e Igreja, trilhando o mesmo caminho para o
financiamento de uma Educação de Base e, a conseqüente libertação do indivíduo
inserido no trabalho de promoção humana.
Assim em “Temor do Engajamento”, artigo
de 20 de maio de 1967, vemos uma discussão sobre o papel desempenhado pelo
leigo junto a atividades religiosas. O medo do envolvimento da Igreja com
ideologias marxistas que porventura viessem a ser demasiadamente repassadas
pelos leigos às comunidades de Sobral, fazendo da Igreja um mero instrumento de
adestramento político-social, desviando assim, a atenção dos trabalhos
eclesiais para questões de caráter puramente político, despertou a resistência
de alguns padres mais conservadores quanto a esse trabalho.
“Tem-se razão – ao que me parece - de
desejar que normalmente os membros dos movimentos de ação católica não tenham
uma ação política ou social própria. Claro que isto depende das circunstâncias
e situações; mas o normal é que os movimentos de ação católica levem seus
membros a se engajar em movimentos não eclesiásticos.
Sei que há certos bispos temerosos que
os leigos – na medida em que vão tendo consciência da necessidade de seu
engajamento no mundo - comprometam demais a Igreja. È estranho que, em geral só
se temem os compromissos com as esquerdas, nunca com a direita.
As vêzes os bispos têm medo de que os
leigos não façam apostolado direto que levem praticantes à Igreja.” (Correio
da Semana, Sobral. 20 de maio de 1967. Ano 50. N.º 02. p. 03.)
Desse modo, escreve-se no artigo,
alguns dos pontos que são relevantes para a concepção de tal atuação leiga,
enquanto “perigosa”, devido a seu engajamento com as esquerdas. A tomada de
consciência aparece, agora, como um problema que deveria ser controlado para
que não adquirisse maiores proporções, nem outros significados. Nessa
perspectiva, o artigo mostra que a homogeneidade de pensamento sobre a
Igreja-povo não existiu no meio clerical. Então:
“... conflitos entre a Igreja, ou
setores da Igreja, e a sociedade política, podem ultrapassar o simples problema
de confronto entre poderes, para manifestar fidelidades divergentes a classes
sociais opostas. As Igrejas aparecem então divididas internamente, de acordo
com seus laços com a classe dirigente ou com as classes subalternas
emergentes.” (Souza, Op. Cit. P. 36.)
Assim, finalizando o artigo,
escreve-se:
“Parece-me que êstes temores não são
muito fundados. Os verdadeiros compreendendo os dilemas que se apresentam para
o reino de Deus na realidade do mundo de hoje, hão de saber sustentar ao mesmo
tempo sua lealdade em relação às tarefas do engajamento e em relação a sua
pertença a Igreja; hão de ser fiéis a sua consciência cristã.” (Correio da
Semana, Sobral. 20 de maio de 1967. Ano 50. N.º 02. p. 03.)
Em Sobral, essa divisão da Igreja
católica parece não ter sido muito significativa. Apesar de ter existido
algumas divergências internas, a orientação da Igreja estava inteiramente
voltada para o trabalho social-religioso, no sentido de despertar os sujeitos
marginalizados para a sua libertação política. Nesse sentido, o artigo acima
finaliza julgando infundado o medo do engajamento da Igreja, defendendo a atuação
dos leigos no trabalho de mudança da realidade social vivida durante o Regime
militar no Brasil. Fato que denota o posicionamento progressista adotado por
nossa Igreja, bem como, inserido neste contexto, o posicionamento do jornal Correio
da Semana como instrumento difusor desse discurso.
Quando dissemos que esse cisma da
Igreja parece não ter tido maiores proporções em Sobral, avaliávamos sob a
perspectiva de padre Albani. Para ele:
“Dom Walfrido era muito mais pra lá do
que pra cá, quer dizer, era muito mais pra socialismo do que pra... pra... pra
ditadura. Dom Walfrido deu muita força a todos esses movimentos, sabendo do
que.. do que.. podia ser e ele dava força. Então como a posição dele era essa,
mais pra frente do que pra trás, os padres que eram pra trás mesmo, num
tiveram, num tinham muita... eram poucos e tinham pouca influência. Os padres
do meio termo ficavam zanzando pra lá e pra cá sem, sem... quer dizer, não
tivemos brigas internas no clero por causa disso, de jeito nenhum.” (Padre Albani
Linhares -20 /09 /03)
Tanto é assim que o MEB e o Dia do
Senhor, e até mesmo o CETRESO, antes de sua extinção, tiveram amplo apoio do
bispo Dom Walfrido. Nesse sentido, a Igreja em Sobral desenvolveu papel
fundamental no processo de questionamento das políticas sociais e econômicas
adotadas pelo Regime Militar. Apesar da Ditadura, movimentos sociais como MEB e
Dia do Senhor alargaram suas potencialidades e se estenderam por todo o limite
da zona Norte do estado.
O jornal Correio da Semana,
ao abrir espaço para esse diálogo, passou a incorporar uma outra linha
ideológica, diferente daquele discurso “revolucionário” oficial, repassado por
esse jornal, no início do período ditatorial no Brasil. Com todas essas
transformações no modo de ser Igreja, o posicionamento desta diante dos meios
de comunicação social depois do concílio Vaticano II (1962), e das conferências
Episcopais Latino-americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979) teve de ser
re-adaptado. Assim, “... o dinamismo, a rapidez, e a efemeridade dos processos
cognitivos gerados pelos meios de comunicação social impunham uma forma de
celebração que atualizasse continuamente a própria reflexão eclesial.” (Melo,
J. M. de.Para uma leitura crítica da comunicação. Edições Paulinas. São Paulo,
1985. p. 149.)
Nesse sentido, mostramos o Correio
da Semana, no decorrer da década de 1960, como um jornal comprometido com
sua função social imerso nessa conjuntura de renovação eclesial. Tanto é assim
que:
“... a ação pastoral preconizada pelo
episcopado latino-americano para os MCS (meios de comunicação social) da
própria Igreja vincula-se a três diretrizes básicas:
a) Sensibilizar a opinião pública para o processo de mudanças sociais
exigidas pela América Latina (Medellín, 2.2)
b) Denunciar o controle ideológico que as classes exercem sobre os meios
de comunicação social e sua manipulação para manter inalterado o status quo.
(Puebla, 1069).
c) Ser voz dos que não tem voz, apesar
dos riscos que isto implica. (Puebla, 1094).”
(Ide m, pp. 179-180)
Nessa perspectiva, a coluna do MEB de
27 de maio de 1967, trazia mais uma informação sobre a evolução do seu trabalho
junto às comunidades rurais e ao operariado de Sobral. Vemos, através dessa
nota no Correio da Semana, os nomes dos participantes do movimento
e a preocupação destes com a realidade sócio-econômica de nossa região. O
trabalho dos leigos desenvolvia-se atrelado às diretrizes da Igreja de Sobral.
Assim, a libertação do homem do campo transformou-se numa das principais metas
do trabalho pastoral em Sobral.
“Está reunida no Centro de Treinamento
de Sobral a equipe do Movimento de Educação de Base. O documento lançado
ultimamente pela Ação Católica Operária está servindo de base para os estudos
da equipe.
Em Meruoca estão: Valnê Alves,
coordenadora, Edna Barreto, Hermínia Liberato, Lúcia Bezerra, fransquinha Dias,
Mirian Moreira, Fransquinha Andrade, João Batista do Espírito Santo e Leunan
Gomes.
Na oportunidade estão fazendo também
uma revisão dos trabalhos realizados em prol da libertação do homem do campo.
Novas perspectivas estão sendo abertas com o estudo sôbre o desenvolvimento e
subdesenvolvimento de nossa região.” (Correio da Semana. Sobral. 27 de maio de
1967. Ano 50. N.º 09. p. 01.)
Esse trabalho contudo, não se
desenvolvera livre de pressões externas. Como dissemos, a repressão a esses
movimentos político-religiosos, em Sobral, se apresentou mais sob forma de
ameaça, de medo, que de ação propriamente dita. Tanto o MEB como o Dia do
Senhor apesar de, originalmente, não ter tido o intuito de confrontar a Ditadura,
inevitavelmente, ao fazer uma leitura crítica da realidade social do Brasil
tais movimentos serviram como instrumento de luta contra o sistema de governo
pós-1964.
“Com o golpe militar de 1964 haverá uma
drástica desarticulação dos movimentos populares. O acelerado ritmo de
participação popular verificado no início dos anos 60, tanto no campo como no
meio urbano, significava uma ameaça crescente à estabilidade das várias frações
e setores das classes dominantes aliados aos interesses das multinacionais.”
(Teixeira, F. L. C. A gênese das CEB‟s no Brasil – Elementos explicativos.
Edições Paulinas. São Paulo, 1988. p. 176.)
De acordo com padre Albani, o contexto
ditatorial do Brasil ajudava no processo de conscientização, realizado pelo
trabalho dos movimentos sociais. A desigualdade social, a repressão em suas
mais variadas formas, as mortes e os exílios serviram como exemplos para
explicar as arbitrariedades financiadas pelo sistema de governo totalitário e
imperialista.
“...tomar conhecimento do jeito como a
ditadura funcionava, era ótimo para explicar... o ...o imperialismo ... do
capitalismo... quer dizer, ajudou muito à consciência do pessoal e também
espantou muito, também. Mas ajudou muito... porque dava os dados concretos.”
(Padre Albni -20 /09 /03).
Percebendo o avanço desses movimentos
populares, os militares tentavam desarticulá-los, seja pelo uso da força, a
tortura institucionalizada, seja pelo corte de verbas destinado a alguns desses
movimentos como o MEB, por exemplo. Desse modo:
“Todo o trabalho incipiente de pastoral
popular é violentamente desarticulado após os acontecimentos de 1964.Tanto os
quadros do MEB como o da Ação Católica sofrem diretamente os efeitos da
impestuosa repressão que se instaura contra todas as formas de organização
popular.” (Teixeira, Op. Cit. P. 177.)
Em nossa cidade, a tática de
desarticulação vinha a partir do corte de verbas para o trabalho do MEB. Essa
tática restringiu a atuação do movimento, porém não o enfraqueceu. A
dificuldade financeira impedia que o movimento se expandisse para além da zona
norte do estado e dificultava a participação de seus componentes em encontros
ou fóruns de ação social ocorridos em outras regiões, porque não se liberava o
dinheiro para as viagens. Desse modo, o controle econômico significava também o
controle da ação político-social desse movimento. Como disse padre Albani:
“... o MEB tomou muito a cor de
antiditadura, apesar de ser mantido pela ditadura em termos financeiros, tanto
que agora o que acontecia é que quase nunca vinha... vinha o salário do
pessoal, mas não vinha dinheiro para as viagens. (...). Quer dizer, significava
que pagavam pra eles ficar sem fazer nada. Quer dizer, é uma ótima forma de
esvaziar qualquer esforço, né?” (Padre Albani ( 20/09 /03). Sobre o
financiamento do MEB pelo Regime Militar, vale esclarecer que, a criação do MEB
foi resultado de um acordo entre a presidência da República e a CNBB. (Decreto
50.307 de 21 de março de 1961.) Desde o Governo de Jânio Quadros, o MEB vinha
sendo financiado pelo governo federal.)
Contudo, tal controle não evitou a
divulgação desse movimento pelos meios de comunicação local. A resistência do
MEB se deu através de sua promoção concedida pela rádio Educadora, pelo jornal Correio
da Semana e pela ação das CEB‟s.
Nessa perspectiva, quando nos propomos
a mostrar, neste item, o jornal Correio da Semana como um
jornal difusor de um contra-discurso, queríamos na realidade colocar para o
nosso leitor, um olhar múltiplo sob as inúmeras perspectivas de análise do jornal,
enquanto objeto de estudo. Tentamos mostrar o “Correio” como espaço aberto para
a produção de diversos discursos, que não necessariamente são obrigados a se
complementar ou a se contradizer. Como disse Foucault, os discursos devem ser
tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se
ignoram ou se excluem. (Foucault, M. A ordem do discurso. Edições Loyola. São
Paulo, 1996. p. 53.)
Assim, quando percebemos no Correio
da Semana, uma abertura quase que simultânea, tanto para o discurso
“revolucionário” oficial sobre a Ditadura Militar no Brasil, como para os
discursos de esquerda, promovidos pelos movimentos sociais emergentes que foram
citados ao longo deste item, admitimos neste jornal, uma heterogeneidade que
faz com que os discursos produzidos por ele representem a própria contradição
do processo histórico e dos sujeitos que foram forjados em cima deste. Desse
modo:
“...é muito abstrato separar... os
rituais da palavra, as sociedades do discurso, os grupos doutrinários e as
associações sociais. A maior parte do tempo, eles se ligam uns aos outros e
constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos
sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos
discursos por certas categorias de sujeitos.” (Idem, p. 44.)
3. Ditadura e memória: discutindo os
vazios do local.
“A função do historiador não é
simplesmente preencher as lacunas da memória. Ele constantemente contesta até
mesmo aquelas lembranças que sobrevivem intactas.”
(Yosef Hayim Yerushalmi)
Quando nos deparamos com a produção
jornalística sobre a ditadura militar retratada no jornal Correio da
Semana, percebemos uma carência de discussão sobre os sentidos que esse
momento político trouxe para Sobral. Vemos, nesse jornal, uma produção
macro-histórica no sentido de se colocar essa forma de governo, com todas as
suas variações políticas, econômicas e sociais, distanciada da realidade
sobralense.
Não se percebe nesse jornal um diálogo
entre os acontecimentos políticos e a nova forma de se viver sob uma ditadura.
Em Sobral, essa realidade redimensionou o comportamento da Igreja, da classe
estudantil, da polícia e da política municipal fazendo com que cada uma dessas
categorias de sujeitos passasse por um processo de introspecção daquilo que
estava sendo produzido pela esquerda ou pela direita durante a regência dos
militares no Brasil.
No entanto, esse redimensionamento
parece não ter sido percebido ou absorvido pelas discussões trazidas por esse
jornal. Mesmo a coluna do MEB ou a coluna do CETRESO, que são elementos
apontados por nós como importantes meios de questionamentos do sistema
ditatorial, não deixam explícitos, em seus artigos, o direcionamento de seu
trabalho a tal sistema. Passamos a perceber a importância desse trabalho para o
fomento de uma consciência crítica voltada para a análise de nossa conjuntura
local, principalmente a partir do resgate da memória de alguns sujeitos sociais
que participaram desse trabalho.
Assim, os sujeitos e os acontecimentos
que animaram a cidade de Sobral durante esse período, de acordo com a leitura
do jornal Correio da Semana, parecem não ter sido afetados
pela conjuntura ditatorial do Brasil.
Talvez a essa falta de diálogo entre os
contextos nacional e local, percebida no “Correio” associemos o fato do
esquecimento de acontecimentos marcantes para a cidade de Sobral naquele
momento. Desse modo, apresentaremos o incidente do colégio Sobralense, a
tentativa de explosão do palanque das autoridades municipais nas comemorações
do 7 de setembro, em 1969, bem como a passeata dos estudantes do colégio
Estadual , assim como todo o trabalho do movimento estudantil e dos movimentos
de caráter político-religiosos, já citados, como representações de uma
consciência política que enfocava uma insatisfação com o sistema de governo e
que parecem não ter tido o merecido destaque pela imprensa local.
Nossa preocupação em revisitar a
ditadura militar está justamente nos vazios percebidos sobre esse período
histórico em nossa cidade. A memória dos sobralenses, enquanto elemento social,
parece não ter selecionado as manifestações de caráter estudantil ou religioso
como forma particular das variações de resistência ao Regime Militar em Sobral.
Devido à atuação do MEB e da proporção
que esse movimento alcançou em Sobral, em sua zona rural e urbana,
principalmente a partir de 1969, abre-se espaço, na cidade, para a atuação de
um movimento estudantil secundarista que viria reforçar as discussões sobre a
ditadura a partir de uma consciência crítica sobre a conjuntura nacional,
partindo dos próprios conflitos sociais locais.
Em entrevista, o advogado Francisco
Lopes, que de 1964 a 1970, fora presidente do Centro Estudantal Sobralense,
caracteriza o movimento estudantil de Sobral como um movimento de vanguarda
organizado e atrelado aos demais movimentos estudantis do estado, inclusive em
sintonia com a UNE (União Nacional dos Estudantes), que caminhando junto com o
MEB Sobral, sempre buscou questionar os problemas locais e, nesse trabalho,
embutia-se a preocupação de se discutir àquela realidade sobralense com a
realidade do Brasil. Para ele:
“... nós estudantes, tendo certeza da
nossa pouca força e pouca condição financeira para enfrentar o movimento
nacional, mantivemos em Sobral um movimento de protesto mas sempre voltado para
as coisas locais, mas nosso objetivo em atacar as coisas locais era formar a
consciência de base contra a Revolução... Aí, a gente se reunia sempre para
protestar em relação às coisas de Sobral, mas o objetivo de tudo isto era
deixar bem vivo o sentimento de protesto de toda classe estudantil...”
(Francisco Lopes, Sobral. Entrevista realizada em 07 de julho de 2004, manhã)
De acordo com a fala de nosso depoente,
construímos a idéia de que os silêncios sobre os sentidos produzidos por essa
ditadura em Sobral, que percebemos na produção do Correio da Semana,
comentados nos itens anteriores, parecem-nos ter sido denunciados a partir da
ação desse movimento estudantil e dos movimentos religiosos de base já
mencionados.
Ainda para Francisco Lopes, o movimento
estudantil teve uma grande participação no trabalho de conscientização da
classe jovem em Sobral. O programa A Voz do Estudante, transmitida
pela rádio Educadora serviu como meio difusor de sua atuação. Tal atuação não
se deu de forma aleatória, havia sempre um intercâmbio do movimento estudantil
sobralense com as decisões tomadas pelos movimentos estudantis mais
expressivos. Para ele:
“... o movimento não era só sobralense,
quando se estava aqui a nossa ação era visando o local, mas ao mesmo tempo que
mantinha relação com Fortaleza, mantinha relação com Recife e sempre tinha
alguns dos estudantes participando do movimento nacional para trazer o quente
das informações a nível de política nacional para a gente divagarinho ir
disseminando esse sentimento de consciêcia.” (Idem, p. 44.)
Nesse momento, passamos a perceber na
fala de nosso entrevistado uma corrente preocupação em situar o nacional e,
portanto, trazer esse contexto nacional para o local. O mesmo enfoque, dado ao
nacional percebe-se no jornal Correio da Semana, no entanto, nosso
entrevistado interioriza sua visão sobre a Ditadura tentando relacionar o
movimento estudantil em Sobral, portanto, uma manifestação local, com as outras
manifestações do país. Essa falta de diálogo entre o nocional e o local faz
parte dos vazios que sentimos no jornal Correio da Semana, enquanto
meio de comunicação local.
No entanto, atentamos para uma das
vantagens da história oral, como facilitadora de um diálogo imediato entre o
pesquisador e seu objeto de análise, ou seja, a relação
entrevistador/entrevistado. Nesse sentido, pensamos a história oral como meio
viável para as discussões dos vazios percebidos no jornal. Assim,
“... o conteúdo da fonte escrita é
independente das necessidades e hipóteses do pesquisador; é um texto estável,
que não pode ser apenas interpretado. O conteúdo das fontes orais, por outro
lado, dependem largamente do que os entrevistados põem em termos das questões,
diálogos e relações pessoais.” (Portelli, A. O que faz a história oral
diferente. Projeto História. Programa de Estudos Pós-graduados em História.
Depto. de História. PUC – São Paulo (14): 25-39, fevereiro, 1997. p.35.)
É a partir da história oral, através do
resgate da memória da população local que, encontramos a possibilidade de
levantar questionamentos sobre as variadas formas de se enxergar algumas das
características representantes do Regime Militar em nossa cidade. Assim, as
particularidades encontradas no MEB, no Dia do Senhor, no Movimento Estudantil,
na censura prévia a alguns programas da rádio Educadora, trazem para nossa
pesquisa um novo olhar sobre a cidade de Sobral.
Os silêncios do jornal quanto a
repercussão de alguns episódios de caráter político de esquerda, ou os vazios
de discussões sobre o local, associando tais episódios à realidade política
vivida no Brasil, podem vir a significar para nós, uma defesa, ou seja, uma
forma de não entrar em atrito com o sistema político vigente. Não podemos
esquecer que o Correio da Semana é um jornal católico, com
todo seu histórico moldado em cima das ideologias de direita, sendo assim,
mesmo dentro do discurso de releitura sobre o papel dos meios de comunicação,
cogita-se, nesse jornal, uma certa cautela por conta de um enfrentamento com as
Forças Armadas.
O espaço concebido pelo “Correio” a
esses movimentos de esquerda assemelha-se ao mesmo espaço concebido pelo bispo
Dom Walfrido a tais movimentos dentro do clero e da própria cidade de Sobral.
Um posicionamento moderado parece ter sido a escolha do jornal enquanto meio de
comunicação social local.
Apesar de não questionar por sua
própria produção as arbitrariedades e contradições do Regime Militar e não se
mencionar a promoção que esse Regime deu às manifestações políticas em Sobral,
criando todo um ambiente favorável à produção de uma consciência crítica,
posicionamentos políticos ou mesmo escolhas ideológicas que marcaram a vida de
muitos sujeitos atuantes nesse período em Sobral, o Correio da Semana falava
pela voz de outros. Ou seja, notamos uma certa dissimulação em sua produção
quando encontramos no corpo do jornal críticas diretas ao sistema de governo.
Em 25 de maio de 1968, vemos transcrita
uma ratificação de Dom João José da Motta e Albuquerque, arcebispo de São Luís
do Maranhão, por conta de um incidente com alguns militares quando da
realização de uma missa celebrada por Dom Edmilson, bispo da referida capital.
Os militares se retiraram da Igreja em forma de protesto contra as afirmações
do citado bispo, que, na ocasião comparava a conjuntura da Segunda Guerra
Mundial com a realidade brasileira daquele momento. Assim,
“III – A Igreja no Brasil, na hora
presente está vivendo em maior profundidade a sua missão profética de denunciar
o êrro e de anunciar a verdade. (...)
Dom Edmilson analisou a vitória de 8 de
maio de 1945, dentro das realidades do Brasil de 1968, para projeta-la
eficazmente, no Brasil de amanhã. (...)
Falava nos filhos responsáveis pela
defesa dos Direitos da Pátria – os Militares – numa comemoração tão propícia a
sérias reflexões sôbre a grave situação porque passa o Brasil.
Procurou ser leal, colocando, para
meditação, aspectos reais, embora cruciantes desta situação.
Infelizmente e lamentavelmente, sua
mensagem não foi entendida. Viu-se incitação à luta, quando se pregava a defesa
da liberdade. (...)” (Correio da Semana, Sobral. 25 de maio de 1968. Ano 51. n.
06 p. 02.)
Tiramos dessa matéria a idéia de
solidariedade da Diocese de Sobral para com a Diocese de São Luís do Maranhão,
significando, a nosso ver, uma concordância de pensamento sobre as reflexões
fomentadas por Dom Edmilson. Nesse sentido, mais uma vez ressaltamos o aspecto
moderado do Correio da Semana. Apesar de não se pronunciar por sua
própria produção, esse jornal não deixou de manifestar seu apoio à Diocese do
Maranhão diplomaticamente, apenas falando pela voz de quem já tinha se
pronunciado.
Nesse caminho, embora essas reflexões
não fossem escritas pelos jornalistas sobralenses, o espaço aberto no “Correio”
para tais reflexões , neste período, denota uma sintonia de pensamento sobre a
nova proposta da Igreja utilizando como veículo os meios de comunicação social:
Imprensa, rádio e televisão inseridos num contexto de renovação eclesial,
proposta desde o Vaticano II.
Tanto é assim que em 25 de maio de
1968, encontramos a transcrição da mensagem do Vaticano, de 26 de março de
1968, na qual se fazia uma reflexão sobre a função dos meios de comunicação
social. Lê-se:
“A imprensa, o cinema e a
radiotelevisão, servirão ou não ao progresso dos povos? Eis a questão que
colocamos a nossos filhos católicos e a todos os homens de coração. Mas antes,
de que progresso se trata? Do progresso econômico? Certamente. Do progresso
social? Sem dúvida. (...) A nova visão do universo, que o homem adquire pelos
meios de comunicação social, lhe permaneceria estranha ou inútil, se não lhe
fornecesse um meio de esclarecer seu julgamento – sem orgulho e sem complexo –
sôbre as riquezas e as carências de sua civilização. (...) assim também importa
abrir os olhos dos responsáveis sôbre as situações intoleráveis, denunciar as
necessidades gritantes, orientar a opinião para as „ transformações audaciosas,
profundamente inovadoras, (as) reformas urgentes (que) devem ser empreendidas
sem demora (...)’” (Correio da Semana, Sobral. 25 de maio de 1968. Ano 51. n.
06.)
É nesse sentido que destacamos o Correio
da Semana como representante local dessa nova proposta de comunicação
social. Apesar de moderado percebemos nas entrelinhas desse jornal uma
orientação, sob a perspectiva social, em trazer para seu público leitor
discussões que instigasse a formação de uma opinião crítica sobre a nossa
realidade político-social, embora deixasse alguns vazios de significados e
interpretações dos sentidos que estavam sendo produzidos por essa realidade em
nossa política local.
Dentro dessa nova proposta de
comunicação, encontramos a rádio Educadora do Nordeste com um espaço aberto
para os programas do MEB e a Voz do Estudante, entre outros. Tal emissora
parece ter tido muito destaque na vida cotidiana dos sobralenses, segundo
Francisco Lopes “... a Voz do Estudante... a programação do MEB, ela parava a
cidade para ser ouvida...era muito bem ouvida... sempre levando uma consciência
crítica, comentários, entrevistas.” (6 Francisco Lopes - 07/ 07/ 04)
Nesse momento a rádio estava sendo
dirigida pelo padre Luís Dias Rodrigues (Pe. Luizito), que é trazido pelo nosso
depoente como sendo o mentor do movimento estudantil em Sobral, aquele que
indicava as coordenadas de atuação desse movimento.
Dessa forma, o mesmo mecanismo de difusão
radiofônica utilizada pelo trabalho do MEB, fora incorporado ao movimento
estudantil em Sobral. O espaço concedido pela rádio Educadora a tais movimentos
denota a repercussão que esse trabalho de base teve na produção de uma cultura
política de esquerda absorvida, principalmente, pela juventude sobralense.
Em todo o país, naquele momento,
insurgiam movimentos juvenis de caráter contestador, fosse pela classe
estudantil, pela Pastoral da Juventude, ou pelas manifestações artísticas de
vanguarda. Significava uma expressão de resistência ao Regime Militar
brasileiro e juntamente com essa resistência à Ditadura, emergia toda uma
rebeldia caracteristicamente juvenil. Era tempo de ousar, de transgredir, de
afrontar um autoritarismo indesejado. Assim, nas capitais:
“fumava-se ou se tomavam bolinhas por
prazer, angústia ou perplexidade, e também para afrontar o entranhado
conservantismo do regime no plano dos costumes, [...], para construir uma forma
de ser oposição...” (Weis, L. Et Alli. Carro-zero e pau-de-arara: o cotidiano
da oposição de classe média ao regime militar. In: História da vida privada no
Brasil 4. Org. Novais, F. A. Companhia das letras. São Paulo, 2000.)
Em Sobral, essa transgressão juvenil
não alcançou tamanha proporção, se deu a partir dos movimentos atrelados à
Igreja, àquilo que chamamos de movimentos de base. Aqui, o movimento estudantil
atingiu seu ápice, quando no ano de 1969, sob a gestão do prefeito Jerônimo
Prado, realizava-se uma passeata de estudantes do colégio Estadual em prol da
construção da Avenida do Estudante, uma estrada que viabilizasse a passagem do
trecho que ligava o Arco do Triunfo ao colégio Estadual. Nos períodos de chuva,
esse trecho ficava de difícil acesso por conta do lamaçal que se acumulava no
solo dificultando a passagem dos estudantes.
Por conta disso, prendeu-se um grupo de
secundaristas, entre eles, nosso entrevistado, Francisco Lopes, por volta do
meio dia, na praça Coronel José Sabóia. A prisão se deu com o intuito de enviar
os estudantes para o 23 B.C. em Fortaleza. No entanto, o advogado do Centro
Estudantal, Dr. Moacir Sobreira, juntamente com os promotores de justiça de
Sobral, Dr. Aldair Cavalcante e Dr. João de Deus atuaram em conjunto para
evitar que os estudantes fossem mandados para a capital. Desse modo, o grupo de
estudantes ficou detido até as quatro horas da tarde, apenas passando por
exercício interrogatório.
Não fora aberto processo para o caso,
porque a filha do então Coronel Patagiba, estava envolvida no movimento.
Segundo nosso entrevistado, a tal filha do coronel atuava como uma espécie de
espiã do movimento estudantil. Esse fato fez com que, no episódio da prisão,
ela fosse usada como válvula de escape. Assim, para não processar a própria
filha, o coronel Patagiba pediu que não se abrisse processo e que o caso fosse
esquecido.
A riqueza de tal fato está, não na
prisão em si, mas na repercussão que esta implicou para a população local. A
voz dos estudantes presos trouxe aos ouvidos da cidade reivindicações que
ultrapassaram as questões de militância política, apresentou para a população e
para as autoridades municipais a existência de um conflito social local que não
caberia mais ser silenciado.
A reação da população sobralense à
prisão dos estudantes foi imediata. Como lembra nosso depoente:
“... Não tive a solidão um minuto...
nem um minuto eu fiquei só, porque toda a classe estudantil... Aí, nessa hora
parou todos os colégios de Sobral. Colégio Sant‟Ana, colégio Sobralense,
colégio Estadual, nesse dia não houve aula mais... Parou tudo, tudo e, todo
mundo foi pra... pra polícia, fizeram um cordão.” (Francisco Lopes - 07/ 07/
04)
Essa “paralisação” da cidade parece
significar a grandeza que a repercussão de tal episódio representou para
Sobral. Prendiam-se, naquele momento, estudantes que reivindicavam pelo
cumprimento de um dever que competia às autoridades públicas. No entanto, tal
prisão se deu porque se ligou o fato da passeata com os conceitos de desordem e
subversão tão em moda naquele momento.
Segundo nosso entrevistado, o fato teve
repercussão estadual, foi noticiado não só nos jornais e rádios de Sobral como
também nos jornais da capital.
Nesse caso, mesmo com toda essa
repercussão, não se impediu que o episódio caísse no esquecimento de nossa
população. Parece que tal população não teve o discernimento de perceber que
aquela manifestação estudantil representava, dentro de uma ordem política
ditatorial e repressiva, uma expressão do exercício de democracia. É
interessante, nesse momento, observarmos o significado que nosso depoente,
Francisco Lopes atribui ao fato.
Assim, “importante é não ser a memória
apenas um depositário passivo de fatos, mas também um processo ativo de criação
de significações.” (Portelli, Op. Cit. p. 33.)
Desse modo, quando perguntado sobre o
posicionamento do prefeito diante do caso, diz:
“Não tinha absolutamente nenhuma
animosidade entre seu Jerônimo e a classe estudantil, muito pelo contrário,
havia era uma interação. No entanto, o prefeito não era... porque, eles não
queriam saber se tinha ou não tinha amizade com as autoridades locais, eles
queriam saber se tava dispertando alguma liderança que pudesse atrapalhar a
nível de ... estado e de país... alguém que pudesse se insurgir contra a
Revolução. Tá certo? Nunca houve nenhum rompimento de relação entre os
estudantes de Sobral e as autoridades locais, porquê? Porque a gente fazia a
reivindicação se eles num desse, havia um protesto(...) Agora, nisso estava
sendo formada uma célula de consciência política de pessoas que até hoje
militam... o Veveu, o Edilson Aragão... Todo esse pessoal foi cria de um
movimento estudantil que começou em 69.” (Francisco Lopes - 07/ 07/ 04)
A partir da fala de nosso depoente,
percebemos como era simplificada a política local diante dos conflitos que se
remetessem à política nacional. A autoridade do município parecia ser anulada
pela autoridade da polícia militar da cidade.
Quanto aos significados, extrairemos de
suas palavras os conceitos de liderança e célula de
consciência. À experiência do movimento estudantil é atribuído toda uma
seriedade e importância, que na sua opinião, viria influenciar diretamente os
destinos daqueles que militaram no movimento estudantil a partir de 1969, em
Sobral.
Em 2004, nas discussões sobre os 40
anos do golpe, o jornal Diário do Nordeste apresentou uma matéria sobre o
movimento estudantil. Sob a ótica do historiador Edmilson Alves Maia, o Diário
abre uma discussão que traz para o meio dos movimentos populares de vanguarda
surgidos desde o início da década de 1960, a importância conferida à
participação do movimento estudantil nos caminhos trilhados por esses
estudantes no processo de conscientização política durante o Regime Militar e
mesmo depois de 1985. “Segundo Edmilson, além dos ritos de iniciação para
muitos jovens, delimitação de seus espaços, convivência com idéias diferentes e
formação de lideranças, a mobilização representou em aglutinação e
enfrentamento com a polícia.” (Diário do Nordeste, Fortaleza. 29 de março de
2004. p. 13.)
Não queremos, neste momento, comparar as
proporções alcançadas pelo movimento estudantil de Fortaleza, com esse
movimento em Sobral. No entanto, nos parece viável ressaltar o sentimento de
grandeza que é atribuído a esse movimento a partir das pessoas que deram vida a
ele. Na fala de Francisco Lopes, percebemos um significado ímpar de orgulho e
satisfação por ter participado de um movimento estudantil e por ter contribuído
para a abertura de um espaço de questionamento e militância política em Sobral.
Nessa perspectiva,
“o movimento estudantil se constituiu
em um agente político fundamental, não na abertura consciente de novas formas
de democracia, e sim na denúncia e enfrentamento à ordem autoritária,
transformando-se assim em um campo de possibilidades da luta política.” (Idem.)
No entanto, apesar da existência desse
movimento estudantil, bem como do MEB e do Dia do Senhor, que a nosso ver, vem
a ser vestígios de uma consciência resistente ao sistema ditatorial em Sobral,
não encontramos espaço na memória da maioria dos sobralenses para a
reconstrução daquilo que se quer entender como representações de uma
resistência de grupos locais à política nacional.
Talvez esse fato esteja relacionado ao
conceito limitado de movimento social tão impregnado no censo comum das
pessoas. O não reconhecimento de tais manifestações como sendo de vanguarda
pode ser resultado das proporções diferenciadas, alcançadas pelas manifestações
locais, quando comparadas com os movimentos de Fortaleza ou de outras capitais
do país.
Nesse sentido, o professor Pedro Van
Ool, que era secretário da associação dos professores do colégio Estadual em
1969, não entende o episódio dos estudantes do colégio Estadual como fruto de
uma militância estudantil. Em suas palavras, vemos a negação de um movimento
estudantil organizado e expressivo na cidade de Sobral. Assim,
“...As fontes orais são únicas e
significativas por causa de seu enredo, ou seja, do caminho no qual os
materiais da história são organizados pelos narradores para contá-la. Por meio
dessa organização, cada narrador dá uma interpretação da realidade e situa nela
a si mesmo e aos outros e é nesse sentido que as fontes orais se tornam
significativas para nós.” (khoury, Y. A. Narrativas orais na investigação da
história social. Projeto História. Programa de pós-graduados em História e
Dpto. de História, PUC- São Paulo (22): 79-103, junho de 2001. p.84)
Para prof. Pedro o que acontecia em
Sobral eram casos isolados, fatos que não tiveram sequer o destaque dos
próprios meios de comunicação local. Em suas palavras:
“Não havia movimento estudantil, eu era
até secretário da Associação dos Professores do Colégio Estadual naquele tempo,
viu... o que se passava por aí a fora eu sei exatamente, viu. Não houve, como
eu sempre chamo orquestração, eram tentativas isoladas de certas pessoas mais
aquecidas.” (Pedro Van Ool , Sobral. Entrevista realizada em 07/ 07/ 04.
(tarde)
Sob essa mesma linha de raciocínio,
quando perguntado sobre o episódio da tentativa de explosão do palanque das
autoridades municipais, também na gestão de Jerônimo Prado, quando das
comemorações do 7 de setembro resultou na prisão de outros dois estudantes,
Márcia Barreto e Amilcar, novamente nosso depoente nega essa ação enquanto
prática de um movimento estudantil. Mais que isso, nega, inclusive, a relação
de qualquer dessas manifestações ou movimentos político-sociais, até agora
apresentados por nós, como expressões de críticas ou resistências ao Regime
Militar em Sobral.
Na sua visão, esse episódio esteve
relacionado a despeito político, especificidades da nossa própria política
local, novamente um fato isolado. Para ele:
“...Aquilo era assim, como despeito
político, não tinha nada a ver com os militares não , era despeito de facções
políticas... mas aquilo são fatos, chamados isolados. Aqui em Sobral, vamos
dizer, não houve uma orquestração é... política no tempo do... do Regime
Militar, não houve. A população de Sobral sempre se tem caracterizado como um
povo pacífico, como um povo calmo.” (Idem.)
Nesse sentido, chamamos a atenção do nosso
leitor para aquilo que vimos questionando desde o começo deste capítulo. Será
que esse censo comum à grande maioria dos sobralenses, em não enxergar nessas
manifestações político-sociais de Sobral uma relação com as práticas de
resistência e contestação à Ditadura Militar tão comum a juventude brasileira
daquele momento, se deve à falta de discussões dos meios de comunicações
locais, ou simplesmente, porque como disse o prof. Pedro Van Ool, Sobral viveu
à sombra da Ditadura ou mesmo não sentiu sua influência?
Por esse caminho, Padre Osvaldo Chaves,
que era professor do colégio Sobralense, juntamente com prof. Pedro, chega a
duvidar da existência dessa bomba.
“... ninguém sabe... porque ninguém viu
essa bomba... ninguém ouviu o estrondo, ela não explodiu. Eu tenho minhas
dúvidas que tenha existido uma bomba, não é?” (Padre Osvaldo Chave, Sobral.
Entrevista realizada em 23 de julho de 2004.)
Para ele essa prisão se deu mais como
uma tentativa de se criar um fato que causasse impacto na população com o
intuito de se fazer crer na autoridade e competência da polícia local. Assim,
acredita que se tenha forjado tal boato para desarticular qualquer indício de
manifestação subversiva a fim de vangloriar a ação da polícia.
“... eles tinham que fazer alguma coisa,
porque se não era desmoralização. Eles tinham que fazer qualquer coisa, né?
Começava por não ter nada o que fazer, aqui em Sobral não tinha movimento de
subversão. Então qualquer coisinha dessa, prender um estudante, é... isto aí
era uma vitória pra eles, né? Marcavam ponto a favor deles, né?” (Idem.)
Concebemos tal raciocínio como sendo
uma das várias interpretações que cada um dos sujeitos que vivenciaram aquele
momento pode atribuir ao episódio. Desse modo, “quando recordamos, ampliamos
determinados acontecimentos e então os reinterpretamos à luz da experiência
subseqüente e da necessidade presente.” (lowenthal, D. Como conhecemos o
passado. In: Trabalhos da Memória. Projeto História (17). Educ. São Paulo,
1998. p. 97.)
A partir disso, pensamos o entrelaçar
de nossas entrevistas como caminhos que veiculem as interpretações extraídas de
nossos depoentes como busca de sentidos para que se possa explicar, ao mesmo
tempo em que se possa entender, os acontecimentos de um passado quase que
“imperceptível” para a cidade de Sobral.
Nesse sentido, um outro acontecimento
que merece destaque de análise, mas que na época não teve divulgação nem do
jornal, nem das rádios da cidade seria o caso dos estudantes do Sobralense.
No ano de 1967 quando no mês de outubro
se noticiava a morte de Che Guevara, os estudantes da oitava série do
Sobralense sob orientação de seus professores de português e história, Pe.
Osvaldo e Pe. Pedro respectivamente, fizeram um estudo a partir de reportagens
de jornais sobre a morte de Guevara. Esse estudo resultaria na intenção de se
homenagear postumamente a “coerência no agir” de Che. A idéia seria
materializada a partir da festa de término do curso dos alunos. No momento,
Guevara receberia o mesmo destaque de Dom José e do Papa João XXIII, sendo
colocado bem ao centro dos dois. No dizer do prof. Pedro, ex-padre Pedro: “não
era um Cristo entre dois ladrões, era um ladrão entre dois Cristos.”
Desse modo, o destaque dado a Guevara
poderia significar uma aproximação da Igreja, naquele momento, representada por
Dom José e pelo Papa João XXIII com o sistema socialista, representado pela
figura de Che Guevara. Sobre essa possível aproximação discutimos no
capítulo anterior, quando falávamos da atuação da Igreja junto aos setores
sociais a partir da realização de trabalhos de conscientização e libertação do
homem do campo, desenvolvidos pela Igreja e uma classe média engajada, que
foram de encontro à dinâmica ditatorial daquele momento.
Para padre Osvaldo, essa homenagem só
fora mal interpretada porque havia, na cidade, um deputado, Francisco
Figueiredo, que tinha tido seu filho transferido do colégio Sobralense por
indisciplina. Essa transferência fez com que, por rancor, tal deputado, a quem
se atribui uma ligação com o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social),
perseguisse o trabalho do colégio e dos professores a ele relacionados (Essa
transferência se deu porque em sala de aula, o filho do deputado Francisco
Figueiredo agrediu fisicamente a pessoa de Padre Osvaldo, que era seu professor.
Por conta desse episódio, o prof. Pedro Van Ool, que na época, era diretor do
colégio Sobralense expulsou o aluno da escola também na base da agressão
física. Esse fato resultou no seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional
pela 1º vez).
Assim, comenta: “Isto aí soou mal
pra... o pessoal encarregado de DOPS e de... polícia, não é? É... quiseram ver
nisto, um movimento de subversão política.” (Padre Osvaldo - 23 /07 /04)
Tal fato resultou, na vinda de oito
policiais de Fortaleza, que se encarregaram de interrogar o padre Pedro sobre o
que estava sendo programado. A conversa aconteceu na sacristia do Abrigo, logo
depois do padre ter encerrado uma missa de domingo de manhã. Ao final do
interrogatório ficou esclarecido que se houvesse a homenagem haveria
intervenção militar. Depois disso ficou decidido que, se não fosse pra
homenagear Che Guevara, seria melhor não haver festa. Por conta disso, não
houve festa e o prof. Pedro, na época padre Pedro e o padre Osvaldo, terminaram
enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Além dessa advertência, padre Osvaldo
Lembra que na noite da festa o colégio passou por contínua fiscalização. Quando
perguntado sobre a atuação da polícia local, responde:
“... era a polícia militar, quem ficou
vigiando o colégio Sobralense a noite do dia dez de dezembro, num era a polícia
daqui não, era... e também num era um batalhão... era pessoas assim... a gente
sabia que não era uma presença constante, comum, né? Havia uns soldados por ali
por perto. E o colégio Sobralense tinha recebido, é... intimação. Que não
fizesse a solenidade, a festa ... a tal sessão das oito horas da noite, né?
Ninguém fez.” (Idem.)
Por esse caminho, da narrativa de Pedro
Van Ool, extraímos um trecho que nos remete àquilo que pensamos ser uma possibilidade
para explicar os vazios de lembranças sobre esse período em Sobral: a não
correspondência desses episódios, mesmo que isolados, mas que cheios de
historicidade em suas particularidades, com o contexto ditatorial nacional.
Sobre a explicação de prof. Pedro aos militares, lê-se:
“... o que houve foi um estudo crítico,
depois da morte de Che Guevara, para os alunos por conta própria, orientados
pela gente, descobrir o certo e o errado. Eles descobriram muita coisa errada,
mas descobriram um pontinho certo: a coerência no agir, o que eles admiravam no
Che Guevara. Só isso. Faz mal a ninguém não. Não vai contra o Regime
Militar, não vai contra o capitalismo, nem contra a Igreja, nem contra os pais,
nem contra os senhores, não vai contra ninguém.” (Pedro Van Ool -
07 /07/ 04) Grifos meus.
Quando nosso depoente fala que tal
estudo não iria contra o Regime Militar, nem contra o capitalismo, etc.,
pensamos a partir de duas linhas de raciocínio: ou essa justificativa serviu
como massa de manobra para aliviar o peso da escolha de um comunista a ser
homenageado pelos estudantes de um colégio católico, inserido em uma ordem
ditatorial capitalista, ou, realmente, não se fez uma correspondência entre a
homenagem a Guevara e a repercussão que esta traria para Sobral dentro de tal
ordem.
Ora, o simples fato de se ter escolhido
Che Guevara para ser homenageado, já demonstra uma preocupação por parte dos
professores em analisar ou, pelo menos, fazer brotar na consciência dos alunos
questionamentos sobre o posicionamento político-ideológico de Che. Desse modo,
inevitavelmente, durante esse “estudo crítico” estaria subtendido à vontade de
se fazer perceber, pelos alunos, as divergências existentes entre o sistema
socialista, defendido por Guevara e o sistema capitalista legitimado a partir
da Ditadura.
Dentro dessa pedagogia de ensino, padre
Osvaldo, enquanto professor de português, estimulava seus alunos a escrever
redações, cartas. Essas correspondências eram trocadas com alunos e professores
de Angola, Moçambique e Portugal. Tais países, naquele momento,
coincidentemente ou não, estavam passando por uma aproximação com as ideologias
socialistas.
Em entrevista, nosso depoente justifica
essa aproximação com esses países, não por simpatia político-ideológica mas
porque sua intenção, enquanto professor, era estimular os alunos a escrever,
fazer redações, colocar em prática o português que vinha sendo trabalhado em
sala de aula. Por conta desse trabalho extraclasse, padre Osvaldo sofreu
algumas pressões das classes mais conservadoras da cidade. Encontrava-se nas
ruas, nas Igrejas, nas localidades mais distantes do centro, pichações com o
intuito de depreciar sua personalidade e de outros padres mais engajados em
trabalhos sociais. Assim, lia-se nas pichações:
“Padre Luizito é comunista, padre
Osvaldo é comunista. Essas besteiras, né? O mínimo de letras possível, né?
Bastava dizer que a pessoa era comunista... quem queria ofender uma pessoa não
precisava dizer nome nenhum com a pessoa. Nem dizer filho dessa, nem filho daquela,
não. Pra ofender uma pessoa gravemente, era dizer que ele era subversivo, era
comunista, né?” (22 Padre Osvaldo - 23 /07/ 04)
Por esse caminho, acreditamos que a
falta de divulgação dessas “pequenas-grandes” manifestações político-sociais,
pelos meios de comunicações locais, fez-se produzir na memória pública (Usamos
memória pública em vez de coletiva, para fugirmos da dicotomia
individual/coletivo. Nesse sentido, acreditamos ser a memória um elemento
social, portanto não se concebe um ser isolado, apartado de um todo.Apesar das
discussões sobre memória trazê-la em sua maioria enquanto individual, por conta
do fator interpretativo, de sentidos e subjetivismo. As divergências, nesse
sentido, são várias. O importante salientar, nesse momento, é que concebemos a
memória como social. Sobre a utilização de uma memória pública ver: Portelli,
A. As fronteiras da memória. O massacre das fossas ardeatinas. História, mito,
rituais e símbolos. In: História & Perspectiva. Uberlândia (25-26) : 9-26,
jul/dez. 2001 / jan/jul. 2002.) da cidade um esquecimento desses indícios de
contestação política.
Assim, “o esquecimento é o destino de
muitos acontecimentos de enorme importância na época em que aconteceram.”
(Lowenthal, Op. Cit. p. 97.)
Um pouco mais adiante, de acordo com
Prof. Pedro, encontramos uma das chaves para interpretarmos a incógnita desses
vazios locais. Para nosso depoente:
“os próprios jornais e rádio, essa
coisa toda , tinham medo... da ... do Regime Militar, então diante disso só
lhes cabia uma atitude: silenciar, ficar calado, fazer de conta que não tava
acontecendo nada. Não houve nenhuma manifestação fora do colégio.” (Pedro van
Ool -07/ 07 /04)
Nesse momento, é importante lembrar o
espaço conferido aos movimentos de base, como MEB, Dia do Senhor, ou mesmo o
movimento estudantil, encontrado no Correio da Semana e na rádio
Educadora do Nordeste. No entanto, mesmo essas manifestações de maior
destaque, não são lembradas como representações de contestação política local,
a não ser por aqueles que estiveram inseridos nesses movimentos. Nesse sentido,
“o passado relembrado é tanto individual quanto coletivo. Mas como forma de
consciência, a memória é total e intensamente pessoal.” (Lowenthal, Op. Cit. p.
78.)
A repressão imposta aos sistemas de
comunicações em todo o Brasil, numa tentativa de silenciar as arbitrariedades
gritantes do Regime, parece-nos ter concorrido para a construção desse
esquecimento. Desse modo,
“... A memória nacional foi construída
com a finalidade de ser dita, explicitada, propagandeada e imposta à população
e elaborada a partir do estabelecimento de um tempo progressivo, linear,
finalista, tempo esse desconstruído por lembranças descontínuas de indivíduos e
grupos cujos interesses não coincidem necessariamente com os interesses do
poder.” (Pollak, M. apud D‟Alessio, M. M. Intervenções da memória na
historiografia: Identidades, subjetividades, fragmentos, poderes. In: Trabalhos
da Memória. Projeto História (17). Educ. São Paulo, 1998. p. 277.)
Em Sobral, o medo ressaltado anteriormente
pelo prof. Pedro parece ter influenciado diretamente a produção do jornal Correio
da Semana. Segundo Francisco Lopes, tal jornal “era um jornal mais de
direita, não é? Por que eles não podiam comprometer os interesses da Diocese.
Tudo era uma questão de sensibilidade política, que se eles enfrentassem quem
sofria era a Diocese, (...) então tinha que ser na diplomacia.”
Nesse sentido, percebemos no depoimento
de Pe. Osvaldo, uma concordância com Francisco Lopes no que diz respeito ao
posicionamento do jornal. Tal percepção se deu quando em entrevista Pe. Osvaldo
relembrou o espaço aberto pelo “Correio” para publicação das melhores redações
ou artigos dos estudantes do Sobralense com relação aos estudos sobre Che
Guevara. Esse espaço, na época oferecido pelo cônego Egberto, diretor do
jornal, fez com que a polícia da cidade enxergasse em tais publicações uma
possível disseminação de idéias subversivas.
O espaço conferido aos estudantes, ou a
existência de uma Coluna Estudantil, nesse jornal, trouxe consigo a antipatia
dos militares resultando em ameaças de fechamento do Correio da Semana.
Para Pe. Osvaldo, qualquer notícia ou reportagem, ou ainda qualquer discurso
que não tivesse enaltecendo a Revolução de 31 de março de 1964, se transformava
em alvo de vigilância. Para ele,
“Quando aparecia qualquer idéia
assim... qualquer idéia que cheirava menos bem ao nariz dos milicos, né? Eles
davam em cima do jornal... Foram ao Correio da Semana e disseram assim: „acabe
com... com essas publicações de estudante, porque pra fechar um jornalecozinho
desse como Correio da Semana... basta um sinalzinho da gente. O jornal fica
fechado.” (Padre Osvaldo - 23/ 07/ 04)
Retomando a idéia de repressão aos
meios de comunicação, reconhecemos, nesse episódio, as circunstâncias e as
condições de produção nas quais o Correio da Semana estava
sendo gerido. Com essa ameaça de fechamento, a idéia de diplomacia e de
moderação que se atribui a tal jornal, passa a ser reforçada quando Pe. Osvaldo
nos explica o comportamento de cônego Egberto, ao receber aquela ameaça. Disse
que,
“... simplesmente o padre Egberto,
disse que era bom a gente não publicar mais essas coisas, né? Ou então quando
publicasse, tivesse o cuidado de poldar, em qualquer idéia que cheirasse menos
bem ao nariz deles, né?” (Padre Osvaldo - 23/ 07/ 04))
De acordo com o exposto, surge em nós a
impressão de que a Igreja, enquanto instituição social, inteiramente voltada
para um trabalho de base, tendo como subsídios de pregação e conscientização em
Sobral, as Comunidades Eclesiais de Base, o MEB, o Movimento do Dia do Senhor,
entre outros, passou a ser, em nossa cidade, um importante veículo de protesto
contra as injustiças sociais conhecidas naquele momento.
Nessa perspectiva, os padres mais
engajados nesses trabalhos sociais, sentiram os reflexos do medo que se
construiu na população local, a partir da realidade ditatorial vivida no
Brasil. Para padre Osvaldo, devido a esse medo instituído em nossa comunidade,
seu próprio trabalho de evangelização fora prejudicado.
Naquele tempo, sua função era a
pregação em domicílio. Marcavam-se reuniões nas casas dos fiéis, principalmente
com o objetivo de atingir um público mais carente. No entanto, por ser taxado
de comunista, ele nos conta que, na realização de seu trabalho com os Círculos
Bíblicos, por mais de uma vez, fora enganado pelos fiéis: ou encontrava as
portas das casas fechadas, ou os vizinhos se encarregavam de dizer que os
moradores não estavam.
No seu entender isso acontecia,
“... porque o pessoal tinha medo, não
é? Essas reuniões de grupo, assim, trabalhos em grupo. Medo de haver alguma
fiscalização. Como era o meu, Círculos Bíblicos. O pessoal tinha medo, né?
Havia vigilância. Eu já lhe disse que, freqüentemente, na nossa igreja lá no
bairro Dom Expedito, a gente conhecia todo mundo, aparecia tipos de fora,
né?... lá no meio pra escutar a pregação... pra ver se pegava alguma coisa.
Havia.... o pessoal sabia, né? Agora, ninguém ia indagar.” (Ibidem.)
Apesar desses movimentos de base terem
se restringido somente às discussões de renovação eclesial preocupadas,
principalmente, com a libertação do homem do campo, a existência de tais
movimentos nos faz perceber em Sobral um tímido teor de contestação
identificado nos interstícios que margeiam o espaço rural e urbano da cidade.
Esse medo, tão lembrado por nossos
depoentes, pode significar um dado cristalizado em nossa memória social, por
conta de um conhecimento adquirido através de um discurso que surgiu para
caracterizar o imaginário social vivenciado no pós-64. Por outro lado, esse
medo pode denotar a consciência de uma realidade repressiva, reconhecida a
partir da presença autônoma e autoritária da polícia militar,
institucionalizada através dos discursos oficiais forjados para aquele momento.
Desse modo, “a memória nacional uniformizou lembranças, exercendo, portanto,
uma função opressora em relação as experiências lembradas por pessoas e
grupos.” (Pollak, Op. Cit. P. 277)
Nessa perspectiva, quando alargamos
esses movimentos político-religiosos a todas aquelas manifestações “isoladas”
que vimos comentando neste capítulo, percebemos a
interpretação que cada um de nossos entrevistados deu à sua percepção dos
significados que o Regime Militar teve para Sobral. No entanto, o que vimos
apresentando até aqui, são possibilidades de explicações para entendermos os
vazios desse período histórico em nossa memória local. Para nós,
“A memória tecida sobre um determinado
evento ou conjunto desses eventos dificulta a percepção histórica que se pode
ter desses episódios, refaz o itinerário de atribuição de sentidos, constrói um
fato oferecendo explicação coerente a episódios na origem desconexos.” (Pinto,
J. P. Os muitos tempos da memória. In: Trabalhos da Memória. Projeto História
(17). Educ. São Paulo, 1998. p. 206.)
Assim, na busca de uma explicação mais
coerente com nossa pesquisa, pensamos ser a não correspondência de tais fatos
com o contexto ditatorial, e por conseqüência, a falta de divulgação ou
discussão sobre esses episódios, até mesmo por conta da censura imposta aos
meios de comunicação, como responsáveis pela existência desses vazios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pesquisar sobre o período da Ditadura
Militar na cidade de Sobral foi, ao mesmo tempo que difícil, surpreendente.
Partimos para a pesquisa simplesmente com a vontade de descobrir no passado de
nossa cidade alguma similitude com àquele referencial de Ditadura que vimos se
construir por uma historiografia política presa ao universo das capitais do
país. Procurávamos indícios de repressão, torturas e mortes.
O contato com os entrevistados, logo de
início, retirou de nossas expectativas tal possibilidade. Em quase todas as
entrevistas o período ditatorial, na cidade de Sobral, era definido como
“momentos de pico”, ou seja, não se sentiu na atmosfera de nossa cidade um
esquema político-ideológico montado em cima do aparelho repressivo ditatorial,
o que se encontrou na memória desses sujeitos foram acontecimentos isolados,
dos quais não se construíram na memória local enquanto manifestações representantes
de uma resistência a essa Ditadura em Sobral.
Ao mesmo tempo em que se desfaziam
nossas primeiras inquietações, através da história oral e de nossa aproximação
com a Imprensa católica, jornal Correio da Semana e rádio Educadora
do Nordeste, abriu-se margem para novos caminhos em nossa pesquisa. Apesar
de termos encontrado no “Correio”, espaço para a propagação do discurso
salvacionista legitimador da “Revolução” de 31 de março de 1964, a coluna do
MEB e a Coluna do CETRESO, inseridos em tal jornal, se mostraram para nós como
fios condutores de um discurso social, do qual trazia para si um acanhado teor
de contestação percebido a partir das entrelinhas do Correio da semana, consubstanciado
pelo trabalho social-religioso desenvolvido pela rádio Educadora.
Dentro da proposta de renovação
eclesial iniciada a partir do vaticano II(1962) e reforçada por Medellín (1968)
e Puebla (1979), a Igreja católica comprometida com as políticas sociais se
constituiu num organismo questionador do sistema capitalista e, inevitavelmente,
foi de encontro à Ditadura por esta apresentar um modelo político que
legitimava tal sistema. Nesse sentido, percebemos a Diocese de Sobral engajada
na perspectiva social comprometida com os trabalhos de base tais como CEB‟s,
MEB, Círculos Bíblicos e Movimento do Dia do Senhor.
De acordo com o caminhar da pesquisa,
concebemos a Igreja de sobral, a partir de seus trabalhos sociais, como uma das
principais representantes de uma resistência à Ditadura Militar em nossa
Cidade. O jornal Correio da Semana assumiu um caráter moderado
diante do controle editorial imposto pela censura aos meios de comunicação. No
entanto, enquanto meio de comunicação local tal jornal se mostrou, num primeiro
momento, contraditório por trazer em sua escrita, espaço para a produção de
discursos opostos ideologizados a partir dos conceitos de direita e de
esquerda, reforçados pelas idéias dos sistemas capitalista e socialista.
Num segundo momento, com um olhar
preocupado com o jornal como um todo, percebemos que àquela contradição trazia
as marcas do próprio histórico conservador que modelara o Correio da
Semana desde a sua fundação em 1918. A partir da década de 1960, a
“opção preferencial pelos pobres” adotada pela Igreja Católica, juntamente com
realidade política ditatorial vivida no Brasil, de certa forma, redimensionou o
comportamento desse jornal, enquanto meio de comunicação social. Assim,
percebemos uma “dissimulação” discursiva na produção de tal jornal quando de
tratava de temáticas político-sociais.
Por outro lado, a descoberta de um
movimento estudantil e de algumas particularidades vinculadas aos Colégios
Sobralense e Estadual, mesmo que colocadas como acontecimentos isolados, nos
fez perceber uma historicidade que, para nossos entrevistados, parecem não representar
variantes daquela política ditatorial, em sobral. Nesse sentido, a partir da
Imprensa e da História Oral, encontramos uma memória local desarticulada, em
significados e sentidos, dos discursos e manifestações que foram produzidos
pela Ditadura em nossa cidade.
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Sobral realizada em 23 de abril de 1968.
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48. n.º 04 p. 04
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48. n.º 02 p. 03
Correio da Semana, Sobral. 18 de setembro de 1965.
Ano 48. n.º 13.
Correio da Semana, Sobral. 05 de junho de 1965. Ano
48 n.º 08 p. 05
Correio da Semana, Sobral. 14 de agosto de 1965.
Ano 48. n.º 18 p.05
Correio da Semana, Sobral. 18 de abril de 1965. Ano
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Correio da Semana, Sobral. 1° de abril de 1967. Ano
50. n.º 01. p. 06
Correio da Semana, Sobral. 29 de julho de 1967. Ano
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p. 13. 88
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em 20 de setembro de 2003.
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em 23 de julho de 2004.
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de julho de 2004 89
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